Apenas uma espécie de cobra cascavel está mapeada no Ceará, segundo o Inventário da Fauna da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema). No entanto, a presença do réptil é tão representativa que dá nome até a uma cidade litorânea, distante cerca de 60 km de Fortaleza.
O município de Cascavel completará 190 anos em 2023, após ser elevado a cidade, em 1833. O povoamento da localidade, contudo, se dá bem antes, no fim do século XVII.
Para contar essa história, o Diário do Nordeste consultou artigos e livros sobre a cidade e conversou com o diretor escolar Evânio Bessa, cascavelense e um dos autores do livro “A Serra da Mataquiri, o Rio Malcozinhado e Outras Histórias”, que reúne causos de lá.
Contam que o capitão português Domingos Paes Botão e seu cunhado, João da Fonseca Ferreira, moravam na região do Médio Jaguaribe e chegaram ao litoral fugindo da perseguição indígena.
Ali, em 1694, conseguiram autorização do governo português para tocar um pedaço de terra, à época chamado de sesmaria. O local foi batizado de Sítio Cascavel.
Segundo estudo do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), a denominação seria do sítio de propriedade de Manoel Rodrigues da Costa e Francisca Ferreira Pessoa, irmã de João da Fonseca, para quem a propriedade foi transferida algum tempo depois.
“Ele e sua mulher edificaram uma capela, doada, juntamente com as terras, as quais, até hoje, servem de patrimônio”, diz o documento. O pequeno templo dedicado a Nossa Senhora do Ó foi construído em 1710.
Porém, conforme os relatos históricos, antes mesmo da chegada dos “donos”, a área já era ponto de travessia de comboios de viajantes que iam de Aracati a Fortaleza (ou vice-versa), e seus pés de caju e tamarindo faziam sombra para quem queria descansar.
Próximo deles, havia ninhos da serpente - “fáceis de serem reconhecidas pelo barulho que emitiam por seu chocalho em sua cauda”, conforme o livro -, daí a fama popular de “caminho da cascavel”.
Outra hipótese fala que “cascavel” era o nome de uma porteira rústica, feita de dois grandes troncos de madeira atravessados por estacas horizontais. “Dizem que o nome Cascavel deve ter provindo justamente do fato dos comboieiros e viajantes se referirem a esse lugar como a passagem da cascavel”, descrevem os autores.
Esconderijo subterrâneo
O nome de batismo ganhou até lenda, com o passar do tempo. Moradores antigos passaram a reproduzir que uma gigantesca serpente vivia debaixo da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição.
Noutra versão, ela estaria debaixo da Igreja de Nossa Senhora do Ó, demolida em 1945. Numa terceira, ficaria morando sob um monumento dedicado a esta santa, e que existe até hoje.
Confiantes na proteção, muitos acreditam que a estátua não deve ser retirada do local para não libertar a grande cascavel.
“O monumento ainda está de pé, é bem frequentado e está todo modernizado”, garante o diretor Evânio Bessa.
Cobra alada e maremoto
Parte da população também acredita no crescimento da cobra, ano a ano. Um dia, ela deve ficar tão grande que sairá da terra e ganhará o céu na forma de um dragão alado.
Ao cair no oceano, ela deve provocar um forte maremoto, cujas ondas tremendas vão inundar a cidade e afogar todos os moradores.
Por causa da má profecia (e do nome peçonhento e perigoso), uma época, sacerdotes católicos e políticos até tentaram modificar o nome de Cascavel para São Bento, santo a quem se credita a proteção contra picadas de cobras.
A campanha tentou convencer fiéis alegando que, a cada vez que se pronuncia a palavra “Cascavel”, o monstro subterrâneo cresce três palmos; quando se fala “São Bento”, ele encolhe apenas um. A história provou que os esforços foram em vão.
“Ela deve estar muito grande, porque só se fala Cascavel. Já tá do tamanho da cidade”, diz Evânio Bessa, entre risos.
Pela crendice popular, sempre que a cobra se move, a terra treme na cidade. E eles não são incomuns: desde 2020, pelo menos 11 tremores foram registrados pelo Laboratório Sismológico (LabSis) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Por não chegarem a 3 graus na escala Richter, eles geralmente nem são sentidos.