Superação é tema de livro que homenageia personalidades, entre elas o cearense Eleazar de Carvalho

"Brasileiros", lançamento da editora Nova Fronteira disponível em e-book, traz ainda um relato do cearense Renato Aragão sobre Oscarito

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Um dos maiores nomes da música, Maestro Eleazar de Carvalho ganha, no livro, texto escrito pelo próprio filho

Maestro, compositor e educador, Eleazar de Carvalho (1912-1996) é reconhecido pelo importante lugar que ocupa no mundo da música. Poucos fizeram frente ao talento e qualidade nos trabalhos assinados pelo cearense, natural de Iguatu. Mas essa trajetória de distinto sucesso deve-se também a uma grande capacidade de ousar e, portanto, ultrapassar diversos obstáculos.

Um exemplo foi quando esteve nos Estados Unidos pela primeira vez, em 1946. Chegando no local de um prestigiado festival e residência de verão da Boston Symphony, pediu ao lendário maestro Koussevitzky que lhe desse uma oportunidade para estar à frente da orquestra. Caso não demonstrasse habilidade, voltaria para viver da caça e da pesca no Brasil.

“Aquele era um ato de grande ousadia, e ter conseguido superar essa barreira foi decisivo para sua carreira. A partir do ano seguinte, começou a reger as principais orquestras americanas e foi o primeiro maestro brasileiro a ser tão reconhecido internacionalmente”, escreve Eleazar de Carvalho Filho, rebento do artista.

Ele é um dos 42 autores dos textos integrantes de “Brasileiros”, recente lançamento da editora Nova Fronteira.

A obra, disponível em formato e-book e em pré-venda na versão física, é organizada pelo advogado, professor e escritor José Roberto de Castro Neves, doutor em Direito Civil pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e mestre em Direito pela Universidade de Cambridge, Inglaterra. Também é autor de diversos livros sobre história, direito e literatura.

Legenda: O ator e comediante cearense Renato Aragão tem, no livro, artigo sobre Oscarito

Em entrevista ao Verso, José Roberto conta que o exemplar nasceu a partir de uma preocupação de não haver entre nós um cuidado em preservar a memória de conterrâneos incríveis, detentores de grandes feitos.

A gente não cultiva os nossos heróis. Então, a primeira ideia para o livro surgiu da vontade de prestigiar figuras nacionais que, por uma razão triste, não são lembradas como deveriam”, explica José Roberto.

A forma como o exemplar engendra nessa questão é interessante. Para falar de relevantes personalidades, o organizador convidou outras, num belo exercício de sintonia e reverência.

Entre os homenageados, além de Eleazar de Carvalho, estão Santa Dulce dos Pobres, com história contada por Fernanda Montenegro; Luiz Gonzaga, por Ancelmo Gois; Vinicius de Moraes, por Nelson Motta; Lygia Clark, por Vanda Klabin, entre vários outros.

Legenda: Santa Dulce dos Pobres ganha perfil escrito por Fernanda Montenegro

O ator, diretor e comediante cearense Renato Aragão escreve o artigo sobre o ator hispano-brasileiro Oscarito (1906-1970).

Influências

Exatamente por reunir narrativas de personagens que foram além do lugar-comum e conseguiram superar tempos difíceis, seja no campo da fé, política, cultura ou Direitos Humanos, “Brasileiros” é uma boa pedida para este período de quarentena. À medida que as páginas avançam, fica mais nítida a necessidade de nos inspirarmos em pessoas de bastante coragem e compromisso, como meio de atravessarmos melhor o tempo de pandemia

Renato Aragão, por exemplo, ao evocar a ilustre figura de Oscarito, conta no livro que o conheceu por meio do cinema. “Eu era adolescente em Sobral e fui assistir a um filme do Oscarito chamado Carnaval no fogo (1949). Jamais esquecerei o meu deslumbramento ao ver aquelas cenas dele na telona. Fiquei simplesmente maravilhado…”, recorda o artista.

“Sempre que uma das imagens dos filmes do Oscarito me vinha à mente, eu pensava: ‘Poxa, eu ainda vou fazer isso que esse cara faz’”.

E, assim, ainda que rodeado de tantas questões acerca do próprio futuro, Renato foi trilhando uma estrada sempre atenta ao ídolo. Cursou Direito, trabalhou em banco, mas não desistiu da vontade de ser feito aquele que tanto o fazia se encantar pela vida.

Não teve outra: no dia 30 de novembro de 1960, nasceu Didi, personagem mais famoso do ator, na recém-inaugurada TV Ceará. A partir daqui, a história é conhecida. Aragão se uniu a outros talentosos jovens e se consolidaram como Os Trapalhões, um dos grupos de maior sucesso do humor nacional. 

Legenda: A poética humana de Vinicius de Moraes ganha fôlego por Nelson Motta

O que pode escapar à maioria das pessoas é um singelo fato presente na obra, quando Renato Aragão se encontrou com Oscarito, na época em que ambos estavam no Rio de Janeiro.

O simpático diálogo apresentado, ao mesmo tempo que provoca o riso, também acende a fagulha da esperança de que, com esforço, vontade e dedicação, muito se pode conquistar. Prestar tributo a quem nos faz avançar, enfim, é sinônimo de gratidão.

Para José Roberto de Castro Neves, o componente afetivo, presente de maneira bastante proeminente no texto de Renato Aragão, ganha muita força também em toda a publicação.

Legenda: A pintora e escultora mineira Lygia Clark tem artigo escrito pela curadora vanda Klabin

“Temos exemplos como o de Paulo Niemeyer, grande médico, cujo artigo foi escrito por Paulo Niemeyer Filho; e Celina Vargas, que escreveu sobre o avô dela, Getúlio Vargas, um dos brasileiros mais importantes do século passado, entre vários outros casos”, elenca.

Segundo o organizador, “neste momento de pandemia, esse livro me parece ser bastante útil porque todos os brasileiros retratados foram submetidos a momentos muito duros. Cada um deles venceu inúmeros desafios, assim como esse ao qual estamos submetidos agora. Certamente vamos superá-lo, mas com muito esforço”.

Legenda: Luiz Gonzaga ganha texto pelas mãos de Ancelmo Gois

Multiplicidade

Sem estarem presos a apenas um suporte, os textos ainda são apresentados sob diferentes formatos, a depender de quem o escreveu. Desta feita, há alguns redigidos como memórias, outros como ensaios críticos e até mesmo uma carta pode ser lida pelo público – que ainda tem a possibilidade de acompanhar um rico panorama de personagens, como Di Cavalcanti, Gilberto Freyre, Ruth Cardoso, Vladimir Herzog, Vinicius de Moraes e Luiz Gonzaga, no belo exercício de abraçar a pluralidade.

Conforme situa na introdução da obra, José Roberto de Castro deseja também deixar claro que os tempos de agora já não admitem a idolatria cega ou o ufanismo infantil.

“Os heróis são falíveis. Têm fraquezas. (Principalmente) na imperfeição, encontramos suas humanidades. Nos textos do livro, os ilustres brasileiros são apresentados sempre por uma lente afetuosa, sem esconder suas ambiguidades, talentos e vicissitudes. Mais fácil, assim, encontrarmos afinidades. São histórias edificantes, de escolhas corajosas e difíceis, cheias de vida, permeadas de milagres”, escreve.

No fim das contas, fica igualmente o desejo que a obra desperte, no público leitor, novas formas de encarar o Brasil, seus habitantes e as diferentes conjunturas do País. Feito aconteceu com a própria família.

Legenda: Entre cineastas: Cacá Diegues escreve sobre Glauber Rocha

“Sou pai de três ex-adolescentes e, quando o livro chegou em casa e mostrei, eles desconheciam grande parte das figuras que estavam ali presentes. E aí minha filha mais nova leu um dos perfis e ficou estarrecida porque ainda não sabia dos feitos daquele brasileiro incrível. A partir daí, acredito que ela leu a obra toda e fiquei muito feliz porque o objetivo é exatamente esse: fazermos esse elo da nossa história com a geração que está vindo por aí”, torce.

Brasileiros
Vários autores
Organização: José Roberto de Castro Neves

Nova Fronteira 
2020, 448 páginas
R$ 49,99 (e-book)/ R$ 69,90 (físico, em pré-venda)

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