Por que homens podem tirar folga da paternidade? Anúncio do fim de casamento do ator abre discussão

Ator Luis Navarro fez anúncio de término do relacionamento que repercutiu na web após ele dizer que "não lembrava a última vez que leu um livro"

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Foto: Shutterstock

O anúncio do término do casamento do ator Luis Navarro, de “Todas as Flores”, com a atriz e bailarina Ivi Pizzott repercutiu na web após ele declarar que estava confuso com a vida. “Não lembro a última vez que fiquei sozinho pra refletir, que li um livro ou que me olhei no espelho e me orgulhasse de mim. Preciso me reconectar comigo para poder voltar mais forte”, disse em um post.  

O casal estava junto há sete anos e tem duas filhas, uma bebê de quatro meses e uma de quatro anos. Nas redes sociais, internautas criticaram a declaração e a atitude do ator, uma vez que Ivi ainda está no puerpério da última gestação.  

Legenda: Luis Navarro interpretou Mark em 'Todas as Flores'
Foto: Globo/Estevam Avellar

“Toda essa história do Luis Navarro é isso. O filho no final das contas é da mãe. Não tenham filhos com alguém a não ser que o seu sonho seja ser mãe, não fique à mercê da vontade do outro. Homens podem desistir da paternidade a todo momento”, comentou uma usuária do Twitter.  

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Essa ideia de “tirar folga” da paternidade foi questionada, principalmente, por mulheres como um privilégio que só o homem pode ter. Até mesmo em atitudes do dia a dia.  

A educadora parental Raquel Araújo aponta que isso se dá pela estrutura patriarcal da nossa sociedade que não deixa opção para a mulher que é mãe. “Essa mulher ainda não tem seu espaço plenamente determinado dentro da sociedade, é ela quem é responsável pelos filhos”. 

Legenda: Post do ator gerou discussões na web sobre os papeis parentais
Foto: Reprodução/Instagram

Ser pai e ser mãe 

Além disso, Raquel pontua que os conceitos de parentalidade que ainda temos hoje em dia afetam diretamente essa construção.  

“O papel parental não é só da mãe, e o pai não está fazendo só um favor quando troca uma fralda, por exemplo, ele é parte da construção dessa família. Geralmente, desejo de ter filho acontece em conjunto, é necessário o entendimento de que os dois precisam estar presentes no papel de educar”. 
Raquel Araújo
educadora parental

A advogada e presidente da Comissão de Direito de Família da OAB-CE, Angélica Mota, acrescenta que “parece que ser pai é algo que pode deixar de ser, algo que não se perdoa de uma mãe. A mãe tem que conviver com essa sobrecarga, historicamente na nossa sociedade esses papeis são assim”. 

Conforme a educadora, a mãe toma para si todas as atividades do filho, escolha de profissionais que vão acompanhá-lo, escolha da escolinha, da roupa, da fralda, etc, porque foi levada a acreditar que seria a melhor pessoa para tal.  

“Isso é até usado como desculpa por alguns homens, de que a mulher faz melhor. Mas elas também estão se descobrindo mães, tiveram que descobrir as necessidades e o que era melhor pros filhos, eles também devem ir atrás”, destaca. 

Equidade na parentalidade 

Por isso, a educadora pontua ainda a necessidade de haver uma equidade na parentalidade para que a mãe não seja sobrecarregada com as funções do filho, da casa, do trabalho. “O papel é muito definido na mãe, como ela pode tirar folga se a sociedade diz que ela não pode?”   

“Eu sempre falo que a frase que eu já repeti e acho muito agressiva é 'quem pariu Moisés que balance o berço'. É uma frase extremamente opressora, não abre espaço pra que outras pessoas participem dessa parentalidade e coloca a carga toda em cima da mãe”.  

Raquel destaca que o pai precisa encontrar, de alguma forma, estar no mesmo grau de participação da mãe. “Dividir a carga mental deve ser a primeira coisa que o pai precisa fazer no puerpério. Aquela casa vai ter um membro a mais e um a menos que vai conseguir se preocupar para além da vida daquele bebê”. 

O reflexo dessa falta de equidade é visto de forma muito explícita nas políticas públicas. O tempo de licença paternidade é um exemplo disso. Na legislação brasileira, a previsão do período para o pai se ausentar do trabalho após o nascimento do filho é de apenas cinco dias, enquanto a da mãe é de 120 dias.  

Direito não regulamenta amor 

Angélica vivencia casos de abandono afetivo de pais diariamente em casos de clientes e explica de que forma a legislação brasileira regulamenta a presença dos pais na vida dos filhos. “Ninguém é obrigado a amar ninguém, o pai não é obrigado a continuar com a mulher porque ela está no puerpério. O Direito não regulamenta o amor, mas regulamenta o abandono”.  

“O pai tem o dever de estar presente, de prestar esse cuidado. Pagar a pensão não significa que é presente, é só um aspecto. A ausência do afeto, a falta de apoio é regulamentada pelo direito de família. A maternidade e a paternidade vão além do material, tem que estar presente na vida dos filhos, até pra não haver consequências na construção dessa criança”.  
Angélica Mota
advogada

De acordo com o artigo 227 da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, cabe aos pais e responsáveis o dever geral de cuidado e da convivência familiar da criança, além de preservá-la de negligências, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 

Embora não constitua como crime penal, o abandono afetivo pode gerar judicialização por parte do filho. “O pai ou mãe que não cumpra os devidos cuidados pode ser condenado a pagar uma indenização pelos danos sofridos pelo filho que não pôde contar com esse amor, carinho e afeto paterno”, explica Angélica. 

O que fazer em casos de separação?  

 Quando a separação é inevitável, Angélica recomenda que os pais busquem um advogado para receber as orientações necessárias para garantir o bem-estar do filho. 

"A recomendação que eu dou quando vejo os pais nesses conflitos é focar nos filhos, não focar nas diferenças que existem entre os pais. A paternidade e a maternidade geram consequências pra vida inteira, mesmo que não haja uma relação boa, é preciso focar no bem estar, na saúde física daquela criança que está em fase de desenvolvimento". 

Além de advogados especialistas de família, Angélica acrescenta que os pais que não tenham condições financeiras de arcar com os custos de um profissional particular podem procurar a Defensoria Pública do Estado. 

 

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