"O teatro não morre nunca", diz ator João Antônio sobre os 55 anos do Teatro Novo

Celebração da data se estende até dezembro deste ano por meio de lançamento de livro, site, lives com integrantes sobre bastidores de espetáculos e linha do tempo no YouTube

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Antonieta Noronha e Ary Sherlock encenando a peça "Na Corda Bamba" (2012)
Foto: Divulgação

Foi em 1965, considerado o Ano Internacional da Cooperação pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Não poderia ter sido em momento  mais oportuno. À época, três dos maiores nomes das Artes Cênicas cearenses se reuniram para criar algo diferente, um projeto que congregasse suas ideias e anseios.

Assim nascia o Teatro Novo, sob tutela de Marcus Miranda, Aderbal Freire Filho e Maria Luíza Moreira.

De lá para cá, o tempo e o talento desses e vários outros artistas ligados à agremiação foram responsáveis por solidificar uma trajetória de singularidades.

Considerado o segundo maior grupo teatral do Estado, depois somente da Comédia Cearense, o Teatro Novo segue em plena atividade na seara artística nacional – angariando prêmios, com inúmeros trabalhos aprovados em editais e projetando mais montagens em breve. Ritmo frenético de reinvenção.

Não à toa, a pomposa celebração para festejar os 55 anos do grupo, completos em 2020. Para a ocasião, foram preparados um livro – “A Trajetória do Teatro Novo”, disponível para download e também em versão impressa; e um site oficial, onde é possível conferir todo o panorama de produções realizadas pela trupe. 

Além disso, um vídeo com uma linha do tempo pode ser conferido no canal do grupo no YouTube e, até dezembro deste ano, lives com integrantes da agremiação vão imergir nos bastidores de importantes espetáculos. As atividades foram contempladas pela Lei Aldir Blanc, por meio das Secretarias da Cultura de Fortaleza (Secultfor) e do Estado do Ceará (Secult-CE).

Ao Verso, Sidney Malveira, diretor da companhia, situa o legado de persistência e criatividade que o Teatro Novo continua a escrever.

“Sempre costumo dizer que tem que ter muita determinação para fazer e viver de arte nesse País. Não digo apenas no Ceará, mas no Brasil inteiro. Os desafios são grandes no sentido de como manter o grupo, de onde provêm os recursos para as produções. E apesar de todas essas questões, nós seguimos”, diz.

Legenda: Versão impressa do livro em comemoração aos 55 anos do grupo
Foto: Divulgação

Prestigiada travessia

Renomado desde a formação, o grupo foi ganhando prestígio na cena teatral cearense à medida que investia em montagens cada vez mais bem executadas. “Deu Freud Contra”, de Silveira Sampaio, foi a primeira delas. Em cartaz no Teatro Universitário de Fortaleza a partir de 23 de julho de 1965, fez grande sucesso, muito em parte também pelo elenco de peso, já conhecido do grande público.

Isso porque a primeira fase do Teatro Novo contou com atores e atrizes que participavam das telenovelas e programas ao vivo na TV Ceará – a exemplo de Antonieta Noronha, tida como a Dama do Teatro Cearense. Além dela, outros nomes de grande relevância para as Artes Cênicas do Estado integravam o clã, tais como Leuda Bandeira, Hugo Bianchi, Ana Marlene e Clóvis Matias.

Legenda: Espetáculo "Deu Freud Contra" (1965), com Marcus Miranda, Aderbal Freire Filho, José Humberto, Iris Breno e Maria Luiza
Foto: Divulgação

Contemporâneo dessa turma, o ator João Antônio recorda a peça com a qual deu o passo inicial na companhia: “Participei da terceira montagem do Teatro Novo, ‘Dona Xepa’”, pontua, referenciando o espetáculo escrito por Pedro Bloch, com direção de Marcus Miranda, apresentado pela primeira vez em 9 de junho de 1966 no Teatro Universitário de Fortaleza.

“O teatro tem a missão de interpretar a vida que está na frente do público. É uma arte efêmera. Mas, enquanto é representado, ele deixa que as pessoas reflitam e pensem em sua existência. A palavra tem uma fortaleza muito grande e mobiliza as plateias. Com o Teatro Novo, sempre foi assim”, recorda o ator de 75 anos.

Por estar presente no grupo desde o início, João Antônio acompanhou as diferentes fases da agremiação. Em 1972, por exemplo, iniciou o período em que Maria Luíza, uma das fundadoras, encerrou a carreira. Aderbal Júnior, por sua vez, outro fundador do Teatro Novo, seguiu para o Rio de Janeiro. 

Assim, as produções ficaram paradas de 1972 a 1974. Em 1975, o grupo retornou aos palcos com a direção de Miranda, que firmou uma associação com a atriz Erotilde Honório na montagem de “Presépio na Vitrine”, de Roberto Freire. Nos anos posteriores, fomentou-se um trabalho de cunho artístico-educativo em colégios da Capital e do interior do Ceará.

Legenda: Jório Nerthal e Marcus Miranda em "Dois perdidos numa noite suja" (1968), com texto de Plínio Marcos e direção de Marcus Miranda
Foto: Divulgação

Em 1978, outra pausa: Marcus Miranda precisou cuidar da saúde, permanecendo afastado do Teatro e de qualquer outro trabalho artístico durante oito anos consecutivos. Assim, o Teatro Novo fica até 1986 sem realizar espetáculos e atividades, retornando apenas em 1987, com a montagem “Os Inimigos”, adaptação da peça de Pedro Bloch “Os Inimigos Não Mandam Flores”, com Marcus Miranda e Chico Góes.

Continuação

Após novamente um período de nove anos com programação suspensa devido à saúde fragilizada de Marcus Miranda, o grupo volta a ocupar a cena cearense. Em 2001, mesmo ano em que faleceu, o fundador do Teatro Novo conhece Sidney Moreira, à época um jovem ator que havia concluído recentemente o curso de Direção Teatral no Instituto Dragão do Mar. É confiada a ele a direção da companhia dali por diante.

Com o ímpeto de favorecer um encontro de gerações no palco, Sidney buscou estar contando com artistas contemporâneos de Miranda nos novos trabalhos. Não sem motivo, João Antônio elenca “A raposa das tetas inchadas”, apresentada em abril de 2015 no Theatro José de Alencar, como o seu trabalho mais marcante no grupo.

"Meu personagem era um professor que chegava numa casa que tinha sido feita embaixo da terra, comandada com mãos de ferro por uma senhora com três filhos”, detalha, recordando aspectos do enredo.

Ele foi marcante para mim porque me mostrou do que o ser humano é capaz, como é que as pessoas se comportam, o que não deixa de estabelecer uma ponte com a forma como nós estamos nos comportando em meio a uma pandemia feito essa”, avalia.

Legenda: Leuda Bandeira em cena de "A Raposa das Tetas Inchadas" (2015), com texto de Rafael Barbosa e direção de Sidney Silveira
Foto: Divulgação

“Sinto uma gratidão imensa em participar do grupo. Ao mesmo tempo, é uma responsabilidade por, apesar da idade avançada, continuar pelejando. Enquanto a memória não apagar toda, a gente continua”, ri.

“O teatro é assim. Todo mundo diz que ele ia morrer ou já morreu, com o advento do rádio e da televisão, por exemplo. Mas ele continua, mesmo porque a concepção de teatro hoje é muito ampla, dá para desenvolver essa arte em qualquer lugar. A gente tem que tocar o barco porque o teatro não morre nunca”.

Novas faces

O dramaturgo cearense Rafael Barbosa é um dos que renovam a face do Teatro Novo, igualmente estabelecendo um contato com a geração passada de atores e atrizes. Foi ele que assinou o texto, pensado junto a Sidney Malveira, de “A raposa das tetas inchadas”, em virtude dos 50 anos da companhia. 

“Foi um verdadeiro sucesso, porque as pessoas receberam muito bem o trabalho, com muito afeto – tanto por ser uma peça comemorativa quanto por ser um espetáculo que estava reinventando o grupo, com uma linguagem contemporânea”, considera. Além  dessa montagem, Rafael também escreveu o texto de “Nu” (2014) e o infantil “As Aventuras de Nando e Bia. Os Viajantes da Paz” (2016).

“O diferencial do Teatro Novo é a persistência. A gente está falando de mais de meio século de história e o grupo vem resistindo e continuando, se reinventando. Muitos artistas já passaram pelo grupo, mas ele continua com as novas gerações. Então, para mim, há esse princípio do cacto. Muitas vezes é deserto mesmo, não tem recursos, não tem oportunidade de fazer e, do nada, a gente consegue criar os trabalhos”, sublinha.

Além disso, na visão de Rafael, o fato de a agremiação conceber montagens abordando temas universais, de caráter humano, sempre demarca a urgência de ter algo a falar. “Parece que a pesquisa do grupo é o homem e a forma como ele lida com a morte, doença, solidão... Por isso o grupo não envelhece, porque esses temas são sempre recorrentes”, destaca.

E torce: “Desejo que o Teatro Novo persista, apesar das dificuldades. Que ele sempre volte como uma fênix, mesmo que em algum momento entre em suspensão, como ficou durante alguns períodos no passado. Mas voltou. Contido, parado, mas nunca em coma”.

Legenda: Robinson Aragão, Edglê Lima e Patrick Castro em Lix. O Super Lixeiro em Chama a Minha Mãe Aííí! (2013), com texto de Allan Duvale e direção de Leuda Bandeira
Foto: Divulgação

Tempo a favor

Da parte de Sidney Malveira, um dos principais legados do grupo é o fato de manter a história dos artistas de antes ativa nos intérpretes e profissionais do teatro de hoje. “Atores como Marcus Miranda e Antonieta Noronha, por exemplo, vivenciaram a arte e continuaram iluminando os palcos, dando a sua contribuição ao teatro cearense. Isso mostra que o tempo sempre esteve a nosso favor”, festeja.

Ao mencionar o nome de Antonieta, o ator e diretor volta a 2002, quando dirigiu “Um minuto de silêncio”, com texto de Aldo Marcozzi e apresentado no Theatro José de Alencar. A montagem marcou a estreia da Dama do Teatro Cearense como protagonista em um trabalho teatral.

Era um desejo dela, eu topei o desafio e nós fizemos. O teatro estava lotado, até porque muitas pessoas da minha geração nunca tinham visto a Antonieta em cena. Ela estava fora dos palcos há sete anos naquela época”, lembra Sidney. 

Legenda: 'Um Minuto de Silêncio", com Antonieta Noronha no papel principal
Foto: Divulgação

“O espetáculo foi fantástico, inesquecível, com a Antonieta brilhando dignamente, fazendo jus ao título de Dama do Teatro Cearense. Essa montagem foi realizada no momento da minha chegada e, ali, eu percebi que a gente começou com o pé direito, sendo, até hoje, uma das coisas mais marcantes em minha carreira no Teatro Novo”, complementa.

Além desse trabalho, Sidney recorda tantos outros que o atravessaram positivamente, a exemplo de “Anônimos” (2006), “Na Corda Bamba” (2012) e a já citada “A raposa das tetas inchadas”. Agora, o artista se prepara para novos passos junto à companhia. O primeiro deles já tem nome, “Jerônimo Mendonça, uma estrela”, prosseguindo a pesquisa do grupo por histórias reais e em celebração aos 25 anos de carreira de Malveira.

Legenda: O dramaturgo Aderbal Freire Filho, um dos fundadores do Teatro Novo, e o atual diretor do grupo, Sidney Malveira: encontro de gerações
Foto: Divulgação

“Isso vai me dar possibilidade de me reinventar e também fazer isso com o Teatro Novo. Essa nova montagem tem uma pegada muito reflexiva, sobre o nosso comportamento, do que queremos, do nosso potencial. Acho que o lado da espiritualidade está muito em voga. A gente vive uma nova era de alcance de consciência, de pensar nos nossos reais valores. Essa é a pegada do Teatro Novo daqui para diante”, situa.

“Esse aprendizado com a Covid nos traz muito isso, essa maturidade. Não me interessa fazer um espetáculo só por uma estética, que não contribua; o que quero é tocar as pessoas e contribuir para que elas sejam melhores. Esse é o nosso desafio e propósito hoje para alcançar novos voos. Não dá para sermos omissos, fazer vista grossa. Podemos ser muitos mais. Vida longa ao Teatro Novo!”, conclui.

Serviço
Comemoração dos 55 Anos do Grupo Teatro Novo
É possível conferir toda a história da companhia e fazer o download do livro por meio do site oficial; vídeos disponíveis no canal do Theatro José de Alencar

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