Em pré-venda, livro reportagem de jornalistas remonta os anos de exílio do cantor Belchior

A produção de Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti resgata depoimentos e histórias sobre os 10 anos em que o cearense passou longe dos holofotes

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Legenda: Com 60 anos, Belchior resolveu viver no anonimato em cidades do Sul do Brasil e do Uruguai
Foto: Gustavo Pellizzon

Mesmo após quase quatro anos da morte de Belchior, ainda são muitos os mistérios que envolvem o autoexílio do cantor, que tentou sumir dos holofotes em 2007. As últimas andanças do artista que abandonou carreira, família, fama e um carro no Aeroporto de Congonhas (SP) foram destrinchadas no livro “Viver é melhor que sonhar”, dos jornalistas Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti. 

Ambos atravessados pela história do homem que sumiu, Chris e Marcelo mapearam os lugares pelos quais Belchior passou durante os 10 anos de exílio. O “road book” – termo cunhado pela escritora para designar o trabalho – começou em Santa Cruz do Sul, cidade localizada a cerca de 120 km da Capital do Estado gaúcho, onde faleceu. No local, o cantor viveu por quatro anos com a esposa e produtora cultural Edna Assunção de Araújo (também conhecida pelo pseudônimo de Edna Prometheu). 

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Por lá, conheceram pessoas que abrigaram o casal, descobrindo mais da sua rotina. “Belchior não costumava ir pra rua, senão seria reconhecido, mas a Edna ia, dava aulas de inglês, ia ao mercado. A casa onde ele morreu era grande, algo mais afastado da cidade".

"Ele caminhava todo dia de manhã cedo. Ele só não queria estar em cantos onde pudesse ser reconhecido”, relata Chris Fuscaldo. 

Naquela cidadezinha, Belchior e Edna viveram em casas de amigos. Uma delas foi a residência da casa dos pais de Marina Trindade. Após a morte do cantor, a jovem revelou no Twitter sobre como foi morar por três meses com o rapaz latino-americano durante a adolescência. Desse momento, ela guarda, carinhosamente, uma dedicatória que o cantor deixou registrada para ela em um livro. 

Legenda: Dedicatória deixada por Belchior para Marina Trindade
Foto: Christina Fuscaldo

Depois de Santa Cruz do Sul, os autores partiram para o Uruguai, onde o artista viveu em 2009, na cidade de San Gregorio de Polanco. “Chegamos, então, em Porto Alegre e saímos com a necessidade de conhecer mais, pois, pra falar desse período, tínhamos que falar de São Paulo, de onde ele ‘fugiu’. Lá, fizemos mais uma leva de entrevistas e dali sentimos a necessidade de percorrer o Ceará”, remonta a jornalista sobre a apuração do trabalho. 

O exílio 

Chris pontua que o livro é bastante focado nos 10 anos de exílio. “Não gostamos da maneira como julgam os atos e a maneira dele, como julgam a Edna. É leviano dizer que a culpa é de alguém, a partir do momento em que o próprio Belchior tomou as decisões dele. O livro é justamente um debate sobre a complexidade do ser humano. Fomos encontrando pelo caminho histórias de um ser humano”. 

Até hoje não se sabe por quais motivos Belchior escolheu viver no anonimato. “Nem o Belchior responderia”, afirma Chris. Para ela, o que pode ter acontecido é o que uma das fontes entrevistadas chama de “cascata de acontecimentos”. “A gente não acha que ele fugiu, ele queria tirar um período sabático, mas ele fez tudo de forma atrapalhada, acabou tendo que lidar com as consequências dessa escolha”, aponta. 

Legenda: Pijama usado pelo cearense em uma das casas que ficou abrigado em Santa Cruz do Sul
Foto: Christina Fuscaldo

Embora no período Belchior não tenha produzido, em 2011, ele gravou o projeto “Ondas Sonoras - Primeiro Movimento” com o pianista João Tavares Filho. O trabalho chegou até a virar um DVD, mas não foi levado a frente pela perseguição sofrida pelo cantor por conta das dívidas e da falta de pagamento da pensão alimentícia. 

A autora revela que trabalhar no projeto foi um mix de emoções. “Saber que os maiores momentos de sofrimentos pra ele foram ocasionados pela imprensa foi algo bem difícil pra gente e, apesar de sermos admiradores do trabalho dele, não deixamos de reconhecer os erros dele. Não é porque sou fã que vou concordar com o não pagamento da pensão e deixar os filhos sem notícia”, diz. 

Este foi, inclusive, um dos momentos mais duros para a dupla: saber como ficaram os quatro filhos que passaram 10 anos sem notícias do pai. “Chorei bastante nessas entrevistas. Foi doloroso demais, mas tivemos que entender que é um ser humano que comete erros”. 

Projeto

A jornalista conta que a ideia do livro surgiu quando Belchior ainda era vivo. Na época, em 2013, ela leu uma matéria de Marcelo sobre como o artista vivia. Anos depois, em 2015, por coincidência, os dois acabaram se conhecendo no doutorado.

Legenda: Os autores Christina Fuscaldo e Marcelo Bortoloti durante as viagens de apuração
Foto: Chris Fuscaldo

“Queríamos entrevistar ele. Passamos uma temporada conversando em 2016. Tudo é muito lento, muito difícil, já estávamos com tudo meio organizado, aí o Belchior faleceu. Deu aquela dúvida se continuávamos ou não”. Após o lançamento da biografia por Jotabê Medeiros, que não explora tanto o período de reclusão, a dupla confirmou a vontade de pesquisar e escrever sobre esse aspecto da vida do artista. 

Para Chris, um das características mais surpreendentes descobertas sobre o cearense foi o fato de ele estar sempre rindo e contando piada. Em Sobral, a dupla foi apresentada ao termo “sobralidade”, do orgulho que eles têm.

“Quase ninguém via Belchior triste, não baixava a cabeça mesmo nas situações em que tinha que dormir na rua por exemplo”.

“No livro, não existe verdade, existem pontos de vista e a memória de cada um. O papel do biógrafo é pegar isso e transformar em algo comum”, resume Chris. 

Legenda: Capa do livro 'Viver é melhor que sonhar'
Foto: Divulgação

Viver é melhor que sonhar
Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti 
Sonora Editora 
2021, 280 páginas
Disponível no site 

 

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