Dia Nacional do Choro: Mestre Macaúba do Bandolim uma referência da música cearense

Visitamos o 'Macaubar' para entender a alma desse querido gênero musical. Projeto recria o clima dos bares boêmios em pleno Theatro José de Alencar, com bambas da música instrumental cearense e petiscos caprichados

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliviera@svm.com.br
Ian Calíope, Gugu do Kvaco, Rafael Melo, Mestre Macaúba do Bandolim e Pedro Ernesto. Projeto Macaubar explica a força do choro enquanto uma confraternização cultural
Legenda: Ian Calíope, Gugu do Kvaco, Rafael Melo, Mestre Macaúba do Bandolim e Pedro Ernesto. Projeto Macaubar explica a força do choro enquanto uma confraternização cultural
Foto: Thiago Gadelha

O aroma da cozinha chamava atenção de longe. As bebidas tinindo nos refrigeradores. Mesas organizadas e à espera do público. No palco, os técnicos dão os últimos ajustes no som. É fim de tarde de uma sexta-feira no Theatro José de Alencar (TJA). A atmosfera é de alegria genuína, digna de um bar onde as amizades celebram a vida.

Em Fortaleza, a comemoração do Dia Nacional do Choro tem assinatura do Mestre Macaúba do Bandolim. É a segunda edição do “Projeto Macaubar”, que une chorinho e o clima festivo da boemia. Enquanto o Centro da capital cearense cuida de encerrar o expediente, os acordes dos chorões passam a ecoar do tradicional Theatro. 

Tesouro vivo da arte cearense, Mestre Macaúba chega acompanhado da esposa Beliza Guedes. O filho, Marinaldo do Bandolim, cuida de afinar as cordas do instrumento. De sorriso farto, a barba grisalha, Macaúba se serve da experiência conquistada em 55 anos de carreira e pede para equilibrar os graves. Recomendação atendida, ele agradece. "Tá limpeza, meu filho".

Mestre Macaúba e a comnunhão do choro com o Theatro José de Alencar
Legenda: Mestre Macaúba e a comunhão do choro com o Theatro José de Alencar
Foto: Thiago Gadelha

Antes da apresentação na Praça Mestre Boca Rica, anexo do TJA, pergunto ao mestre da cultura se existe algum sentimento que explique a força expressiva do choro. "É minha vida. Eu gosto de tocar choro. Vivo de choro. Eu choro, sou chorão. Choro em final de novela e assim me admito que sou um chorão autêntico", conta servida da simpatia, Macaúba do Bandolim. 

Conversa de bar

Todo um cenário foi montado para que o público se sinta nas clássicas serestas e bares noturnos de Fortaleza. Macaúba atravessa passado e presente com o ofício aprendido na infância. "Me criei dentro do choro. Meu pai era chorão e o meu brinquedo foi um bandolim".

Seu Walter Pereira não gostou da ideia da criança se meter com bandolim. Da mãe veio o apoio para o patriarca mudar o oensamento. "Sabe como é mãe, né?", conta Macaúba. O pai aceitou, com uma condição. "Vou lhe liberar, mas nunca vou lhe ensinar uma nota". E assim foi feito. 

O Macaubar existiu nos anos 1990 e o bar reunia grandes nomes da cena intrumental cearense na casa de Macaúba e Beliza Guedes. Projeto recria atmosfera festiva e carinhosa do lugar
Legenda: O Macaubar existiu nos anos 1990 e o bar reunia grandes nomes da cena intrumental cearense na casa de Macaúba e Beliza Guedes. Projeto recria atmosfera festiva e carinhosa do lugar
Foto: Thiago Gadelha

Hoje, o dom musical é perpetuado pelos filhos Marinaldo e Reginaldo. Dois sobrinhos também iniciaram a estrada. "Para nossa família é como uma filosofia de vida", conta Marinaldo do Bandolim. O trabalho também virou oportundiade de mudança social e ele realiza o projeto "Sonho de um Cavaquinho", que ensina crianças e jovens de 9 a 16 anos na arte do instrumento. 

"Vida. Choro é vida. É de onde tiramos o nosso sustento, a força para viver. Tá triste, tocamos choro. Feliz, a gente toca choro. Tá liso, tocamos choro", defende Marinaldo.

Vai chorar

Aos poucos, a plateia vai se acomodando. Senhoras e senhores se unem para apreciar o som. Crianças, adolesentes e adultos capturam o momento com os celulares. É noite no TJA. O “Macaubar” tem caldo de sururu, feijão verde, moela com cuscuz (testado e aprovado) e vatapá de frango. A chef Mirelle Guilherme e seu Tempero da Nega embalam o encontro. 

Beliza Guedes é só atenção aos detalhes (sem perder a ternura, jamais). "Bora trabalhar", conta sorridente e orgulhosa para o músicos. A realizadora recebe as convidadas e reafirma o evento como uma grande festa dedicada aos fãs do chorinho. A apresentação assume o cenário. Macaúba segue acompanhado de uma nova geração de artistas cearenses. 

Para o flautista Ian Calíope, o chorinho é linguagem musical, festa e cultura passada hereditariamente
Legenda: Para o flautista Ian Calíope, o chorinho é linguagem musical, festa e cultura passada hereditariamente
Foto: Thiago Gadelha

"O choro evoluiu muito. Jovens tocando. Convivo com eles. Meus filhos, netos. Somos ricos de chorões em Fortaleza. Muitas escolas de choro. Temos o professor Tarcísio Sardinha, que está dodoi e se Deus quiser vai voltar. É um dos preofessores de bandolim, cavaquinho e violão. Um dos contemporâneos do choro na cidade", conta orgulhoso do parceiro.

A roda de músicos reúne nomes como Ian Calíope (flauta), Gugu Do Kvaco (cavaquinho), Pedro Ernesto (violão), Pedro Madeira (bandolim) e Rafael Melo (pandeiro). Para entender o sentimento do que é o choro, um dos caminhos é entender esta expressão como uma grande experiência entre amigos. "É uma linguagem musical, uma festa, uma confraternização. uma cultura passada hereditariamente", descreve o flautista Ian Calíope.

Raízes do Brasil

Calíope lembra que o choro surgiu em sua trajetória aos 16 anos. É quando ouviu um LP do também flautista, Altamiro Carrilho (1924-2012). Refletino acerca dos aspectos técnicos, o profissional avalia que a união de ritmos africanos com música tradicionais europeias, as valsas e mazurcas, fincaram as raízes desta expressão popular.

Praça Mestre Boca Rica em noite de homenagem aos fãs do choro
Legenda: Praça Mestre Boca Rica em noite de homenagem aos fãs do choro
Foto: Thiago Gadelha

"A partir disso aí, os compositores foram criando e se diferenciando. Cresceu rápido. Coisa de um século depois, o choro teve muitas formas. Saiu do muito tradicional para uma forma cada vez mais livre, pois uma das marcas principais no choro (no começo, isso era até um tabu) é o improviso. Hoje é indispensável", completa. 

Essa comunhão foi responsável por elevar esta música a uma expressão genuinamente brasileira. "Além de rica tecnicamente e patrimônio  cultural é uma grande confraternização, uma grande festa", reflete Ian Calíope. O som do “Macaubar” abraça a plateia e a sexta-feira apenas começou. 

Legenda: "Quando eu penso em choro, eu sinto uma coisa muito bonita dentro de mim", compartilha Macaúba
Foto: Thiago Gadelha

O encontro com o choro no ensina que esta arte edifica a alegria e comunhão em festa. Macaúba agradece ao público. O desejo é de que o projeto perdure no correr dos anos. Palco é altar. Outro choro é tocado para os aplausos dos presentes. Bar, teatro e união. Uma festa ao Dia Nacional do Choro

"Tenho 78 anos. Toco choro a 60. Graças a Deus fui escolhido a ser um representante do Choro. Não quero ser melhor que ninguém. Representante é por eu ser muito antigo tocando choro. Respeito muito meus colegas novos que estão tocando. Auxilio, faço o que eu posso por eles. Mestres e alunos. Me ensinam e eu ensino eles. Isso é muito bonito", finaliza Mestre Macaúba do Bandolim.