Dia Nacional do Choro: Mestre Macaúba do Bandolim uma referência da música cearense
Visitamos o 'Macaubar' para entender a alma desse querido gênero musical. Projeto recria o clima dos bares boêmios em pleno Theatro José de Alencar, com bambas da música instrumental cearense e petiscos caprichados
O aroma da cozinha chamava atenção de longe. As bebidas tinindo nos refrigeradores. Mesas organizadas e à espera do público. No palco, os técnicos dão os últimos ajustes no som. É fim de tarde de uma sexta-feira no Theatro José de Alencar (TJA). A atmosfera é de alegria genuína, digna de um bar onde as amizades celebram a vida.
Em Fortaleza, a comemoração do Dia Nacional do Choro tem assinatura do Mestre Macaúba do Bandolim. É a segunda edição do “Projeto Macaubar”, que une chorinho e o clima festivo da boemia. Enquanto o Centro da capital cearense cuida de encerrar o expediente, os acordes dos chorões passam a ecoar do tradicional Theatro.
Tesouro vivo da arte cearense, Mestre Macaúba chega acompanhado da esposa Beliza Guedes. O filho, Marinaldo do Bandolim, cuida de afinar as cordas do instrumento. De sorriso farto, a barba grisalha, Macaúba se serve da experiência conquistada em 55 anos de carreira e pede para equilibrar os graves. Recomendação atendida, ele agradece. "Tá limpeza, meu filho".
Antes da apresentação na Praça Mestre Boca Rica, anexo do TJA, pergunto ao mestre da cultura se existe algum sentimento que explique a força expressiva do choro. "É minha vida. Eu gosto de tocar choro. Vivo de choro. Eu choro, sou chorão. Choro em final de novela e assim me admito que sou um chorão autêntico", conta servida da simpatia, Macaúba do Bandolim.
Conversa de bar
Todo um cenário foi montado para que o público se sinta nas clássicas serestas e bares noturnos de Fortaleza. Macaúba atravessa passado e presente com o ofício aprendido na infância. "Me criei dentro do choro. Meu pai era chorão e o meu brinquedo foi um bandolim".
Seu Walter Pereira não gostou da ideia da criança se meter com bandolim. Da mãe veio o apoio para o patriarca mudar o oensamento. "Sabe como é mãe, né?", conta Macaúba. O pai aceitou, com uma condição. "Vou lhe liberar, mas nunca vou lhe ensinar uma nota". E assim foi feito.
Hoje, o dom musical é perpetuado pelos filhos Marinaldo e Reginaldo. Dois sobrinhos também iniciaram a estrada. "Para nossa família é como uma filosofia de vida", conta Marinaldo do Bandolim. O trabalho também virou oportundiade de mudança social e ele realiza o projeto "Sonho de um Cavaquinho", que ensina crianças e jovens de 9 a 16 anos na arte do instrumento.
"Vida. Choro é vida. É de onde tiramos o nosso sustento, a força para viver. Tá triste, tocamos choro. Feliz, a gente toca choro. Tá liso, tocamos choro", defende Marinaldo.
Vai chorar
Aos poucos, a plateia vai se acomodando. Senhoras e senhores se unem para apreciar o som. Crianças, adolesentes e adultos capturam o momento com os celulares. É noite no TJA. O “Macaubar” tem caldo de sururu, feijão verde, moela com cuscuz (testado e aprovado) e vatapá de frango. A chef Mirelle Guilherme e seu Tempero da Nega embalam o encontro.
Beliza Guedes é só atenção aos detalhes (sem perder a ternura, jamais). "Bora trabalhar", conta sorridente e orgulhosa para o músicos. A realizadora recebe as convidadas e reafirma o evento como uma grande festa dedicada aos fãs do chorinho. A apresentação assume o cenário. Macaúba segue acompanhado de uma nova geração de artistas cearenses.
"O choro evoluiu muito. Jovens tocando. Convivo com eles. Meus filhos, netos. Somos ricos de chorões em Fortaleza. Muitas escolas de choro. Temos o professor Tarcísio Sardinha, que está dodoi e se Deus quiser vai voltar. É um dos preofessores de bandolim, cavaquinho e violão. Um dos contemporâneos do choro na cidade", conta orgulhoso do parceiro.
A roda de músicos reúne nomes como Ian Calíope (flauta), Gugu Do Kvaco (cavaquinho), Pedro Ernesto (violão), Pedro Madeira (bandolim) e Rafael Melo (pandeiro). Para entender o sentimento do que é o choro, um dos caminhos é entender esta expressão como uma grande experiência entre amigos. "É uma linguagem musical, uma festa, uma confraternização. uma cultura passada hereditariamente", descreve o flautista Ian Calíope.
Raízes do Brasil
Calíope lembra que o choro surgiu em sua trajetória aos 16 anos. É quando ouviu um LP do também flautista, Altamiro Carrilho (1924-2012). Refletino acerca dos aspectos técnicos, o profissional avalia que a união de ritmos africanos com música tradicionais europeias, as valsas e mazurcas, fincaram as raízes desta expressão popular.
"A partir disso aí, os compositores foram criando e se diferenciando. Cresceu rápido. Coisa de um século depois, o choro teve muitas formas. Saiu do muito tradicional para uma forma cada vez mais livre, pois uma das marcas principais no choro (no começo, isso era até um tabu) é o improviso. Hoje é indispensável", completa.
Essa comunhão foi responsável por elevar esta música a uma expressão genuinamente brasileira. "Além de rica tecnicamente e patrimônio cultural é uma grande confraternização, uma grande festa", reflete Ian Calíope. O som do “Macaubar” abraça a plateia e a sexta-feira apenas começou.
O encontro com o choro no ensina que esta arte edifica a alegria e comunhão em festa. Macaúba agradece ao público. O desejo é de que o projeto perdure no correr dos anos. Palco é altar. Outro choro é tocado para os aplausos dos presentes. Bar, teatro e união. Uma festa ao Dia Nacional do Choro
"Tenho 78 anos. Toco choro a 60. Graças a Deus fui escolhido a ser um representante do Choro. Não quero ser melhor que ninguém. Representante é por eu ser muito antigo tocando choro. Respeito muito meus colegas novos que estão tocando. Auxilio, faço o que eu posso por eles. Mestres e alunos. Me ensinam e eu ensino eles. Isso é muito bonito", finaliza Mestre Macaúba do Bandolim.