Jovem presa durante entrevista de emprego reflete sobre o futuro: 'ainda quero realizar sonhos'

Lívia Ramos de Souza tem 19 anos e passou cerca de duas semanas detida em uma penitenciária no Rio de Janeiro

Lívia Ramos de Souza, 19, falou sobre os próximos passos que irá encarar após a sair da prisão, na última quarta-feira (21). A jovem foi presa enquanto passava por um processo seletivo para ter o primeiro emprego. Em entrevista ao jornal carioca o GLOBO, ela disse ainda querer realizar os sonhos. A empresa a qual tentava uma vaga é investigada por aplicar golpes em consórcio. 

"Eu ainda quero realizar meus sonhos. Ainda tenho vontade de ser professora, mas e o julgamento? 'Ela é criminosa mesmo, tá se fazendo', foi apenas alguns dos comentários que li na internet e ouvi de algumas pessoas próximas. Isso me fez refletir: 'os pais dos meus alunos me julgariam também?' 'Será que um dia eu vou poder andar na rua sem ter que justificar minha inocência?'", refletiu Lívia. 

A jovem contou que tinha uma vida comum antes de ser presa. "Minha [vida] era sair com meus amigos e ser livre para fazer o que bem entendesse. Sempre morei com a minha avó aqui em Saracuruna, em Caxias", iniciou. A jovem disse ter o desejo de ser professora e fazer faculdade de pedagogia. Contudo, não tinha condições para pagar os estudos e precisava trabalhar. 

"Um semana antes do dia 5 de junho, quando fui presa injustamente, comecei a enviar currículos em sites de emprego. Um dos anúncios era para vaga de vendedora interna no centro do Rio. Fiquei tão feliz quando me ligaram dizendo que passei... A gente nunca sabe quando algo de ruim vai acontecer. Eu achava que com o emprego poderia ajudar em casa", disse.

Durante o tempo na prisão, a jovem relatou ter passado cinco dias com a mesma roupa e dividindo itens pessoais com outras detentas. A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) informou que "fornece a todas as internas que ingressam no sistema prisional kits básicos de higiene, assim como lençóis e cobertores individuais. Não há registro de presas dividindo cobertores".

Início do processo seletivo

Lívia contou que uma moça ligou para ela e perguntou se ela queria começar na sexta-feira, contudo, ela pediu para iniciar na segunda-feira seguinte, no dia 5 de junho. A jovem disse ainda que não sabia se tratar de um golpe de consórcios e descobriu a prática ao conversar com colegas que também foram presas com ela. 

"Na cadeia, conversando com outras colegas que trabalhavam lá e também foram presas no mesmo dia que eu, descobri que, na verdade, eles recebiam cerca de R$600 a R$700 por mês. Tudo era uma mentira. Prometeram que minha carteira seria assinada. No entanto, as meninas que trabalhavam lá há mais tempo nunca entregaram nenhum documento", relatou. 

Tempo na prisão

A jovem passou, ao todo, 16 dias presas. Destes, dez foram no presídio de Benfica e outros seis foram em Bangu. "Fui tratada como uma criminosa. Não era preciso falar, o olhar das pessoas para mim já dizia tudo. Me colocaram em uma cela com mais 50 detentas. Dei sorte de ter ficado com as outras meninas. Éramos dez no total. A gente se protegia e cuidava umas das outras dentro do possível", relatou. 

Lívia descreveu também a situação dos presídios em que foi instalada. "Fazia muito frio, as camas mal tinham colchão, e era apenas um lençol que dividíamos entre nós. Lembro de sentir muita sede. Era como se meu corpo estivesse reagindo ao estresse que eu estava sentindo por estar naquele lugar. Mas não tinha água filtrada. A gente improvisava copos e bebia água na bica", contou.

A jovem relatou ter passado cinco dias usando a mesma roupa e que trocava de roupa com as outras colegas de trabalho. " Os primeiros dias foram piores. Eu não dormia, não comia. Não sentia absolutamente nada. Era como se meu corpo estivesse paralisado. Eu só sabia chorar", descreveu.

Mudança de vida

Mesmo detida, Lívia sabia dos esforços que a família fazia para denunciar a injustiça que estava sofrendo. "Minha mãe corria contra o tempo para tentar me tirar de lá. Ela contratou um advogado para que acompanhasse o meu caso, já que o advogado da empresa só estava preocupado em livrar a cara dos sócios", relatou. 

A jovem contou também que foi orientada pelo advogado para a nova vida que passará a levar daqui para frente. "Eu não posso sair na rua depois das 22h. Não posso viajar. Não posso trabalhar. É muito triste saber que, apesar de estar em casa, minha vida não será a mesma", contou.

Relembre o caso

Lívia participava de uma entrevista de emprego na empresa Icon Investimentos quando foi presa. A organização foi alvo de uma operação da Polícia Civil contra um esquema de golpes do consórcio, no último dia 5 de junho.

Os detidos na ação têm entre 18 e 30 anos. No local, foram apreendidos computadores, celulares e documentos com os contratos em nome das vítimas. Havia também um roteiro usado para aplicar o golpe. 

José Mario Salomão Omena, responsável pelas investigações disse, na época das prisões, que mais de mil pessoas foram vítimas. Os golpes somam o valor de R$ 3 milhões.