A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que aproximadamente 285 milhões de pessoas no mundo têm a visão prejudicada, com uma parcela significativa desses casos relacionada ao glaucoma. Segundo o estudo, entre 60% e 80% desses casos poderiam ser prevenidos ou tratados adequadamente. No Brasil, até 2,5 milhões de pessoas com mais de 40 anos são afetadas pela doença, segundo a Sociedade Brasileira do Glaucoma (SBG).
O cantor Marrone, da dupla com Bruno, faz parte desse dado. O artista foi diagnosticado com glaucoma em estágio avançado em ambos os olhos e precisou ser submetido a uma cirurgia de emergência.
O Diário do Nordeste ouviu médicos especialistas no assunto para esclarecer informações sobre a doença, os sintomas e formas de tratamento.
O que é glaucoma
O glaucoma é uma doença que compromete o nervo óptico, responsável por transmitir as informações visuais ao cérebro. De acordo com Juliana Zarate*, médica oftalmologista, a condição “resulta em uma perda gradual do campo visual periférico, muitas vezes sem sintomas perceptíveis até estágios avançados da doença”. Ela ressalta a importância do diagnóstico precoce, geralmente obtido por meio de consultas oftalmológicas preventivas.
Conforme o oftalmologista Vitor Luna de Sampaio**, ex-diretor da SBG, a doença é uma neuropatia óptica decorrente da morte de células ganglionares da retina que se reflete nas alterações do nervo óptico.
O especialista explica que o glaucoma é uma deficiência na drenagem do humor aquoso, um líquido que circula dentro do olho que faz com que a pressão do olho aumente, sendo um mecanismo para que a doença ocorra.
“O glaucoma é a morte da célula ganglionar, localizada na retina, é o primeiro neurônio da via óptica. Então, essa célula morre e como é um neurônio, o neurônio tem aquela célula estrelada com uma fibra, com um axônio que vai se ligar a outro neurônio que já está lá no cérebro. Então, com a morte da célula, a fibra atrofia e você tem uma progressão da perda dessas células e dessas fibras. E vai alterar a anatomia do nervo óptico e da camada que a gente chama de fibras nervosas da retina. Isso é observado durante a consulta”, detalha o especialista.
O médico ainda esclareceu como é realizado o exame de fundoscopia, ou biomicroscopia de fundo de olho, essencial para o diagnóstico da doença.
“Por meio do exame de fundoscopia, o médico observa as características da retina e do nervo óptico e analisa se é um nervo normal, se é um nervo suspeito, ou se já é um nervo com glaucoma. Nessa hora, se o glaucoma estiver estabelecido, é possível dar o diagnóstico ao paciente”, diz.
Fatores de risco
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Pressão do olho e histórico familiar
O principal fator de risco da doença é a pressão do olho, além do histórico familiar. Segundo Vitor Luna, a pressão do olho considerada normal é de até 20.
“Os sinais principais são o valor numérico da pressão ocular e as alterações específicas do nervo óptico. A gente afere em milímetros de mercúrio, então a pressão normal é de 5 até 20. Se a pressão estiver acima disso, a pessoa é hipertensa ocular e é suspeita de ter glaucoma ou de vir a desenvolver a doença”, detalha.
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Doenças degenerativas
A enfermidade se manifesta de forma mais comum em pacientes míopes, portadores de doenças degenerativas como diabetes e hipertensão arterial. A doença tende a ser mais prevalente entre pessoas negras e também tende a ser mais grave entre elas.
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Idade
A idade, isoladamente, é um fator de risco. Idosos estão no grupo etário de maior prevalência. “Quanto mais velhos ficamos, maior é a deficiência no sistema de drenagem ocular, por isso o glaucoma é mais frequente entre os idosos”, pontua o médico.
Glaucoma tem cura?
A doença não tem cura, mas possui tratamento. “O glaucoma tem controle. É possível ser feliz, é possível viver uma vida normal tendo glaucoma, mas ele é a principal causa de cegueira”, alerta o oftalmologista.
Vitor Luna de Sampaio também esclarece as razões de o glaucoma ser a principal causa da cegueira irreversível e os riscos da doença silenciosa.
“O glaucoma é silencioso. Então, uma pressão de 22, uma pressão de 25, uma pressão de 30, muitas vezes a gente não sente nada. E a perda é muito lenta. A gente passa anos para ficar cego. Não é uma doença que leva à cegueira rapidamente. Então, você vai se acostumando àquela perda progressiva e lenta. E, quando vem sentir, já tem uma deficiência importante”, afirma.
O profissional destaca a importância da prevenção e consultas regulares ao oftalmologista, principalmente a partir dos 40 anos.
“Após os 40 anos, é recomendado para todas as pessoas fazerem uma consulta uma vez ao ano. Se você tem histórico na família de glaucoma, você deve fazer isso mais precocemente. A perda é tão lenta que o paciente se acostuma com isso”, pontua.
Tratamento
Segundo a especialista Juliana Zarate, o foco principal é controlar e reduzir a pressão intraocular para amenizar os sintomas, uma vez que o glaucoma não tem cura.
No geral, o tratamento inclui o uso de colírios. Em casos mais graves, podem ser recomendados procedimentos cirúrgicos ou a laser para controlar a progressão da doença.
“É importante ressaltar que, embora toda cirurgia apresente riscos, quando realizada por profissionais experientes e com uma boa indicação médica, os benefícios superam significativamente os riscos”, enfatiza a médica.
Já Vitor Luna destaca que o tratamento é capaz de evitar a progressão. “Depois que o paciente descobre que tem glaucoma, ele vai ser acompanhado, vai fazer exames complementares que vão avaliar a estrutura da retina, o campo de visão que ele já tem perdido, e aquilo vai sendo feito ao longo da vida de forma programada, a depender do estado em que a doença está”, detalha.
Como é feita a cirurgia?
Há diversos tipos de cirurgias para tratar o glaucoma, dependendo do tipo e da gravidade da doença. Cada uma das técnicas tem suas indicações específicas e o oftalmologista decidirá qual é a mais adequada para cada paciente com base no tipo e estágio do glaucoma, além de outros fatores individuais.
“Nós temos a cirurgia que tem o objetivo de reduzir a pressão intraocular do paciente, que é a cirurgia por trabeculectomia, que ela vai facilitar essa drenagem do humor aquoso, e temos também tratamentos que fazem cirurgia a laser, e também atualmente temos as técnicas mais modernas, que são implantações de pequenos dispositivos que eles chamam a “I-sten”, que eles também ajudam na facilitação para poder diminuir essa pressão intraocular”, explica Juliana Zarate.
Dúvidas gerais
Quem tem glaucoma pode tomar ibuprofeno?
Segundo a oftalmologista, o paciente que é portador do glaucoma pode usar anti-inflamatório não hormonal como o ibuprofeno. O que não é recomendado são os anti-inflamatórios hormonais, aqueles à base de corticoides, pois eles podem aumentar a pressão intraocular.
Como a pessoa com glaucoma enxerga?
A especialista esclarece que uma pessoa com glaucoma enxerga, porém é importante se classificar o estágio da doença. “Normalmente, esses pacientes têm um campo de visão tubular, que é visto em uma visão central, porém com uma perda de visão do campo periférico”, diz.
Quem tem glaucoma pode ter auxílio-doença?
O paciente que é portador de glaucoma pode ter o direito ao auxílio-doença, dependendo do estágio que se encontra a doença. Pacientes com glaucomas moderados a avançados com perda da visão periférica têm direito a esse benefício.
*Juliana Zarate é médica oftalmologista, graduada pela Universidade Estácio de Sá (UNESA) no Rio de Janeiro. Com mais de 10 anos de experiência, ela é especializada em cirurgias refrativas, ceratocone e catarata. Juliana atende tanto crianças quanto adultos em oftalmologia geral e é especialista em córnea, tratando condições como ceratocone e doenças externas. Além disso, realiza procedimentos como implante de anel intra-estromal, adaptação de lentes de contato, transplante de córnea, tratamento de pterígio e cirurgias de catarata.
**Vitor Luna de Sampaio é oftalmologista e ex-diretor da Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG)
*A repórter Luana Severo viajou a São Paulo a convite da SBG