'Não paramos, vamos continuar até o final', mães do Curió pedem Justiça em novos júris da Chacina
Os últimos dois julgamentos da Chacina do Curió serão realizados em agosto e setembro deste ano
Após quase dez anos desde a Chacina do Curió, as mães se reuniram para pedir Justiça para os dois últimos dois julgamentos do caso, que serão realizados em agosto e setembro deste ano. Em coletiva realizada na manhã desta terça-feira (15), destacaram que seguem na luta, que não pararam e que irão continuar até o fim por uma “justiça que venha a ser justa”.
"Para nós, foi como se fosse ontem. Nós estamos aqui atrás de memória. Para que não se esqueçam daquela violência, para que possamos reivindicar uma justiça tão sofrida, tão dolorosa, tão triste pela morte de nossos filhos e familiares", declarou Edna Carla Souza Cavalcante.
Edna é mãe de Álef Souza Cavalcante, jovem que amava festas e comemorações, que se divertia em celebrar a vida, que era carinhoso e educado com quem conhecia. Aos 17 anos, ele foi um dos 11 mortos da Chacina, que ocorreu na madrugada entre os dias 11 e 12 de novembro de 2015.
Dentre as vítimas do caso, estão:
- Álef Souza Cavalcante, 17 anos
- Antônio Alisson Inácio Cardoso, 16 anos
- Francisco Elenildo Pereira Chagas, 40 anos
- Jardel Lima dos Santos, 17 anos
- Jandson Alexandre de Sousa, 19 anos
- José Gilvan Pinto Barbosa, 41 anos
- Marcelo da Silva Mendes, 17 anos
- Patrício João Pinho Leite, 16 anos
- Pedro Alcântara Barroso do Nascimento Filho, 18 anos
- Renayson Girão da Silva, 17 anos
- Valmir Ferreira da Conceição, 37 anos.
Luta contra violência policial nas periferias
A luta não é apenas pelas condenações, explicou Maria Suderli, mãe de Jardel Lima dos Santos. Com o grupo das mães, elas também buscam evidenciar a violência policial presente nas comunidades e periferias de Fortaleza. "É esse lado da polícia que a gente tem que tirar fora", acrescentou Suderli.
"Nós pagamos uma polícia para entrar dentro de nossa favela, da nossa periferia, mas para deixar os nossos filhos vivos, não mortos. Esse é um grito que a gente tem, que está entalado porque a gente precisa de Justiça", declarou Edna.
Edna ainda explicou que o grupo não é contrário à polícia, mas ao abuso de poder nas periferias e às violências direcionadas aos jovens. "A gente luta para que a polícia trabalhe direito, dentro das nossas periferias, do nosso povo".
“A gente passa o dia inteiro, trabalhando, ralando duro para eles matarem os nossos filhos dentro das nossas periferias? Isso não é justo. Isso não é justo e não pode acontecer mais”.
Nesse processo, destacaram a importância da união das mães para encontrarem força e seguirem lutando. Ainda que não possam trazer os filhos de volta, buscam garantir que os outros jovens permaneçam vivos.
Veja também
Atuação da Defensoria Pública
A importância do papel da Defensoria Pública, por meio da Rede Acolhe, também foi tema de debate na coletiva. Para o defensor público Leandro Bessa, o caso da Chacina do Curió foi emblemático. Diante das demandas, organizaram não apenas uma rede de apoio, como disponibilizaram acompanhamento com assistentes sociais e psicólogos para os familiares.
"A Defensoria Pública não tinha atuado nessa perspectiva, com essa força, com essa intensidade na assistência da acusação e principalmente no acolhimento de vítimas de violência. A partir desse momento, se instituiu uma rede de muitos parceiros", disse Leandro.
"Nossa assistência tem que ser voltada a essa dor e principalmente levar a voz dessas mães para o julgamento, para que elas entendam o que está acontecendo, para que elas tenham uma informação precisa do que tem ocorrido no julgamento, mas para que também a voz delas seja ouvida na tribuna da acusação".
Assim como Leandro, a coordenadora geral do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) do Ceará, Marina Araújo defende a importância da atuação do centro especializado de atendimento às vítimas de violência. "Esse passo foi dado porque essas mulheres colocaram os seus corpos e suas vozes para passar mensagem às outras famílias".
Rede de apoio aos familiares
Já Thiago de Holanda, Coordenador do Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa do Ceará, falou sobre a importância de acompanhar as mortes, fazer um mapeamento dos crimes e disponibilizar uma rede de cuidados aos familiares das vítimas.
"A gente acredita que, chegando nessas mães e nessas famílias, a gente pode encontrar outras pessoas que estão em risco, de serem assassinadas."
Com essa atuação, Holanda diz esperar encontrar uma resposta viável às questões da violência. Conforme o coordenador, isso vem por meio de investimentos públicos e de programas que garantam oportunidades aos jovens.
Quem são os PMs que serão julgados nos próximos júris?
Os próximos julgamentos serão realizados nos dias 25 de agosto e 22 de setembro.
Na primeira data, serão julgados os policiais:
- Luís Fernando de Freitas Barroso
- Renne Diego Marques
- Farlley Diogo de Oliveira
- Gildácio Alves da Silva
- Daniel Fernandes da Silva
- Francisco Fabrício Albuquerque de Sousa
- Francisco Flávio de Sousa.
Já em setembro, devem ir a júri popular: Eliézio Ferreira Maia Júnior, Luciano Breno Freitas Martiniano, e o PM Marcílio Costa de Andrade.
Entenda como foram os três primeiros julgamentos
Em 2023, três julgamentos relacionados à chacina ocorreram, em que 20 policiais militares foram julgados, sendo seis condenados com penas que somadas ultrapassam mais de mil anos de prisão.
Primeiro júri
O resultado do primeiro julgamento foi divulgado no dia 25 de julho de 2023. O Tribunal do Júri condenou os primeiros quatro policias militares (PMs) réus em uma pena que soma mais de 1,1 mil anos no total.
- Wellington Veras Chaves: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura.
- Ideraldo Amâncio: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura.
- Antônio José de Abreu Vidal Filho: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura.
- Marcus Vinícius Sousa da Costa: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura.
Segundo júri
No segundo julgamento, que teve o resultado divulgado no dia 6 de setembro de 2023, oito PMs foram absolvidos de crimes. Eles eram:
- Gerson Vitoriano Carvalho (viatura RD 1307)
- Thiago Veríssimo Andrade Batista de Carvalho (viatura RD 1307)
- Josiel Silveira Gomes (viatura RD 1307)
- Thiago Aurélio de Souza Augusto (viatura RD 1072)
- Ronaldo da Silva Lima (viatura RD 1072)
- José Haroldo Uchoa Gomes (sargento comandante da RD1069)
- Gaudioso Menezes de Mattos Brito Goes (motorista viatura RD1069)
- Francinildo José da Silva Nascimento (sargento, viatura RD 1069)
Terceiro júri
Já a decisão do terceiro julgamento foi divulgada pelo Tribunal do Júri no dia 16 de setembro de 2023. Na data, dois PMs foram são condenados e seis absolvidos.
Dentre os condenados, estão:
- José Wagner Silva de Souza: condenado a 13 anos e 5 meses de reclusão por crimes de tortura — duas torturas físicas e uma mental.
- José Oliveira do Nascimento: condenado por 18 crimes. A pena foi estabelecida em 210 anos e 9 meses de reclusão.
Já os PMs absolvidos, foram:
- Antônio Carlos Marçal
- Antônio Flauber de Melo Brazil
- Clenio Silva da Costa
- Francisco Helder de Souza Filho
- Maria Barbara Moreira
- Igor Bethoven Sousa de Oliveira.