Morte de jovem em ação policial em Fortaleza completa 1 ano sem solução; 12 PMs são investigados
Testemunhas e policiais militares contam versões diferentes sobre a ocorrência. Exame pericial apontou a suposta pistola que disparou o tiro que matou a vítima, mas a policial militar nega que tenha utilizado a arma
A morte de Breno Lorran Santos Rodrigues, aos 22 anos, em uma ação da Polícia Militar do Ceará (PMCE) no bairro Autran Nunes, em Fortaleza, completou um ano no último dia 29 de junho. O caso segue sem respostas conclusivas das autoridades. A Polícia Civil do Ceará (PCCE) investiga a participação de 12 policiais militares no homicídio.
A reportagem opta por não divulgar o nome dos PMs envolvidos na ação policial, pois os agentes de segurança não foram indiciados ou presos, até esta publicação. Entre os investigados, há um tenente, um sargento, dois cabos e oito soldados da Polícia Militar.
Conforme documentos obtidos pela reportagem, o Ministério Público do Ceará (MPCE) solicitou ao 27º Distrito Policial (27º DP), da Polícia Civil, no último dia 25 de junho, que aprofundasse as investigações para apurar a morte de Breno Lorran, em um prazo de 90 dias.
O jovem se divertia em uma festa, no cruzamento das ruas Curitiba com Professor Vieira, quando a Polícia Militar chegou ao local. Um vídeo mostra policiais militares correndo atrás de um grupo e atirando. Um tiro atingiu Breno na cabeça. Ele ainda foi levado à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Autran Nunes e transferida ao Instituto Doutor José Frota (IJF), mas não resistiu aos ferimentos.
A Polícia Militar concluiu, no Inquérito Policial Militar (IPM), pelo não indiciamento de 12 PMs que participaram da ação policial. "Não vislumbramos indícios de cometimento de crime militar, nem de transgressão disciplinar por parte dos policiais militares, por falta de autoria e materialidade", definiu a Corporação, no documento.
O IPM foi enviado à Vara da Auditoria Militar. Porém, a Promotoria de Justiça Militar e Controle Externo da Atividade Policial Militar, do MPCE, entendeu pelo "declínio da competência" da Unidade, por entender que o caso deve ser julgado como um crime contra a vida, nas Varas do Júri de Fortaleza, e não como um crime militar. A Auditoria Militar concordou e transferiu o inquérito.
O advogado Santos Júnior, que integra o corpo jurídico da Associação dos Profissionais da Segurança (APS), afirmou, em nota, que "está acompanhando de forma ativa e responsável o caso em questão, prestando integral assistência jurídica a dois de seus associados".
"A entidade confia na lisura da conduta dos militares envolvidos e reafirma sua convicção no princípio da presunção de inocência. O corpo jurídico da APS encontra-se mobilizado e atuando com rigor técnico e comprometimento ético, com o objetivo de assegurar a ampla defesa e demonstrar, nos autos, a inocência dos associados."
As defesas dos outros PMs não foram localizadas para comentar a investigação da ação policial. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
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Confronto de versões sobre o fato
A Polícia Civil se depara com um confronto de versões sobre a ocorrência. A esposa de Breno Lorran Santos Rodrigues afirmou aos investigadores que estava com o marido em um baile funk e, por volta de 1h da madrugada do dia 29 de junho de 2024, foi para casa, enquanto o marido seguiu atrás, com amigos.
Em certo momento, a mulher ouviu disparos de arma de fogo. Ela voltou ao local e encontrou Breno baleado no chão, cercado por policiais militares, que o levaram até a UPA.
O casal tinha três filhos. A esposa disse à Polícia que Breno Lorran nunca foi preso, apenas teve um "problema na escola quando era adolescente" e trabalhava em um restaurante há um mês.
Uma testemunha contou que "lá nos festejos estava tudo tranquilo" e que "não viu brigas". Quando a Polícia Militar chegou ao local, ordenou que as pessoas desligassem o paredão de som e saíssem do local.
"Nesse momento os policiais que estavam na frente da composição efetuaram dois disparos com balas de borracha para o alto, ocorrendo aí a dispersão total, e os populares correram em direção a suas casas", narrou a testemunha.
Então, "a depoente correu com seu companheiro para casa, e o Breno logo em seguida, atrás pela Rua Curitiba". "Foram efetuados vários disparos, compatíveis com calibre 12 e de borracha, contudo ao dobrarem na Rua Professor Vieira olharam para trás e viram o Breno caído", acrescentou.
O tenente da Polícia Militar que participou da ação relatou, em Boletim de Ocorrência (BO), que as equipes policiais foram acionadas para desmobilizar um "baile funk de faccionados". "Houve uma dispersão parcial, todavia alguns frequentadores ofereceram resistência", narrou.
Quando as equipes policiais se aproximaram da aglomeração para identificar o organizador, pelo menos dois disparos de arma de fogo foram realizados. Contudo, quando não foi possível identificar de onde vinha, não houve revide de munição letal, mas disparo de munição menos letal em espingarda cal. 12 foram efetuados na tentativa de dispersar a aglomeração."
O oficial da PMCE acrescentou que a maioria dos frequentadores do baile funk se dispersaram, mas "aproximadamente 30 homens se reuniram na Rua Raimundo Ribeiro com Porto Alegre, e mais disparos foram ouvidos vindo dessa direção".
As composições policiais avançaram, e os suspeitos continuaram atirando contra os PMs, segundo o tenente. "Um dos indivíduos de nome Breno Lorran Santos Rodrigues gritava 'aqui é tudo 2, vão morrer tudim'", garantiu o policial militar - referindo-se a um grito da facção criminosa Comando Vermelho (CV).
O oficial afirmou que mais disparos foram efetuados contra os policiais, que precisaram reagir. Pouco depois, Breno Lorran foi encontrado baleado. Nenhuma arma de fogo foi apreendida com o jovem.
A reportagem apurou que o tenente investigado foi transferido de quartel, em Fortaleza, na última terça-feira (1º). A transferência foi publicada no Boletim do Comando Geral da Polícia Militar.
Laudo aponta arma que causou morte
As armas acauteladas pelos 12 policiais que participaram da ocorrência foram entregues para serem periciadas. O exame de comparação balística, realizado pela Perícia Forense do Ceará (Pefoce), atestou compatibilidade entre o projétil que atingiu Breno Lorran e uma pistola Ponto 40 acautelada com uma soldada da Polícia Militar.
Ao ser questionada pela Polícia Civil, a soldada garantiu que, na ocorrência, "utilizava apenas uma arma calibre 12 equipada com munição não letal" e, apesar de carregar no coldre uma pistola, ela afirmou "que em nenhum momento sacou da pistola para atender a ocorrência e afirma não ter efetuado nenhum disparo e sequer era possível ver o Breno de sua posição".
A reportagem apurou que as autoridades não estão convencidas de que o tiro foi efetuado pela policial militar. No último dia 16 de maio, a Polícia Civil solicitou um novo exame de comparação balística, das 12 pistolas acauteladas pelos PMs, para a Pefoce.
No último pedido de diligências à Polícia Civil, o Ministério Público do Ceará questionou à Polícia Civil quais os motivos específicos que levaram o Órgão a solicitar uma nova perícia das armas e pediu para os investigadores indiquem aos peritos "quesitos complementares", para sanar as dúvidas.