4 PMs acusados de balear mulher que saiu para jantar e foi perseguida na Vila Peri são absolvidos
A vítima afirmou que não recebeu ordem de parar o veículo, e que os policiais atiraram sem ter lhe dado a chance de se identificar
Quatro policiais militares acusados de lesão corporal grave contra uma mulher baleada no bairro Vila Peri, em Fortaleza, foram absolvidos. A perseguição policial aconteceu em março de 2018, tendo a vítima sido atingida no pescoço e mãos. Na época, a mulher disse ao Diário do Nordeste que havia saído para jantar com a família quando foi abordada.
O juiz da Auditoria Militar do Estado do Ceará decidiu no último dia 30 de junho inocentar os agentes lotados no Batalhão de Policiamento do Raio (BPRaio): Daniel Wanier Cavalcante Nogueira, Luiz Porfírio Feitosa Neto, Antônio Vicente de Melo Júnior e Antonilson do Nascimento Silva.
O magistrado destaca na decisão que julgou a denúncia improcedente, sendo que para Daniel e Luiz não teria ficado comprovada a participação para a infração penal e relacionado a Antônio Vicente e Antonilson "por não existir prova suficiente para a condenação".
Os denunciados estavam de serviço quando receberam informações de que um veículo estava sendo roubado naquela região. Foram até o local, disseram ter visto um carro em atitude suspeita e dado ordem de parada, que não foi obedecida. Na versão da vítima, ela não ouviu a ordem de parada e os policiais "atiraram para matar mesmo".
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O advogado Leonardo Feitosa Arrais disse que recebeu a sentença com as absolvições com naturalidade e senso de dever cumprido: "a Justiça foi restabelecida. Durante todo esse tempo de tramitação processual restou prejudicado policiais militares exemplares que carregaram a pecha de militares acusados de crime, dificultando suas vidas no seio da corporação militar e perante a sociedade por aproximadamente sete anos".
FILHO ESTAVA NO CARRO
A funcionária pública baleada estava na companhia do filho dentro do carro. Ela disse ter visto os policiais armados em posição de abordagem e pensou que ali acontecia um assalto, "neste momento, deu ré e acelerou o veículo, vindo a ser atingida por disparos de arma de fogo na região do pescoço, mãos e pé direitos".
Para o Ministério Público do Ceará (MPCE), existem indícios e materialidade suficientes de que os militares cometeram crime de lesão corporal grave, "além de que, convergiram suas vontades para a mesma origem (concurso de agentes), qual seja, interceptar o veículo".
"O Ministério Público, em alegações finais, pugnou pela procedência da denúncia, com a condenação dos acusados, assim destacando: [...] restou provado que os réus, em concurso de agentes, convergiram suas vontades para interceptar o veículo onde estava a vítima, sem observar os limites da ação policial, agiram com desproporção ao realizar os disparos de suas armas, acabaram atingindo a passageira do carro... Percebe-se que eles não se limitaram a uma simples tentativa de abordagem do veículo, mas evoluíram para uma situação em que a utilização de disparos de arma de fogo foi tomada sem a devida avaliação da necessidade e proporcionalidade. Tal comportamento caracteriza a imprudência e a falta de cuidado dos acusados com a segurança da vítima e com as normas que regulam o uso de força por agentes do Estado"
No dia seguinte ao fato, a vítima procurou a Delegacia de Assuntos Internos (DAI) e a reportagem relatando que havia saído com a família para jantar. Como o seu veículo não comportava todos os familiares, ela fez quatro viagens para levá-los ao restaurante e trazê-los de volta para casa, tendo passado algumas vezes em frente aos militares, o que, segundo ela, pode ter gerado uma suspeita.
A mulher relatou que não recebeu ordem de parar o veículo, e que os policiais atiraram sem ter lhe dado a chance de se identificar. “Eu baixei o vidro e disse que era uma pessoa de bem, mas eles continuaram atirando. Eles botaram para matar”. No momento da perseguição, o filho de 12 anos também estava no carro. Segundo ela, o menino não foi atingido, pois se abaixou. “Ele foi muito inteligente”, relembra.
USO DA ARMA DE FOGO
No decorrer do processo, os policiais apresentaram justificativas de disparo de arma de fogo em serviço. Para o juiz, diante das provas produzidas, "ficou claro que os disparos foram efetuados pelos acusados, Antônio Vicente de Melo Júnior e Antonilson do Nascimento Silva. Não há evidência alguma que os outros dois acusados tenham contribuído para a ação dos cabos Nascimento e Vicente de efetuar os disparos".
"O certo é que dois dos policiais acusados praticaram condutas típicas, pois ofenderam a integridade física da vítima, entretanto, segundo a prova indica, o fizeram para se defenderem de agressão iminente e injusta, que sabiam que estava acontecendo, em razão da conduta da vítima, que saiu com o carro em direção aos policiais, caracterizando a atualidade da agressão"
O magistrado disse ainda que ficou caracterizada uma "injustiça da agressão sofrida pelos policiais da composição, pois, segundo relatos, não foi obedecida à ordem de parada, tendo a condutora dado ré e depois saído na direção dos policiais" e que não há provas suficientes que sustentem a tese acusatória.