Ceará soma mais de 1,2 mil mortes por intervenções policiais nos últimos 10 anos

Instituições cobraram do Ministério Público Estadual uma atuação mais efetiva no controle da atividade policial e um trabalho de acusação que leve à condenação dos policiais que vão a júri popular pela Chacina da Messejana

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
Nos primeiros 3 meses de 2023, 39 pessoas já morreram em ações policiais
Legenda: Nos primeiros 3 meses de 2023, 39 pessoas já morreram em ações policiais
Foto: Kid Junior

1.229 pessoas foram mortas por intervenções policiais, no Ceará, nos últimos 10 anos (de 2013 a 2022), conforme dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), coletados pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca). Nos primeiros 3 meses de 2023, 39 pessoas já morreram em ações policiais.

A violência policial no Estado foi tema de uma reunião do Cedeca, da Anistia Internacional Brasil, do Fórum Popular de Segurança Pública e dos movimentos Mães da Periferia e Mães do Curió, com o Ministério Público do Ceará (MPCE) e a Defensoria Pública Geral do Ceará, na última terça-feira (18). As mesmas instituições esperam ser recebidas, nesta quarta (19), pelo Governo do Ceará, para dar continuidade ao debate.

Em média, 122 pessoas foram mortas por ano, em ações policiais no Ceará, na última década; 10 pessoas foram mortas por mês; ou 1 pessoa foi morta a cada 3 dias. 

Na década analisada, o ano de 2018 foi o mais letal, com 221 mortes por intervenções policiais; e o ano de 2013, o menos letal, com 41 mortes. Entre um ano e o seguinte, o maior aumento de mortes ocorreu de 2014 para 2015, 62,2%; e a maior queda de registros, de 2018 para 2019, 38,4%.

Veja os números dos últimos 10 anos:

Na reunião de terça (18), Anistia, o Cedeca e os movimentos populares cobraram do MPCE uma atuação mais efetiva no controle da atividade policial, no Ceará, e um trabalho de acusação que leve à condenação dos policiais que vão a júri popular pela morte de 11 pessoas, no episódio que ficou conhecido como Chacina da Messejana (ou Chacina do Curió), ocorrido em 2015, em Fortaleza. 7 PMs vão sentar no banco dos réus pelas mortes, neste ano; e outros 27 militares foram pronunciados pela Justiça Estadual para irem a julgamento, mas recorreram a Instâncias Superiores.

Questionada pela reportagem sobre o número de mortes por intervenção policial no Ceará nos últimos anos, a diretora-geral da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, pontuou que "o Ceará está entre os estados que mais matam (no Brasil). Muitos estão no Nordeste. Uma polícia que mata e que comete chacinas. Isso é um dado terrível, uma tragédia para o Ceará".

A Anistia está com uma campanha, nomeada de "O Ministério tem que ser público". "O Ministério Público é uma instituição criada pela Constituição Brasileira para a defesa dos interesses e direitos da sociedade. A gente está diante de casos de brutalidade policial, de homicídios cometidos pela Polícia em serviço. Ou seja, de crimes cometidos pelo Estado contra cidadãos. O Ministério Público precisa ser o protagonista de uma ação dessas", defende Werneck.

O procurador-geral de Justiça no Ceará, Manuel Pinheiro Freitas, afirma que o controle externo da atividade policial é realizado pelo MPCE por "Promotorias Especializadas, que inspecionam as delegacias, examinam inquéritos policiais em andamento, emitem relatórios e encaminham às autoridades da hierarquia da Segurança Pública, para adoção de providências".

E, além disso, temos um trabalho muito importante, que é realizado pelos nossos órgãos de investigação, o Gaeco (Grupo Especial de Combate às Organizações Criminosas) e o Nuinc (Núcleo de Investigação Criminal). Juntos, eles têm sido responsáveis pela apuração de numerosos crimes envolvendo policiais. O Ministério Público do Ceará tem um compromisso muito firme com a proteção dos direitos humanos, de coibir os abusos das forças policiais, e isso se reverte em investigações bem-sucedidas, que levam ao ajuizamento de ações penais contra os responsáveis."
Manuel Pinheiro Freitas
Procurador-geral de Justiça no Ceará,

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Modelo de Segurança Pública em debate

A coordenadora do Cedeca no Ceará, Mara Carneiro, analisa que o número de mortes por intervenção policial "faz parte de um modelo de segurança pública que tem sido instalado no Estado, que privilegia uma atuação ostensiva, violenta, em detrimento de uma atuação investigativa e protetiva. A gente vê isso no número de concursos para Polícia Militar, se compara com a Polícia Civil e a Perícia Forense. E o gasto com Segurança Pública." 

O Cedeca avalia que, se esse modelo de Segurança não mudar, a partir de 2026 o Estado do Ceará vai estar investindo mais em Segurança Pública do que em Educação e Saúde. Isso, no Brasil, só acontece no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Dois estados que, em termos de violência, não devem ser reproduzidos por estado nenhum. Estamos adotando um método errado, e isso é conivente para o crescimento da violência policial."
Mara Carneiro
Coordenadora do Cedeca no Ceará

Questionada sobre as críticas dos órgãos ao número de mortes por intervenção policial no Estado, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará respondeu que "todos os profissionais da segurança pública participam de disciplinas e formações, por meio da Academia Estadual de Segurança Pública (Aesp), relacionadas a protocolos humanizados para os atendimentos às ocorrências. Durante o ano de 2022, militares da Polícia Militar do Ceará (PMCE) participaram do 'Curso de Intervenções Não Letais', com carga horária de 162 horas/aula".

A SSPDS reforça que seus profissionais são orientados a atuar, conforme as recomendações da Portaria Interministerial nº 4.226/2010 do Ministério da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que trata da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência do 'Uso Progressivo da Força'."
Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará
Em nota

Por fim, a Pasta lembrou que todos os casos de morte decorrente de intervenção policial são "investigados com todo o rigor necessário". "Os inquéritos são registrados nas delegacias da Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE), que escuta testemunhas e colhe provas para encaminhar o procedimento à apreciação do Ministério Público do Ceará (MPCE). O Estado possui também a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), que atua de forma isenta, para investigar e garantir o devido processo legal e proporcionar a segurança jurídica na avaliação da conduta e correição preventiva de servidores", concluiu.

Chacina da Messejana chega aos julgamentos

Em um dos casos mais emblemáticos de mortes por intervenção policial no Ceará, nos últimos anos, 11 pessoas foram mortas na Grande Messejana, em Fortaleza, entre a noite de 11 de novembro e a madrugada de 12 de novembro de 2015.

O caso ficou conhecido como Chacina da Messejana - ou Chacina do Curió. 44 policiais militares foram denunciados pelo MPCE por participação na matança, mas apenas 34 deles foram pronunciados pela Justiça Estadual (isto é, levados a julgamento). 8 PMs foram impronunciados e outros 2 militares tiveram a conduta desclassificada para crimes de menor gravidade. Mais de sete anos após a Chacina, a 1ª Vara do Júri de Fortaleza marcou os três primeiros julgamentos, com um total de 7 réus, para os meses de junho, agosto e setembro deste ano.

Mãe de uma das vítimas da Chacina, Edna Souza espera, com os julgamentos marcados e com as reuniões com o Ministério Público e com o Governo do Ceará, por "resolução, condenação dos culpados, prisão e exoneração. Porque nós não podemos financiar a bala que matou nossos filhos, não podemos ter uma polícia que mata na periferia, a todo vapor. Tendo essa justiça 'para o Curió', é uma forma de quebrar esse ciclo vicioso".

A diretora-geral da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, cobra que o Ministério Público do Ceará deve "primeiro, atuar antecipadamente para impedir que chacinas como essa aconteçam. Isso se chama 'controle externo da atividade policial'".

Em segundo, as famílias e as vítimas têm direito a diálogo permanente, a serem assistidas pelo Ministério Público, a participar das investigações e ter assistência psicossocial. E quando você fala com as mães, isso não está acontecendo. Em terceiro, no que se refere à ação do Ministério Público na própria Chacina. Em novembro do ano passado, o Ministério assumiu o compromisso de empenhar todos os recursos e esforços necessários para garantir um julgamento justo e adequado."
Jurema Werneck
Diretora-geral da Anistia Internacional Brasil

O procurador-geral de Justiça no Ceará, Manuel Pinheiro Freitas, garantiu que "o Ministério Público tem atuado, nesse caso da Chacina do Curió, desde o primeiro momento. Vários promotores de Justiça acompanharam a produção das provas. É um caso muito complexo, que envolve uma quantidade muito grande de réus, fatos gravíssimos, que exigem de nós uma atuação muito competente, que dê uma resposta às famílias das vítimas e à sociedade cearense como um todo".

"Estamos nos preparando para aquele que vai ser o julgamento mais importante da jurisdição criminal do Ceará na história. E para atendermos a esse julgamento tão complexo, designamos um grupo de sete promotores de Justiça, para revezarem. Porque muito provavelmente essas sessões vão durar dois ou três dias, cada uma delas", completou.

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