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No Ceará, mulheres chegam ao comando de 38 prefeituras; 13 têm prefeita e vice-prefeita

As eleitas representam cerca de 20% das prefeituras cearenses, um avanço ainda tímido na representatividade feminina no Executivo municipal

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(Atualizado às 14:26)
Mulheres nas eleições
Legenda: Segunda etapa ocorre em cidades com mais de 200 mil eleitores registrados
Foto: Divulgação/TSE

Em quatro anos, o número de prefeituras comandadas por mulheres no Ceará teve um aumento de 26,6%. Foram 38 prefeitas eleitas em 2024, enquanto em 2020 haviam sido eleitas 30 prefeitas. A média cearense foi maior do que a nacional, que teve um aumento de apenas 10,3% do número de mulheres eleitas para as prefeituras — passando de 656 para 724. O número deve aumentar, porque em 12 cidades há candidatas disputando o 2º turno. 

Apesar de importante, o avanço da representatividade feminina ainda é tímido no estado. Dos 184 municípios cearenses, apenas 20,6% vão ter mulheres como prefeitas a partir de 2025. Nas duas únicas cidades do Ceará com 2º turno, Fortaleza e Caucaia, nenhuma mulher está na disputa.

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Na capital cearense, inclusive, desde o 1º turno, não houve a presença de mulheres como candidatas à Prefeitura — as nove candidaturas apresentadas eram de homens. O cenário do Ceará não é tão distinto do observado em todo o País. 

Nenhuma capital brasileira elegeu uma prefeita no 1º turno. Das restantes, apenas 6 contam com candidatura feminina para a Prefeitura — o destaque é Campo Grande, onde a disputa é 100% feminina, com Adriane Lopes (PP) e Rose Modesto (União) como candidatas. 

Gestão municipal 100% feminina

Junto do aumento do número de prefeitas eleitas, outro crescimento chama atenção: as dobradinhas femininas chegando ao comando das prefeituras no Estado. No total, 13 prefeitas cearenses terão, a partir de 2025, uma mulher como vice.

Esse número mais do que dobrou em relação a 2020, quando apenas 6 prefeitas eleitas tiveram como companheira de chapa mulheres. Das 13 chapas femininas eleitas para prefeituras, inclusive, três foram reeleitas. 

Em Guaiúba, a prefeita Izabella Fernandes (PSB) e a vice Cléubia (PSB) foram reeleitas, enquanto em Ibaretama, Eliria Queiroz (PSD) e Carlinha (PSB) foram reconduzidas aos cargos de prefeita e vice, respectivamente. 

Em Tauá, a chapa formada por Patrícia Aguiar (PSD) e Dra. Fátima (PSD) também foi reeleita no último domingo (6). Patrícia Aguiar conquistou outra marca histórica, sendo eleita pela 5ª vez como prefeita da cidade. 

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Coordenadora do Laboratório de Estudos de Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC), Monalisa Soares explica a relevância da eleição de mulheres como prefeita e vice em cidades cearenses. 

"Uma dobradinha feminina é importante porque, em última instância, aconteça o que acontecer, seja por uma vacância provisória, uma vacância definitiva, a gestão ocorrerá pelas mãos das mulheres. Então, nós teremos mulheres no contexto da gestão municipal", argumenta.

Um cenário que se contrapõe à estratégia usada por muitos partidos políticos quando se trata de candidaturas femininas, completa a professora de Direito Eleitoral da UFC, Raquel Machado. 

"As mulheres ficaram sendo usadas como vice para que os candidatos tivessem acesso à verba do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, já que um percentual tem que ser dedicado às candidaturas femininas. Apesar das cotas serem destinadas aos cargos proporcionais, o financiamento pode ser destinado às candidaturas majoritárias e muitos candidatos se aproveitavam dessa obrigação do partido destinar verba a mulher para convocar mulheres como vice".
Raquel Machado
Professora de Direito Eleitoral da UFC

Portanto, as mulheres eram colocadas como vice como forma de favorecer a candidatura masculina, escolhida para encabeçar a chapa que concorria ao Executivo municipal. 

Apesar de positivo, o fenômeno ainda precisa ser observado com cautela, acrescenta a diretora do Instituto Alziras, Tauá Pires. O Instituto Alziras é uma organização sem fins lucrativos que atua para ampliar e fortalecer a participação de mulheres na política brasileira.

Pires observa que as dobradinhas femininas são "um fenômeno novo, ainda pequeno" e que ainda não há números suficientes para indicar que essa pode ser uma tendência nacional ou mesmo estadual.

"Não dá para a gente analisar de maneira isolada", explica ela, lembrando que muitas das mulheres que chegam a representar candidaturas à prefeitura já iniciaram na vida pública antes, como secretárias do município, por exemplo. 

"O Ceará está com números maiores, mas não é uma tendência nacional ter chapas femininas. Então, isso precisa ser analisado muito de acordo com as especificidades de cada município", pontua. 

Paridade de gênero irá demorar 140 anos

O crescimento da representatividade feminina nas prefeituras é importante, mas não suficiente. A constatação foi um consenso entre as pesquisadoras entrevistadas pelo Diário do Nordeste

A presença ainda diminuta de mulheres no comando do Executivo municipal — tanto no Ceará como no Brasil — reduz a participação de uma fatia da população que já é maioria entre o eleitorado e faz com que persista uma dominação ainda masculina dentro da política institucional.

Com passos ainda tão lentos, o caminho para a igualdade de gênero ainda está distante. "Nesse ritmo, a gente demoraria, mais ou menos, 144 anos para atingir a paridade no comando das prefeituras", especifica Tauá Pires. 

A projeção é nacional e o Ceará está acima da média do País — onde apenas 15% das prefeituras serão comandadas por mulheres a partir de 2025. Ela reforça, no entanto, que o avanço cearense também é pouco. 

O Ceará ficou na quarta colocação do Nordeste em representatividade feminina na política após as eleições de 2024 — atrás do Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas. 

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"Essa representatividade no Executivo ainda é diminuta", concorda Monalisa Soares. "Apesar do crescimento, as mulheres continuam tendo mais dificuldade de serem constituídas como candidaturas competitivas pelos partidos".

A falta de investimento dos partidos políticos na construção de lideranças femininas que possam tornar-se candidaturas competitivas é apontada como um dos principais obstáculos enfrentados pelas mulheres no cenário eleitoral. 

"Nós avançamos pouquíssimo em ter uma organização partidária que valoriza a mulher, que tenha nos seus órgãos de direção mulheres e que, não só no momento de eleição, mas durante todo o exercício da vida partidária, as mulheres sejam valorizadas. Seja através do financiamento de atividades para a mulher na política, com educação e com o apoio, seja com a colocação de mulheres em cargos de direção", argumenta Machado.

Soares completa que o crescimento do número de prefeitas eleitas demonstra a força eleitoral de mulheres, desde que contem com esse apoio partidário. 

"Esses avanços são importantes para que a gente evidencie que as mulheres — quando possuem condições de competitividade — conseguem chegar, conseguem obter vitórias. Então, isso é um espaço importante de luta: mostrar que, quando as mulheres estão bem posicionadas, têm financiamento, são prioridades partidárias, elas podem avançar e podem conseguir a competitividade para a disputa e, portanto, a vitória".
Monalisa Soares
Coordenadora do Lepem/UFC

Tauá Pires aponta ainda outro elemento que dificulta não só a eleição de mulheres como a permanência delas dentro dos espaços políticos: a violência política de gênero

"Ainda existe muita dificuldade para fazer um trabalho de proteção, prevenção e combate a essa violência que atinge de maneira muito diferente as mulheres e que, às vezes, acaba interrompendo algumas trajetórias políticas", critica. 

Raquel Machado pontua que, apesar da constatação da violência política de gênero ser um aspecto negativo, é também importante "porque permite o diagnóstico, o conhecimento da realidade e a punição". "Então, nós teremos como avançar bastante com a aplicação rigorosa da legislação", completa. 

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Entre obstáculos e avanços, ainda que 'tímidos', a relevância do aumento da presença das mulheres em cargos de poder é relevante para a construção de uma política mais igualitária. 

"É muito importante sim o avanço das mulheres para que essa experiência, esse repertório seja apresentado. Não é que as mulheres sendo eleitas significa que tudo vai mudar, que tudo vai ser bom, mas que a presença das mulheres possa ocorrer para que o repertório e a experiência dessas agentes chegue ao cenário público. (...) Quando a gente fala da importância de ampliar a representatividade das mulheres, a gente está querendo dizer também sobre essas condições de igualdade, de apresentar repertórios e experiências também pelas mulheres na cena pública, a fim de que o eleitor possa avaliar", ressalta Monalisa Soares. 

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