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Disputa pela Prefeitura de Fortaleza em 2024 pode ser a primeira sem mulher candidata em 12 anos

Cientistas políticas pontuam problemas estruturais nos partidos e brechas na legislação eleitoral como causas para a falta de participação feminina

Escrito por Luana Barros, Igor Cavalcante ,
Mulher voto eleição
Legenda: Mulheres são maioria entre a população de Fortaleza, mas não devem ser representadas entre pré-candidaturas a Prefeitura
Foto: Roberto Jayme/TSE

Os partidos podem lançar candidatura à Prefeitura de Fortaleza até o dia 5 de agosto, último do prazo para a realização das convenções partidárias. No entanto, com o tempo para a campanha eleitoral reduzido, o cenário para a disputa pelo Paço Municipal vem sendo desenhado desde 2023. Foram confirmadas, até o momento, seis pré-candidaturas ao cargo de prefeito da Capital. Nenhuma delas, no entanto, é de uma mulher. 

Se não houver mudanças, essa será a primeira vez em 12 anos em que não há uma candidata à Prefeitura de Fortaleza — e a quarta vez que essa ausência acontece desde 1985, primeira eleição direta para Prefeitura após o golpe militar de 1964. Naquela eleição, Fortaleza se tornou a primeira capital brasileira a eleger uma mulher como prefeita — Maria Luiza Fontenele governou a cidade entre 1986 e 1989. 

"A ausência de mulheres na disputa mostra que a conjuntura política tem desprezado a força dessas candidaturas, e evidencia uma questão estrutural bem mais profunda que as disputas internas entre os diretórios", ressalta a cientista política e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), Mariana Dionísio. "Não se trata de uma questão circunstancial, porque as barreiras político-institucionais para aumentar o investimento em candidaturas femininas acontecem há muito mais tempo".

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No último sábado (4), a ambientalista Cindy Carvalho (Rede) retirou a pré-candidatura à Prefeitura e deve integrar, como vice, a chapa encabeçada pelo produtor cultural Técio Nunes (Psol). Os dois partidos formam uma federação partidária, por isso só podem lançar uma pré-candidatura para concorrer ao Executivo municipal. 

Na disputa interna realizada pelo PT, a deputada federal Luizianne Lins (PT) e a deputada estadual Larissa Gaspar (PT) colocaram o nome à disposição do partido, mas o presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, Evandro Leitão (PT), acabou sendo escolhido pré-candidato em Encontro Municipal realizado no dia 15 de abril. 

Com isso, não restou nenhuma pré-candidatura feminina para a Prefeitura de Fortaleza. Partidos menores — como UP, PCB e PSTU — ainda não lançaram nomes para a disputa pelo Executivo municipal. Contudo, as definições até aqui apontam para que apenas homens disputem o cargo — cenário semelhante ao da disputa pelo Governo do Ceará em 2022, quando não houve nenhuma candidata ao comando do Palácio da Abolição. 

Além de Evandro Leitão e Técio Nunes, estão na disputa o atual prefeito de Fortaleza José Sarto (PDT), que tentará a reeleição, o deputado federal André Fernandes (PL), o senador Eduardo Girão (Novo) e o ex-deputado federal Capitão Wagner (União).  

‘A despeito da estrutura’

Ex-prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins disputou internamente a pré-candidatura do PT na capital cearense. A deputada federal tem sido, inclusive,  uma presença constante nas disputas pelo Paço Municipal.

Nos últimos 20 anos, ela participou de quatro das cinco eleições municipais realizadas — a única ausência dela aconteceu em 2012, quando não podia concorrer porque estava encerrando o segundo mandato como prefeita de Fortaleza. Em algumas ocasiões, ela era a única mulher entre as concorrentes.

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Coordenadora do Laboratório de Estudos em Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará, Monalisa Soares chama a atenção para o fato da mulher mais presente em disputas pela Prefeitura de Fortaleza ser "uma liderança que se constitui a despeito das estruturas". 

"A Luizianne foi eleita vereadora e na sequência se elege deputada estadual e se elege prefeita, a primeira vez, a despeito do seu partido. Na segunda vez, quando ela se reelege, o partido já não tinha muito o que fazer: ela tinha sido eleita, ela tinha base, ela tinha votos e etcetera", pontua a pesquisadora. Uma construção de persona política que "emergiu e se consolidou para esse lugar a despeito da sua agremiação partidária".

O problema estrutural causado pela "reprodução do perfil tradicional" de candidatos pelos partidos é uma das causas apontadas por Monalisa Soares para esse déficit de participação feminina na disputa pelo Executivo. "Os partidos cearenses reproduzem essa lógica generificada, onde as suas principais lideranças são os homens. Isso está na esquerda, isso está na direita, isso não tem viés ideológico", reforça.

Mariana Dionísio segue a mesma linha ao falar sobre essa ausência na corrida eleitoral de 2024. "O cenário político sofre muitas mudanças a cada eleição, mas a dificuldade para o apoio dos partidos às candidaturas femininas permanece inalterada, evidenciando o desinteresse dos partidos pela representatividade plural", afirma.

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Brechas na legislação eleitoral

O aumento constante — ainda que lento — das bancadas femininas nos legislativos municipais, estaduais e federal não tem sido acompanhado pelo crescimento de mulheres no comando do Executivo. "As nossas políticas de fomento à participação feminina têm sido muito ineficazes no adendo à maior participação das mulheres nos cargos de Executivo", aponta Monalisa Soares.

A cota de gênero instituída ainda no final da década de 1990 e tornada obrigatória em 2009 foca nas candidaturas a cargos proporcionais. Ou seja, para câmaras municipais, assembleias legislativas e para a Câmara dos Deputados. 

Partidos ou federações partidárias precisam apresentar, pelo menos, 30% de candidaturas de mulheres para estas casas legislativas. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) endureceu, desde as eleições de 2016, as penalidades para agremiações que tentem burlar a regra — com as chamadas candidaturas fictícias. 

O descumprimento da cota de gênero tem causado a cassação de chapas inteiras de candidatura, com a perda de mandatos para parlamentares que tenham sido eleitos em chapas que não respeitaram, de modo efetivo, a legislação eleitoral que fomenta a participação feminina. 

"A gente tem observado de um modo geral, nos dados, que as nossas políticas, que têm sido reforçadas ao longo dos anos, têm sido relativamente exitosas em ampliar uma participação das mulheres no Poder Legislativo. A gente viu isso na eleição de 2020, com o crescimento da bancada das vereadoras. A gente viu isso na bancada de estaduais em 2022 e mesmo na federal", lembra Soares.

A efetividade, no entanto, não chega às disputas majoritárias — ou seja, para o comando de prefeituras, governos estaduais e presidência da República. "É um cenário de fragilidade das legislações no que se refere a promover esse tipo específico de participação política", completa a pesquisadora.

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É importante ressaltar que o cenário de poucas ou nenhuma candidatura de mulheres a prefeituras não é uma exclusividade de Fortaleza. Levantamento feito pela Folha de S. Paulo aponta que apenas 20% dos pré-candidatos a prefeito nas capitais brasileiras são mulheres. Além de Fortaleza, outras oito capitais também contam apenas com pré-candidaturas masculinas à prefeitura.

Indicar mulheres como vice é suficiente?

"A escolha de mulheres para a composição de chapas como vice é uma forma muito indigesta de inserir candidaturas femininas na pauta do dia e silenciar as discussões sobre a demanda social por representatividade", responde Mariana Dionísio.

Monalisa Soares segue linha parecida. "Quase parece um ‘cala boca’ dos grupos políticos e das agremiações para dar uma resposta a uma demanda que tem se consolidado muito forte nesse século, que é a da maior presença das mulheres nos espaços de participação", reflete.

Elas apontam dois grandes motivos para a inserção de mulheres como vice nas disputas por prefeituras: a tentativa de dar uma resposta — "ainda que muito ínfima", acrescenta Soares — à demanda por maior participação das mulheres, e, principalmente, os recursos trazidos por essas mulheres para a chapa ao Executivo. 

"Nós já discutimos muito isso e tem todo um conjunto de levantamentos que mostram o uso expressivo dos recursos para candidaturas femininas em candidaturas, na verdade, masculinas, usando esse subterfúgio da vice", explica Monalisa Soares. 

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Segundo a legislação eleitoral, 30% dos recursos do Fundo Eleitoral são reservados a candidaturas femininas — refletindo o percentual da cota de gênero. Contudo, não há uma especificação para quais candidaturas devem ser destinados esses recursos. Portanto, em alguns casos, eles acabam indo para a candidatura a vice, beneficiando diretamente a um candidato do sexo masculino. 

"É uma falha na regra eleitoral, utilizada pelos partidos, afinal, a lei não fala da destinação das verbas especificamente para cargos proporcionais, mencionando apenas a destinação para candidaturas femininas, o que abre espaço para esse tipo de arranjo", explica Dionísio. 

Apesar das críticas à brecha utilizada por partidos, Monalisa Soares ressalta que é importante não desconsiderar a trajetória política das mulheres candidatas à vice-prefeitura. 

"Elas têm suas trajetórias, têm seus percursos e, na medida em que ocupam essa posição, também podem potencializar suas carreiras e seus percursos. Mas evidentemente que o ideal seria que elas pudessem fazer isso já numa posição de lideranças, de tomada de decisão, na posição de cabeça de chapa", defende

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