Legislativo Judiciário Executivo

Com verba e apelo social, número de mulheres candidatas a vice-prefeita cresceu nas últimas eleições

Especialistas apontam benefícios e desvantagens da maior representação feminina neste cargo

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Urna Eletrônica
Legenda: O aumento no número de candidaturas feminina à vice-prefeituras se acentuou entre 2016 e 2020
Foto: LR Moreira/TSE

A representatividade feminina não é uma pauta nova dentro do debate eleitoral. A exigência de cota de gênero para as candidaturas ao Legislativo — e o aumento na rigidez da Justiça Eleitoral quanto ao cumprimento da regra — tem surtido efeito, ainda que lento, sobre a participação das mulheres nos pleitos. Sem um regramento específico sobre isso, a representação feminina nas disputas majoritárias também tem sido palco de avanços, mas não de forma uniforme. A comparação entre as duas últimas eleições municipais, realizadas em 2016 e 2020, permite visualizar a diferença da participação feminina nas chapas que concorreram às prefeituras. 

Em quatro anos, houve um aumento de quase 40% no número de mulheres candidatas a vice-prefeituras em cidades brasileiras — subindo de 2.867 candidaturas em 2016 para 3.985 em 2020. Esse crescimento, no entanto, foi bem menor entre as candidatas à prefeita. Houve apenas 400 candidatas a mais ao cargo entre as duas eleições, um aumento de apenas 18,2%. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral. 

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No Ceará, a tendência é semelhante. Contudo, no Estado, o aumento de representação feminina nas candidaturas aos dois cargos foi inferior ao visto nacionalmente. Houve um aumento de 24,3% no número de mulheres candidatas a vice, enquanto entre as que concorreram ao cargo de prefeita, o aumento foi de apenas 11,3%.  

No caso das candidaturas femininas às câmaras municipais, o aumento também foi inferior ao observado entre as candidaturas à vice-prefeita. No Brasil, houve um aumento de 17,5% nas candidatas a vereadora, enquanto no Ceará o percentual foi de 14%. 

Mas o que explica essa diferença?

"Dois movimentos, que se complementam, impulsionam essa ampliação (das candidaturas de vice-prefeita)", explica a coordenadora do Laboratório de Estudos em Política, Eleições e Mídia (Lepem/UFC), Monalisa Soares. 

O primeiro deles é a demanda social por representatividade feminina. "A ideia é de que é preciso apresentar uma resposta a essa demanda por representação, levando em conta a representatividade numérica das mulheres na sociedade. Então, é uma tentativa de mostrar que estão atentos a isso", aponta Soares.  

"É muito difícil hoje alguém não reconhecer que as mulheres têm competência e igual capacidade para a política. Então, quando as vices são colocadas, é uma maneira de dizer 'nós reconhecemos a importância das mulheres, tanto que elas estão aqui conosco'", concorda a professora de Direito Eleitoral da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel Machado Malenchini. 

Contudo, a demanda por maior representatividade feminina — que começa, claro, na apresentação de mulheres como candidatas — poderia ser respondida pelos partidos com candidaturas a qualquer um dos cargos em disputa — no caso dos pleitos municipais, mulheres podem concorrer a prefeita, a vice-prefeita ou a vereadora. 

Por que, então, o aumento de mulheres como candidatas a vice é tão superior ao de mulheres disputando os outros dois cargos? Neste ponto, entra o segundo elemento, a qual se refere Monalisa Soares. 

Em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que os partidos devem reservar pelo menos 30% dos recursos do Fundo Eleitoral para financiar as candidaturas femininas — o percentual varia de acordo com o número de mulheres na chapa do partido ao Legislativo. A meta era garantir competitividade às mulheres que concorriam a cargos eletivos tanto nas disputas gerais como nas municipais. 

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Isso, porque, apesar da garantia de que 30% das candidaturas aos parlamentares, têm que ser ocupada por mulheres, por meio da cota de gênero, em muitos casos os partidos não ofereciam estrutura e recursos para que essas mulheres disputassem as eleições — o que ainda se reflete na baixa representatividade de mulheres eleitas, apesar da cota de gênero. 

'Brecha' na regra eleitoral

Contudo, os partidos encontraram uma "brecha" no cumprimento desta regra eleitoral, aponta Monalisa Soares. A determinação do TSE não institui como os partidos devem fazer a distribuição dos recursos entre as candidaturas femininas. Não é sequer obrigatório que a verba seja destinada às mulheres que disputam os cargos proporcionais — mesmo que o percentual de recursos destinados às mulheres seja vinculado ao número de candidatas ao Legislativo. 

"Os partidos têm encontrado formas para burlar essa regra", pontua a professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Monalisa Torres. "Uma delas é a indicação das mulheres para as candidaturas majoritárias, mas não como cabeças de chapa, como vices".

Assim, os partidos alocam recursos do Fundo Eleitoral destinado às candidaturas femininas, mas "não necessariamente exclusivamente nas candidaturas das mulheres, mas numa chapa em que o cabeça de chapa é um homem", detalha Torres. "O homem é o protagonista da representação, da visibilidade, mas como tem mulher na condição de vice, o partido pode aportar os recursos nessa candidatura", completa Soares. 

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Neste ponto, então, as candidaturas de mulheres aos cargos de vice-prefeita unem "o discurso da demanda e relevância das mulheres na política, na medida que as incluem na candidatura majoritária", pontua Monalisa Soares, com o cumprimento de uma regra eleitoral que acaba, via de regra, "beneficiando o titular", continua Raquel Machado Malenchini.

Do total de chapas lançadas em 2020 para concorrer a prefeituras brasileiras, apenas 2% era formada por duas mulheres. Por outro lado, as mulheres assumiram a cabeça de chapa e o homem foi candidato a vice em 11% do total de chapas lançadas. 

O número cresce quando os homens concorrem a prefeito e as mulheres, a vice. Esse perfil de chapa corresponde a 18% das candidaturas à prefeitura nas últimas eleições municipais. Chapas formadas apenas por homens, no entanto, continuam sendo maioria: foram 67% do total de candidaturas.  

Impacto na representação feminina

Malenchini considera que o aumento das mulheres que se candidatam ao cargo de vice-prefeita "revela um maior protagonismo" destas lideranças. 

"Mas esse protagonismo é insuficiente, porque nós não podemos chegar a um fenômeno de que as mulheres serão preferencialmente vices. As mulheres podem ser titulares, têm capacidade para ser titular. No jogo político em que os homens já estão presentes, colocar a mulher como vice é mais fácil do que colocá-la como titular, mas elas têm inteira capacidade para ser titular e é necessário que se chegue a esse momento", destaca.

Ela pontua ainda que um dos principais problemas é exatamente que essa 'facilidade' é causada pela burla usada por partidos para o uso dos recursos destinados a candidaturas femininas. "Mas é preciso deixar demarcado que ter esse subterfúgio dos partidos, não quer dizer que isso não contribua para o acesso das mulheres aos espaços de Poder", contrapõe Monalisa Soares. 

O aumento das candidaturas de mulheres a vice-prefeituras resultou também em um aumento das mulheres eleitas para este cargo. Em 2016, foram 789 eleitas no País. Quatro anos depois, eram 894 — um aumento de 13,3%. No Ceará, o aumento de vice-prefeitas foi de 23%, passando de 39 em 2016 para 48 em 2020.

Ela argumenta que, a partir da posição de vice-prefeita, essa mulher terá acesso aos debates e aos espaços da gestão, atuando inclusive como secretária da Prefeitura, em alguns municípios. O que funciona como forma de "impulsionar as suas carreiras" e garantir "visibilidade que as coloquem em uma posição de protagonismo". 

Em alguns casos, inclusive, essa movimentação pode ocorrer em embate direto ao prefeito eleito na mesma chapa. É o caso de municípios cearenses como Acopiara e Santa Quitéria. Nas cidades, o prefeito eleito foi afastado por decisão judicial.

As vice-prefeitas Ana Patrícia (Acopiara) e Lígia Potássio (Santa Quitéria) assumiram o comando do Executivo municipal, após rompimento com o antigo companheiro de chapa — e após críticas de verem esvaziadas as funções como vice-prefeitas. Lígia Potássio, inclusive, é pré-candidata a prefeita pelo Republicanos. 

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Assim como em Santana Quitéria, em outros municípios, o rompimento também levou vice-prefeitas à oposição, com movimentos contundentes para serem adversárias dos prefeitos nas eleições municipais deste ano. É o caso de Aracati, onde a vice-prefeita Denize Menezes é uma das pré-candidatas à Prefeitura — quando deve concorrer com o candidato apontado pelo atual prefeito Bismarck Maia (Podemos). 

Em Itapipoca, a vice-prefeita Dra. Jocélia  (PRD) lançou a pré-candidatura a Prefeitura contra o atual prefeito — e ex-aliado — Felipe Pinheiro (PT). Ela busca unir partidos que também integram a ala opositora à gestão para a disputa em outubro. 

"Em um cenário ideal, os recursos seriam aplicados exclusivamente em candidaturas femininas", continua Soares. "Mas as mulheres não perdem agência por conta disso. (...) Esses processos não querem dizer que as mulheres são sujeitos passivos, que elas não vão se mobilizar estando perto desses espaços de Poder.(...) e tirar o melhor proveito dessa possibilidade", completa.

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