Vice-prefeitas no Ceará assumem o poder e enfrentam disputas políticas em mandatos temporários
Há resistência entre vereadores e conflitos com os antigos líderes e aliados, inclusive com implicações partidárias, já de olho em 2024
Com prefeitos afastados dos cargos por questões jurídicas, vice-prefeitas cearenses têm assumido o comando das gestões municipais e enfrentado tensões políticas ao afirmarem-se em um novo patamar de protagonismo.
Há resistência entre vereadores e conflitos com os antigos líderes e aliados, inclusive com implicações partidárias, já de olho em 2024. É o caso de Lígia Protásio, em Santa Quitéria, e de Ana Patrícia, em Acopiara.
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Já em Limoeiro do Norte, a crise segue diante de um impasse sobre a titularidade da administração. Enquanto o Ministério Público do Ceará (MPCE) investiga o prefeito José Maria Lucena por uma suposta ausência irregular das funções para tratamento de saúde, a vice Dilmara Amaral (PDT) reivindica o seu direito de assumir a Prefeitura nessa situação.
O número de mulheres em cargos do Executivo tem aumentado nos últimos anos, sobretudo pelas políticas de inclusão, como a cota de gênero. Assim, os partidos garantem uma boa fatia dos 30% obrigatórios para candidaturas femininas nas chapas majoritárias, fortalecendo as campanhas.
Conforme levantamento realizado pelo Diário do Nordeste no site da Associação dos Municípios do Ceará (Aprece), há 33 prefeitas e 42 vice-prefeitas no Estado atualmente.
Mas quando finalmente a candidatura vira mandato, muitas enfrentam um esvaziamento das suas funções, levando a embates com as figuras que ocuparam as cabeças das chapas.
Enquanto buscam validar os seus postos e fortalecerem-se cada vez mais politicamente, as gestoras chocam-se cada vez mais com opositores e elevam a tensão nos municípios, construindo novas dinâmicas locais.
Ana Patrícia (Acopiara)
Em Acopiara, o prefeito Antônio Almeida Neto (MDB) cumpre o segundo afastamento do cargo, determinado pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) em processo sobre supostas irregulares na contratação de servidores terceirizados.
Novamente, assumiu o comando a vice Ana Patrícia. No seu segundo discurso de posse, em 21 de junho, ela escancarou a crise na Prefeitura e no seu antigo partido, o MDB. Naquela ocasião, ela também mudou a liderança do governo na Câmara, que ficou a cargo de Elias Mandu (MDB).
“Nós trabalhamos em 4 meses e 25 dias para tentar unir um partido que estava até então esfacelado. Se isso não foi possível, não é nossa culpa”, disse, referindo-se ao período do primeiro afastamento de Almeida Neto.
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Na última semana, o presidente estadual do Republicanos, Chiquinho Feitosa, anunciou a filiação da gestora, em estratégia mirando as eleições do próximo ano.
“Eu fui eleita pelo povo de Acopiara também, para aqueles que andam dizendo que não. [...] E se hoje estou aqui, não foi uma escolha minha. Se hoje estou substituindo um prefeito que, pela segunda vez, está sendo acusado de corrupção, não fui eu, foi a Justiça”, afirmou, ainda durante a posse.
“Se serão os 180 dias do afastamento, serão os 180 dias do afastamento. Se vai ser mais ou se vai ser menos, a Justiça o dirá. Eu não pedi para vir aqui, não pedi para perseguir ninguém. A perseguição é o pior dos sentimentos”, completou.
O Diário do Nordeste entrou em contato com a assessoria de imprensa de Ana Patrícia questionando se ela se pronunciaria sobre a situação do município. Até o momento, não houve resposta. A reportagem também acionou a equipe do prefeito afastado, Antônio Almeida Neto, e aguarda retorno.
Lígia Protásio (Santa Quitéria)
O comando político de Santa Quitéria é alvo de intensa disputa. Corre na Câmara Municipal um processo de cassação da prefeita interina, Lígia Protásio (PP), apoiado por aliados do prefeito afastado pela Justiça, Braguinha (PSB).
Ele enfrenta um processo por supostas irregularidades em contratos da Prefeitura para limpeza pública e abastecimento de veículos da gestão.
Este, por sua vez, também foi alvo de tentativa de impeachment na Casa, onde tem maioria, mas a investida morreu em dois dias: na sexta-feira (11), os vereadores decidiram pelo arquivamento da denúncia de Renato Catunda (PT), líder da gestão Lígia no Parlamento Municipal.
Caso o processo de cassação da atual prefeita seja realmente finalizado, o rompimento entre os dois gestores pode ganhar uma nova proporção, já que a Prefeitura ficaria sob o comando de Joel Barroso (PSB), presidente da Câmara e filho de Braguinha.
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A crise no município surgiu com pontuais atritos entre Lígia e Braguinha ao londo mandato e se consolidou nas eleições de 2022, quando apoiaram candidatos diferentes ao Legislativo e ao Executivo.
A primeira fez campanha para o governador Elmano de Freitas e para o senador e ministro Camilo Santana, ambos do PT, enquanto o segundo apoiou Roberto Cláudio (PDT) e Érika Amorim (PSD) ao Governo Estadual e ao Senado, respectivamente.
A situação se tornou pública em janeiro deste ano, quando Braguinha exonerou Ari Loureiro, cônjuge de Lígia, da Secretaria Municipal da Segurança Pública e Cidadania. Ela, então, publicou um vídeo nas suas redes sociais anunciando que estava migrando para a oposição.
Na publicação, ela lembrou as tratativas para a composição de chapa em 2020, em que Braguinha precisava de uma vice “mulher, jovem e sabedora dos serviços da saúde, pois era isso que o derrubava nas pesquisas internas”.
Após a campanha bem sucedida, contudo, Lígia afirma que viu suas funções serem esvaziadas, levando-a a crer que tinha sido vítima de uma espécie de “estelionato e trapaça eleitoral”. Ela também citou a tensão nas eleições do ano passado.
“Confundiram parceria com submissão. A minha função administrativa foi gradativamente podada. [...] Depois de me apertar de todas as formas, a única secretaria em que eu podia entrar sem que os servidores sentissem medo de serem demitidos, foi retirada”, disse, referindo-se à pasta de segurança.
Uma vez no comando do município, Lígia renovou o secretariado e cargos do segundo escalão do governo, alocando aliados e enfraquecendo o poder remanescente de Braguinha no município, como de praxe em cenários como este.
Uma das novas secretárias, inclusive, é sua cunhada. Trata-se de Gleiciane Alcântara Protásio, chefe do Planejamento, Gestão e Finanças.
Quanto ao cabo de guerra na Câmara Municipal, o processo contra Lígia – classificado por ela como uma tentativa de “golpe” – ainda está em fase inicial. A prefeita ainda não foi notificada e, quando isso ocorrer, terá um prazo de 10 dias para apresentar defesa.
Depois disso, a relatoria vai dar um parecer pela cassação ou arquivamento, que será votado no plenário. Para que o impeachment seja confirmado, são necessários nove votos. Segundo Renato Catunda, até o momento, a oposição tem sete. Joel Barroso, filho de Braguinha, só votaria em caso de empate.
Enquanto toca as medidas de gestão em Santa Quitéria, Lígia também calcula os próximos passos na política. Aliada ao bloco governista, ela estuda uma nova acomodação partidária, que pode ser no Republicanos, assim como Ana Patrícia.
O Diário do Nordeste perguntou se a prefeita interina gostaria de se manifestar sobre o momento político do município, e aguarda retorno. A reportagem também procurou Braguinha. Quando houver resposta, o texto será atualizado.
Dilmara Amaral (Limoeiro do Norte)
A dinâmica é um pouco diferente em Limoeiro do Norte. Também alvo de investigação, o prefeito José Maria Lucena permanece no cargo, já que não houve intervenção judicial que definisse o contrário. E é justamente esse o ponto de tensão.
A denúncia protocolada no Ministério Público aponta que o gestor está afastado das funções de forma irregular para tratamento contínuo de saúde em Fortaleza. Se essa tese se confirmar, a administração pode ser responsabilizada por descumprir a Lei Orgânica de Limoeiro.
A legislação municipal prevê que, caso o gestor precise se afastar por mais de 15 dias do cargo, deve pedir licença à Câmara Municipal e ser substituído pelo(a) vice. No caso, Dilmara Amaral (PDT), com quem José Maria é rompido.
Conforme Dilmara, o distanciamento do antigo aliado se deu em um episódio envolvendo o seu espaço de gabinete. Em maio de 2021, sua sala foi tomada pela Prefeitura, em ação coordenada por alguns secretários municipais, afirmou ao Diário do Nordeste em ocasião anterior.
A fechadura foi trocada sem que a vice-prefeita fosse avisada e sem que um novo espaço de trabalho fosse disponibilizado. Ela não conseguiu conversar com José Maria desde então.
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Nos meses seguintes, outros indícios se juntaram e embasaram a denúncia apreciada pelo Ministério Público hoje. A tese em apuração defende que a administração da cidade estaria a cargo de terceiros, incluindo parentes do prefeito.
Diante do imbróglio, sobretudo com o MPCE apertando o cerco sobre a Prefeitura, nomes ligados a José Maria – como Juliana Lucena (PT), sua filha, ex-secretária municipal e atual deputada estadual – chegaram a ensaiar um acordo com Dilmara.
O trato consistia no afastamento oficial de José Maria, avalizado pelo Parlamento, para que a vice assumisse a chefia do município. Mas o grupo recuou no início do mês. Desde então, Dilmara tem elevado o tom das críticas e cobrado uma resolução do entrave.
Em nota divulgada na última semana, ela se colocou à disposição para "assumir o encargo que compete a todo vice-prefeito, isto é, o de substituir o prefeito sempre que este não dispuser de condições para tanto, como é flagrantemente o caso".
A situação pode gerar novos desdobramentos após audiência marcada para o dia 4 de setembro na Promotoria de Limoeiro do Norte com José Maria Lucena, a fim de "prestar esclarecimentos acerca da sua ausência do Município e exercício de suas funções".
Ele chegou a ser convocado para falar sobre o assunto no dia 8 de agosto, mas faltou, afirmando que estava em hemodiálise.
Caso não apareça na nova data, o prefeito pode ser conduzido de forma coercitiva por agentes policiais civis ou miliares. A medida está prevista no Art.330 do Código Penal Brasileiro.