Legislativo Judiciário Executivo

Em crise, pelo menos sete prefeitos do Ceará foram alvos de investigação em 2023

Acarape, Limoeiro do Norte, Tianguá, Santa Quitéria, Itaiçaba, Acopiara e Pacatuba tiveram seus prefeitos no alvo da Justiça e do Ministério Público

Escrito por Ingrid Campos , ingrid.campos@svm.com.br
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Legenda: O Ministério Público conduziu as investigações na maioria dos casos.
Foto: Divulgação/MPCE

Somente nos seis primeiros meses deste ano, ao menos sete municípios cearenses enfrentaram crises envolvendo os seus prefeitos. O gestor de Acarape, Francisco Edilberto Beserra Barroso (PDT) – detido em flagrante na quinta-feira (29) em operação da Polícia Federal (PF) –, protagonizou o caso mais recente.

Edilberto foi solto no mesmo dia, mediante pagamento de fiança referente a dez salários mínimos. Ele é investigado por posse ilegal de munições, em processo sobre a concessão ilícita de armas de fogo para guardas municipais em Acarape.

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Segundo o delegado federal Igor Conti, coordenador da Operação, o atual prefeito expedia do próprio punho o porte de arma de fogo para os servidores, sem autorização da PF (como determina a lei). O Diário do Nordeste procurou a Prefeitura para que se pronuncie sobre o assunto, mas não recebeu retorno até o momento.

Unem-se a Edilberto outros seis gestores com crises a resolver durante o exercício do mandato, o que inclui os de Santa Quitéria (Braguinha), de Itaiçaba (Frank Gomes), de Acopiara (Antônio Almeida Neto) e de Pacatuba (Carlomano Marques). 

O último, inclusive, virou alvo de mandado de prisão do Ministério Público do Ceará (MPCE), que não chegou a ser executado. 

Há, ainda, situações em que opositores e populares de Limoeiro do Norte e de Tianguá apontam uma espécie de afastamento não oficial, com o “sumiço” dos prefeitos por questões de saúde. Os governantes dos dois municípios entraram na mira do Ministério Público do Ceará (MPCE) por essa causa, mas em Tianguá o processo foi arquivado. 

O Diário do Nordeste explica todos esses casos a seguir:

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Pacatuba

O prefeito – agora afastado – de Pacatuba, Carlomano Marques (PDT), foi alvo de mandado de prisão do Ministério Público do Ceará (MPCE) junto à metade do seu secretariado em abril. 

O órgão apura irregularidades em contratos de R$ 19 milhões, celebrados sem exigência de licitação, em suposto esquema de lavagem de dinheiro em Pacatuba.

Apesar do mandado, Carlomano não chegou a ser preso. Segundo a defesa, comandada pelo advogado Leandro Vasquez, o prefeito passou mal ao ser informado sobre a detenção e precisou ser hospitalizado.

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A internação durou um mês, parte desse tempo sob escolta policial, enquanto durou o período da prisão temporária. Depois disso, o gestor ganhou autorização para seguir o tratamento de saúde em casa. 

Desde o dia seguinte ao início da operação do MPCE, o município é governado por Rafael Marques (Republicanos), então vice-prefeito e sobrinho de Carlomano.

A defesa de Carlomano, comandada pelo advogado Leandro Vasquez, informou ao Diário do Nordeste que aguarda o julgamento do seu agravo pelas câmaras criminais reunidas.

Santa Quitéria

O prefeito Braguinha (PSB), de Santa Quitéria, foi outro prefeito afastado em abril deste ano, resultado de uma ação do Ministério Público. O caso atingiu ainda quatro secretários municipais.

Os investigados são suspeitos de crimes como peculato, falsidade material e ideológica em processo iniciado no ano passado, a partir de uma denúncia feita por vereadores da cidade. 

Os parlamentares alegaram gastos excessivos da Prefeitura em postos de combustível localizados no Município, com valores chegando a mais de R$ 3,3 milhões em 2021. Segundo eles, o montante destoa das despesas direcionadas para esse fim por outros municípios de porte semelhante.

À época, o prefeito chegou a se defender pelas redes sociais, dizendo que “o jogo só acaba quando o juiz apita" e alegando ser vítima de uma "perseguição política".

"Hoje, tivemos a oportunidade de vivenciar o quanto a arrogância, ganância e a busca pelo poder é implacável. Seguimos fortalecidos com nosso propósito de construir uma Santa Quitéria melhor para todos de forma limpa e transparente, não baixaremos a cabeça diante dos ataques e investidas que estamos sofrendo", disse Braguinha na publicação.

Com o afastamento, a vice, Lígia Protásio (PP), fica à frente do governo por, pelo menos, 180 dias. Sob a nova direção, a Prefeitura afirmou ao Diário do Nordeste que recebeu a gestão com uma série de déficits, entre eles o atraso do Serviço de Inspeção Municipal (SIM) e a falta de pagamento dos funcionários do hospital municipal via uma organização da sociedade civil (OSC). 

Também citou as possíveis irregularidades já detectadas pelo Ministério Público em contratos de prestação de serviços de limpeza pública e abastecimento de veículos da Prefeitura sob Braguinha. 

"Identificamos irregularidades nos veículos que faziam a limpeza do lixo com carros totalmente sucateados, no preço pago considerando o peso do lixo sem haver balança de pesagem e no lixo por vários meses com a mesma pesagem", disse a atual administração municipal.

"(Também vimos o) abastecimento nos carros particulares dos parentes do prefeito e com autorização dele, com nome identificando vereadores nos vales de combustíveis, tudo pago pela prefeitura", completou.

Por meio da assessoria de imprensa, Braguinha disse ao Diário do Nordeste que “está trabalhando para comprovar a sua inocência perante os órgãos competentes”, e que não pode ceder mais informações sobre o processo devido ao sigilo das investigações.

“Acreditamos que o Poder Judiciário conduzirá a análise das provas de forma imparcial e criteriosa, garantindo a presunção de inocência, o devido processo legal e a justiça na decisão final. Neste sentido, confiamos plenamente que, ao fim do processo, a verdade será devidamente esclarecida, e o Prefeito José Braga Barrozo (Braguinha) terá a oportunidade de comprovar sua inocência de forma inequívoca”, afirmou a nota.

Também reiterou a cooperação com as autoridades competentes e a disposição para colaborar com as investigações.

Itaiçaba

Afastado desde 30 de novembro do ano passado, o prefeito Frank Gomes (PDT), de Itaiçaba, foi suspenso novamente do cargo pela desembargadora Vanja Fontenele no fim de maio, a pedido do Ministério Público. 

O despacho foi feito na mesma data do retorno de Frank à Prefeitura, após 180 dias de afastamento determinado pelo Tribunal de Justiça (TJ-CE). O gestor ficará longe do Executivo mais uma vez por igual período. 

Para Vanja, existem “robustos indícios de participação do gestor Frank Gomes Freitas nas condutas ilícitas sob apuração". A denúncia do Ministério Público aponta a prática dos crimes de responsabilidade, falsidade ideológica, associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro, supostamente por meio de desvios de recursos e pagamentos indevidos.

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Ainda em maio, a defesa do prefeito, também representada por Leandro Vasquez, enviou nota ao Diário do Nordeste dizendo que respeita a decisão judicial, "mas dela irá agravar no âmbito no TJ-CE e, após, recorrer ao STJ". Agora, aguarda o julgamento do seu agravo pelas câmaras criminais reunidas.

Com isso, Iranilson Lima (PP), vice-prefeito, assumiu o comando do Executivo interinamente. Ele é alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), aberta em 14 de março, que apura supostos crimes como desvio de dinheiro público.

Acopiara

Em junho, o TJ-CE também afastou o prefeito de Acopiara, Antônio Almeida Neto (MDB), por 180 dias. As supostas irregularidades consideradas no processo são relativas à contratação de servidores por meio de empresas para a Prefeitura. 

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Assim como em Itaiçaba, o gestor de Acopiara já havia sido afastado anteriormente neste mandato, retornando ao cargo em março deste ano.

O novo despacho da Justiça cearense deu mais uma vez o comando do Executivo à vice-prefeita Ana Patrícia de Lima Barbosa, que assume o posto por 180 dias. 

Logo após a decisão do desembargador desembargador Benedito Helder Afonso Ibiapina, Antônio Almeida negou as acusações. Ao colunista Inácio Aguiar, informou que irá recorrer por meio dos advogados Waldir Xavier e Alcimor Rocha.

"Vamos adotar todas as medidas processuais cabíveis para a reversão desta decisão que consideramos inapropriada", disse Waldir Xavier.

O Diário do Nordeste procurou a Prefeitura de Acopiara para uma manifestação sobre o caso, mas não recebeu resposta até o fechamento desta matéria.

“Sumiço” de prefeito

O Ministério Público conduz investigação sobre o suposto afastamento não oficializado no município de Limoeiro do Norte, em que uma denúncia aponta que o prefeito José Maria Lucena (PSB) não desempenha as suas funções desde meados de 2022. Isso, porque ele estaria fazendo tratamento mais especializado e frequente em Fortaleza devido a problemas de saúde.

Caso isso se confirme, torna-se um problema porque o gestor não pediu a licença prevista na Lei Orgânica para ausências superiores a 15 dias da Prefeitura, a fim de que a vice Dilmara Amaral (PDT) – com quem é rompido politicamente – assuma o posto. 

Sem o respeito às regras locais de vacância, alega a denúncia, os despachos da administração de Limoeiro seriam assinados por terceiros de forma ilegal, já que José Maria, em tese, não teria condições de fazê-lo. 

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No fim de maio, o promotor Felipe Carvalho Aguiar pediu que seja instaurada uma investigação contra dois secretários e dois assessores de Limoeiro do Norte, incluindo a filha do prefeito, Andrea de Holanda Lucena. 

Em depoimentos colhidos pelo MP, os quatro foram apontados como os responsáveis por tocar a gestão de forma extraoficial nas supostas ausências do prefeito para tratamentos de saúde.

À época, a gestão informou, por meio de nota, que "se mantém à disposição de todas as instituições e autoridades para prestar todo e qualquer esclarecimento".

"Respeitando o entendimento dos órgãos de controle, a Prefeitura continuará trabalhando para garantir aos limoeirenses, saúde, educação e assistência social com qualidade", completou.  

Apesar de entender que não há indícios fortes de improbidade administrativa no caso que motivem a instauração de Inquérito Civil Público, o promotor apontou que a "gestão da municipalidade não se encontra em situação de normalidade".

No mesmo despacho, pediu que a Câmara Municipal de Limoeiro apreciasse a denúncia do vereador Rubem Araújo (PL), que originou o processo em curso no MP. Contudo, o parecer da Procuradoria encaminhou rejeição ao requerimento com base em trecho do Regimento Interno que diz que a Casa só deve dar seguimento a denúncias protocoladas por cidadãos diretamente na secretaria da Casa.

Caso arquivado

Neste ano, o MPCE também abriu uma investigação sobre o suposto afastamento de Luiz Menezes (PSD), prefeito de Tianguá, para tratamento de saúde. O caso foi conduzido 7ª Promotoria de Justiça de Tianguá.

A apuração, contudo, foi arquivada devido à Lei Orgânica do Município estar em desconformidade com a Constituição Federal e a Constituição Estadual, que preveem o prazo de 15 dias para que a ausência do chefe do Poder Executivo seja autorizada pelo Legislativo.

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"Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou no sentido de que a lei municipal só pode condicionar à prévia autorização legislativa a ausência do chefe do Poder Executivo e de seu vice do país por mais de 15 dias, não podendo prever prazo inferior, o que fere a simetria constitucional", explicou o MP por meio de nota. 

Além disso, cita que a representação que originou o processo narra uma infração político-administrativa, cujo julgamento é responsabilidade da Câmara Municipal. A Casa chegou a analisar o caso, mas encaminhou arquivamento. 

A Delegacia Regional de Tianguá também instaurou um inquérito policial, atendendo a pedido do Ministério Público, para investigar a suposta falsificação de documentos na Prefeitura. O Diário do Nordeste questionou a Polícia Civil do Ceará sobre o andamento do inquérito e aguarda retorno.