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Rompimento entre prefeitos e vices nas cidades cearenses deve modificar cenário das eleições de 2024

Eleitos juntos em 2020, prefeitos e vices de algumas cidades devem trilhar caminhos opostos nas próximas eleições, alguns inclusive se enfrentando diretamente nas urnas

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Foto: Thiago Gadelha/Alece/Reprodução

Segundo maior colégio eleitoral do Ceará, Caucaia é administrada, desde 2021, pelo prefeito Vitor Valim (sem partido) e pelo vice Deuzinho Filho (União). Contudo, ao contrário do início da gestão, agora os dois são adversários políticos. E devem, inclusive, estar em lados opostos na eleição municipal de 2024. 

Apesar do rompimento não ser confirmado por nenhum deles, o afastamento político é uma realidade e deve ser um dos principais elementos da disputa eleitoral na cidade para 2024. Próximo do Governo do Estado, Valim deve tentar a reeleição, enquanto Deuzinho, ligado a Capitão Wagner (União), já se coloca como pré-candidato.

A situação, no entanto, não é exclusiva de Caucaia. Outros municípios cearenses têm, neste ano pré-eleitoral, um cenário de rompimento político entre prefeito e vice. 

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Em alguns casos, o distanciamento ocorreu ainda no início do mandato, com, por exemplo, o descumprimento de acordos firmados no período de campanha eleitoral ou divergências políticas quanto aos caminhos da administração municipal. Em outros, o afastamento é mais recente e antecipa, inclusive, os arranjos e articulações do ano eleitoral. 

O impacto dessas rupturas, no entanto, não fica restrito às movimentações eleitorais. A depender da força política do vice, a ida dele para a oposição pode tornar difícil a efetivação de políticas planejadas pelo prefeito, caso o vice tenha influência, por exemplo, na Câmara Municipal, tornando mais complicadas aprovações de projetos de lei de autoria do Executivo municipal. 

"Isso enfraquece a gestão, porque enfraquece a capacidade de tomada de decisão, de aprovação de medidas junto ao Legislativo a depender da força do vice, da posição do vice. E isso tem seus custos, em um regime democrático principalmente. E isso, consequentemente, gera custos nas eleições seguintes".
Monalisa Torres
Professora de Teoria Política da Uece

Disputa eleitoral entre antigos aliados

A professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará aponta que, para a disputa eleitoral, o resultado do "racha" entre prefeito e vice é o aumento da competitividade nas urnas. "Dado o caráter de fragmentação e de diferentes forças disputando o eleitorado", justifica Monalisa Torres.

A fragmentação e o aumento de competitividade que cita a professora ocorre em um contexto no qual a maioria dos municípios cearenses têm apenas um turno nas eleições municipais – as exceções são Fortaleza e Caucaia, onde é possível que os dois candidatos mais votados cheguem ao 2º turno. 

Nas outras cidades, no entanto, quem concorre à prefeitura tem apenas uma chance, a cada pleito, de alcançar o comando do Executivo municipal. 

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Esta fragmentação já é vista em Itapipoca, na região Norte do estado. A vice-prefeita Dra. Jocélia explica que, apesar de ainda não ter iniciado uma movimentação, vem sendo "muito cobrada" sobre uma possível candidatura à prefeita. Ela mesma admite que é a "mais provável candidata da oposição" e tem, inclusive, conversado com ex-prefeitos da cidade sobre a disputa eleitoral de 2024. 

O cenário não é tão diferente daquele enfrentado em 2020, quando ela também esteve na chapa que enfrentou o então prefeito da cidade, João Barroso. A diferença é que, se for confirmada como nome de oposição, Jocélia irá enfrentar o antigo companheiro de chapa e atual prefeito de Itapipoca, Felipe Pinheiro (PT). 

O rompimento, segundo a vice-prefeita, foi uma iniciativa do próprio prefeito. "Pensei que íamos tomar um café, mas ele disse que tinha tomado uma decisão e que era a nossa ruptura", relembra.

Após a conversa, em maio de 2022, as pessoas ligadas a ela na gestão foram desligadas. Apesar de admitir que, antes disso, houvesse divergências políticas entre ela e o Pinheiro, Dra. Jocélia afirma que o prefeito não disse o motivo para o rompimento.  

Apesar de ter sido eleito vice-prefeito de Acaraú em 2020 junto com a prefeita Ana Flávia Monteiro (PSB), Mano da Melancia estará na chapa adversária em 2024. O rompimento com a prefeita e com o deputado federal Robério Monteiro (PDT) – apontado como o líder do grupo político e com grande influência sobre as decisões na prefeitura – ocorreu em outubro de 2022, mas os desgastes vinham de antes. 

A principal crítica do vice é sobre os acordos: "Não se cumpriu nada", reforça. A atuação da prefeitura também é criticada pelo prefeito, em diferentes áreas do município. "A educação e saúde estão em caos. (O abastecimento de) Água nas comunidades, não ajeitou nada", ressalta. 

Mano ressalta ainda que, quanto às alianças, "se a pessoas puder dar trabalho politicamente", acaba sendo isolada. "Não dá oportunidade".

A falta de trato acabou impactando também na relação com o Legislativo, onde três vereadores anunciaram o rompimento com o Executivo municipal. Inclusive, o presidente da Câmara Municipal, Jarbas Nascimento, e o vice-presidente, Paulo Rocha. 

O prefeito de Itapipoca, Felipe Pinheiro, e a prefeita de Acaraú, Ana Flávia Monteiro, foram contactados pelo Diário do Nordeste, mas não houve resposta até a publicação dessa reportagem. 

A dificuldade na manutenção de alianças

Para Monalisa Torres, os rompimentos acabam sendo resultado da "lógica organização política do Brasil". Ela cita o conceito de presidencialismo de coalizão, no qual, para garantir a governabilidade, o presidente precisa formar alianças com diferentes partidos – algo que vai desde a chapa montada para concorrer ao pleito até a distribuição de cargos, caso seja eleito.

"A nível local não é diferente, (embora) aplicada, digamos assim, em um nível de poder menos complexo ou menor", afirma. A necessidade alianças ou coalizões, envolvendo diferentes grupos políticos de cada município, pode acabar resultando em desgastes. 

"Não é difícil, não é algo impossível que a acordos que foram montados pré-eleição possam sofrer distúrbios, possam sofrer desgastes ao longo das gestões. Sobretudo, quando esses acordos são mais pragmáticos do que programáticos. Aí, a gente vê rachas acontecendo entre prefeitos e vices". 
Monalisa Torres
Professora de Teoria Política da Uece

Este racha dentro da gestão municipal se tornou, em algumas cidades cearenses, bem visível para a população. É o caso de Caucaia, mencionada no início desta reportagem. Após assumir a Prefeitura do município, Vitor Valim se aproximou do Governo do Estado – mesmo tendo sido eleito pela oposição. 

Antigo aliado de Capitão Wagner, Valim chegou a apoiar o nome da ex-governadora Izolda Cela (sem partido) como candidata à reeleição e esteve no palanque do governador Elmano de Freitas (PT) – Wagner ficou em segundo lugar na disputa estadual. 

Vice-prefeito, Deuzinho permaneceu na oposição. Em entrevista ao Diário do Nordeste, em março, ele negou o rompimento e disse que continua despachando normalmente do gabinete.  

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Na última quarta-feira (29), no entanto, apesar de ser vice-prefeito da cidade, ele enviou ofício à Prefeitura de Caucaia solicitando inspeção nas escolas municipais localizadas na cidade. Além disso, ele confirmou a pré-candidatura a prefeito de Caucaia. 

Em Aracati, o prefeito Bismarck Maia (PDT) e a vice, Denise Menezes (PT), também romperam. Em junho do ano passado, a crise chegou a gerar uma troca de acusações entre a vice-prefeita e o secretário da Casa Civil e filho do prefeito, Guilherme Bismarck. 

Em julho, o prefeito disse, ao Diário do Nordeste, que "os municípios devem lutar por essa união, quando possível. No caso nosso, não foi possível"

Em pronunciamento recente na Câmara Municipal de Aracati, Menezes ressaltou que o rompimento se deu quando começou a "descobrir, a desconfiar que nós tínhamos prioridades diferentes". 

Impacto sobre a gestão

Conforme noticiado pelo Diário do Nordeste, dois prefeitos cearenses são investigados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) após denúncias de afastamento irregular em decorrência de tratamentos de saúde. A Prefeitura, segundo as denúncias, teriam passado a ser geridas por pessoas próximas aos prefeitos – não eleitas para a função. 

As denúncias são contra o prefeito de Limoeiro do Norte, José Maria Lucena, e de Tianguá, Luiz Menezes. Nos dois casos, existe um afastamento político entre prefeito e vice – em caso de pedido de licença, seriam os vices que assumiriam o comando do Município.  

Declarado como oposição à gestão, o vice-prefeito de Tianguá, Alex Nunes, afirma que não houve divergência com o prefeito da cidade, Luiz Menezes, mas com a primeira-dama e secretária de Administração do município, Natália Félix. 

"Depois da gente (ser) reeleito, me tiraram da gestão", afirma. Menezes e Nunes foram eleitos para o primeiro mandato em 2019, em uma eleição suplementar. A reeleição veio em 2020. O racha entre prefeito e vice acabou dividindo também o legislativo municipal – com oito vereadores apoiando a gestão e seis na oposição. 

Agora, Nunes afirma que "tem pretensão política" e tem tentado "unir a oposição" para a disputa eleitoral de 2024. A Prefeitura de Tianguá foi contactada, mas não houve resposta sobre o assunto. 

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Ao contrário do vice de Tianguá, a vice-prefeita de Limoeiro do Norte, Dilmara Amaral, não se coloca como oposição à gestão municipal. "Na realidade, em nenhum momento consegui conversar com ele para que pudesse traçar uma linha. Eu fui afastada da gestão", reforça. 

O afastamento, afirma, ocorreu ainda no início da gestão, em 2021. "Eu comecei a ter dificuldade de acesso a ele. Infelizmente, eu entendo que o afastamento não foi nem por ele, foi pela blindagem que ele sofreu", ressalta. 

Tanto ela como o prefeito Zé Maria participaram de audiências no Ministério Público na última quinta-feira (30), a respeito da investigação sobre suposto afastamento irregular do prefeito. O conteúdo das oitivas, no entanto, foi colocado em sigilo pelo MPCE. "O município precisa do prefeito, que foi quem foi eleito. A população anseia por uma resposta e não tem", reforça. 

O Diário do Nordeste também entrou em contato com o prefeito Zé Maria Lucena, por meio da assessoria, mas não houve retorno.

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