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Mulheres, indígenas e LGBTs aumentam presença na política e buscam ampliar atuação no Legislativo

No Ceará, ainda não há representantes dos dois últimos grupos no Parlamento Estadual e no Congresso. Por outro lado, a bancada feminina cresce e negocia espaços estratégicos no Legislativo

Escrito por Ingrid Campos , ingrid.campos@svm.com.br
Legenda: Da esquerda para a direita: senadora Augusta Brito (PT-CE) e deputadas federais Érika Hilton (Psol-SP) e Célia Xakriabá (Psol-MG).
Foto: Reprodução/Redes sociais

A cada biênio, novos perfis ganham espaço na política institucional com a eleição de grupos vulnerabilizados. Exemplo disso é a formação de uma bancada do cocar e da comunidade LGBTQIA+ na Câmara dos Deputados e o crescimento da bancada feminina no Congresso e na  Assembleia Legislativa do Ceará (Alece).

O Ceará reflete essas mudanças, ainda que de forma tímida. Mesmo com o aumento da representação de mulheres no Parlamento Estadual, elas ainda ocupam menos de 20% dos assentos. Na Câmara dos Deputados, são apenas três delas dentro da bancada cearense.

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A criação de secretarias específicas para abarcar demandas desses grupos no Estado pode ajudar a diminuir as diferenças nocivas, mas isso não exclui a necessidade de aumentar a presença de indígenas, de LGBTQIA+ e de mulheres em outros espaços da política.

Diversidade no Ceará

Na Câmara Federal, o cenário da bancada cearense é pouco diverso. O bloco tem 22 parlamentares, mas apenas três representantes femininas: Luizianne Lins (PT), Fernanda Pessoa (União) e Dayanny do Capitão (União). Nenhum deles é autodeclarado indígena ou é assumidamente LGBTQIA+.

A ausência de indígenas conterrâneos na Câmara e a baixa representação de mulheres cearenses contrastam com as estruturas criadas nos governos Federal e Estadual para dar força a essas agendas. 

No Ceará, há as secretarias dos Povos Indígenas, gerenciada por Juliana Alves (Jenipapo-Kanindé), e das Mulheres, comandada pela vice-governadora Jade Romero (MDB). Em Brasília, dentro do Ministério dos Povos Indígenas, Ceiça Pitaguary é secretária de Gestão Ambiental e Territorial.

Além disso, Weibe Tapeba chefia a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Há, ainda, o Ministério da Mulher, da paulista Cida Gonçalves.

Por outro lado, na Assembleia Legislativa do Ceará, o bloco feminino cresceu, mesmo que ainda continue representando apenas 19% do total. Das nove parlamentares empossadas, apenas uma é veterana na Casa, a Dra. Silvana (PL).

Ela, médica de formação que já ocupou a presidência da Comissão de Saúde, um colegiado permanente, pretende pleitear novamente o cargo. A decisão sobre este tópico deve ser influenciada pelas tratativas entre PT e PDT. Por isso, caso ela não consiga o posto, deve ser encaminhada para a liderança do PL na Casa.

Apesar de estreantes na Assembleia, muitas das demais deputadas têm vida pública anterior como prefeitas, vereadoras ou secretárias no Executivo. A experiência deve nortear os trabalhos no Parlamento Estadual.

As negociações sobre a composição das comissões devem ganhar mais força a partir da próxima semana, que é quando começam, de fato, as sessões deliberativas. Mas antes disso, algumas mulheres já chegaram na Casa ocupando lugares na Mesa Diretora.

São elas Juliana Lucena (PT), como segunda-secretária – Emília Pessoa (PSDB) e Luana Ribeiro (Cidadania), respectivamente, como 2º e 3º suplentes.

Mesmo com diferenças político-ideológicas entre si, a expectativa é que o bloco trabalhe junto para viabilizar políticas públicas de apoio às mulheres, unificando pautas em comum. 

“A gente (na bancada feminina) tem perfis políticos diferentes, mas eu acho que isso faz a beleza do Parlamento. Eu acho que a gente vai poder trabalhar em causas comuns. A ideia é procurar algumas pautas que a gente tenha em comum para que a gente possa brilhar mais na Assembleia”, avaliou Silvana.

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Outro grupo conseguiu representação no Legislativo Brasil afora. Seis assentados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram eleitos, em todo o País. O agricultor e administrador Missias do MST (PT) é quem constitui a militância na Alece.

Além dele, dois deputados foram eleitos em outros estados e três assentados chegaram à Câmara dos Deputados. A própria direção nacional do MST coordenou as candidaturas, que devem reforçar pautas como reforma agrária nos espaços de poder.

Para Missias, é importante legislar por movimentos de base como o indígena, a quilombola, o da juventude, o Brasil Popular, o dos pescadores, o dos ciganos, o dos povos de terreiros, o de mulheres e o de igrejas, que que se somaram à sua campanha.

"Nossa luta vai ser para fortalecer todas as pautas desses movimentos que muitas vezes são invisibilizadas, não são atendidas, e o nosso mandato vai dar oportunidade e abrir portas tanto para as pautas dos movimentos do campo como da cidade, entendendo que a reforma agrária hoje é importante e necessária", indicou Missias.

Espaços mais diversos

O Cocar está representado na Câmara dos Deputados por Sônia Guajajara (Psol-SP), Célia Xakriabá (Psol-MG), Juliana Cardoso (PT-SP), Silvia Waiãpi (PL-AP) e Paulo Guedes (PT-MG). A primeira, contudo, dá lugar a Ivan Valente (Psol-SP), após ser nomeada ministra dos Povos Indígenas.

Já a bancada LGBTQIA+ tem Duda Salabert (PDT-MG), Erika Hilton (Psol-SP), Clodoaldo Magalhães (PV-PE), Daiana Santos (PCdoB-RS) e Dandara (PT-MG) na composição.

O número ainda é pequeno, mas pode crescer aos poucos, seguindo o ritmo dos últimos pleitos. De todo forma, já representa um avanço na representação desses grupos no Legislativo. 

Para Adriana Tremembé, coordenadora da Federação dos Povos Indígenas no Ceará (Fepoince), a chegada desses deputados e deputadas facilita a interlocução entre os Poderes para a promoção de direitos. 

“A gente acredita que a nossa bancada do Cocar vai lutar contra esses projetos que querem se instalar nos territórios indígenas. [...] A gente acredita que é isso que vai acontecer, essa unificação das lutas de indígenas, quilombolas, LGBT, enfim, essas classes menos favorecidas”, afirma.

Já contando Câmara dos Deputados e assembleias legislativas, 18 pessoas declaradamente LGBTQIA+ foram eleitas. Outras 233 ficaram na suplência do Parlamento, segundo levantamento da organização Vota LGBT+. 

Nesse grupo, estão quatro deputadas federais e 14 deputados distritais. Há, ainda, dois governadores eleitos com esse perfil: Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul, e Fátima Bezerra (PT), do Rio Grande do Norte.

As deputadas federais Érika Hilton e Duda Salabert fizeram história ao se tornarem as primeiras mulheres trans empossadas na Câmara. “(Este) é um projeto político ancestral e diverso, construído  muitas mãos, abrindo caminhos para que a política nunca mais nos jogue às margens e invisibilize-nos”, assegurou Hilton.

Além de trabalharem pautas importantes para travestis e homens trans Brasil afora, elas também atuam fortemente em outras frentes, como o meio ambiente, a exemplo de Duda. Com experiência parlamentar anterior, ambas construíram boa base de atuação. 

Não à toa, a deputada paulista foi a vereadora mais votada do Brasil em 2020. Salabert também foi líder em votos em Belo Horizonte naquele ano, repetindo o feito a nível estadual em 2022, quando foi a preferida do eleitorado de Minas Gerais para a Câmara Federal.

Mas não basta o êxito eleitoral. No Legislativo, essas figuras buscam espaços de liderança para reforçar seu capital político, a fim de fortalecer agendas de seus mandatos e aumentar a força de suas próximas candidaturas.

Nessa linha, Clodoaldo Magalhães assumiu a liderança da bancada do PV na Câmara Federal. Nessa posição, ele tem direito a assento no Colégio de Líderes (para definir a pauta de votações do Plenário, entre outras atribuições), pode orientar sua bancada durante votações importantes, indicar membros da bancada para integrar as comissões etc.

Aprofundando a atuação

O cenário no bloco cearense na Câmara reflete a dificuldade geral de mulheres serem eleitas. De 513 assentos, 91 são ocupados por mulheres neste mandato. O número é 18% maior que no quadriênio passado, saindo de 15% de ocupação feminina para 17,7%.

A situação no Senado é proporcionalmente semelhante. A nomeação de parlamentares eleitos como ministros do governo Lula (PT) levou a um rodízio na Casa Alta que possibilitou o aumento da bancada feminina. Agora, são 15 senadoras (de 81), o que representa uma fatia de 18%. Entre elas, Augusta Brito (PT), suplente do chefe do Ministério da Educação (MEC), Camilo Santana (PT).

Mas, para elas, assim como o bloco LGBTQIA+, a atuação nesses espaços deve ir além. A própria Augusta negocia cadeira na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e na Comissão de Educação. 

"Eu já cheguei com uma audácia bem grande. [...] Eu já fui pedindo e reivindicando a CCJ. (Também) A Comissão de Educação, porque nós temos o ministro da Educação, então tenho que estar bem antenada e ter uma atenção especial a essa comissão. E pedi também para estar em Assuntos Econômicos, que é outra comissão muito importante", afirmou a senadora ao Diário do Nordeste.

Na Câmara, deputadas também buscam seus espaços. No dia 30 de janeiro, a bancada apresentou uma proposta de carta-compromisso aos candidatos ao comando da Câmara dos Deputados, entre eles o presidente reeleito Arthur Lira (PP-AL), para negociar mais espaços para as mulheres em áreas estratégicas da Casa nos próximos anos.

Na carta, a bancada feminina reivindica, dentre outros pontos:

  • Inclusão da bancada feminina na composição do Colégio de Líderes do Congresso;
  • Garantia de autonomia da Secretaria da Mulher, a exemplo do que ocorre com as comissões permanentes da Câmara;
  • Participação do bloco no rodízio das relatorias;
  • Garantia de participação de mulheres nas mesas e presidências das comissões permanentes, especiais e temporárias (de no mínimo 30%), além do Colégio de Líderes;
  • Garantia de não serem pautados temas polêmicos em que não haja consenso na bancada feminina no sentido de que não haja retrocessos e supressão de direitos já garantidos às mulheres.

A iniciativa pode ajudar a viabilizar diversas políticas públicas para as mulheres, como as de redução das taxas de violência de gênero. "Temos projetos importantes que conseguimos aprovar e transformar em leis, mas ainda será necessário garantir recursos e condições para sua implementação em todo o País", diz a nova coordenadora da bancada feminina, deputada Luisa Canziani (PSD-PR).

Movimento semelhante faz a bancada do cocar. Está em curso uma mobilização pela coordenação de uma Frente Parlamentar Indígena. Célia Xakriabá denuncia que o colegiado vive risco de ser manejado por parlamentares ligados ao garimpo ilegal e ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), como Coronel Chrisóstomo (PL-RO).

Foi ele que protocolou, ainda em janeiro, pedido de registro da frente parlamentar. Assim, ele adquire preferência no comando do grupo, podendo dominar discussões importantes para os povos originários na Câmara.

Por isso, ela encabeçou uma outra iniciativa de coleta de assinaturas para a criação da frente, a fim manter a gerência dessas pautas com os representantes indígenas. "Garantir uma frente que de fato defenda os direitos dos povos indígenas. Uma frente aliada aos movimentos. Não podemos deixar o garimpo e a boiada passarem aqui dentro. Chega de colonizador usurpando as pautas indígenas. Essa prática é o que valida o ecocídio dos nossos povos", alertou.

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