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‘Made in Ceará’: Conheça políticas públicas nacionais que se inspiraram em iniciativas cearenses

Medidas adotadas primeiro no Ceará se transformaram em políticas públicas nacionais

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Escola de tempo integral
Legenda: A escola de tempo integral foi uma das iniciativas do Poder Público cearense que se transformou em política pública nacional
Foto: Felipe Azevedo/SVM

A efetividade de iniciativas adotadas a nível estadual, por vezes, resultam em uma ampliação das políticas públicas, inclusive com estas sendo adotadas nacionalmente ou tomadas como modelo para a implementação de novas medidas pelo Poder Público. 

Desde a década de 1990, o Ceará vê medidas adotadas primeiro no estado sendo nacionalizadas. Parte integrante da equipe multiprofissional de Saúde da Família vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS), os agentes comunitários foram um projeto do primeiro mandato de Tasso Jereissati (PSDB) à frente do Governo do Estado. 

De lá para cá, outras medidas foram levadas ao âmbito nacional tendo o Ceará como ponto de partida. No atual Governo Lula (PT) as medidas abrangem três áreas importantes: primeira infância, educação e proteção a mulheres vítimas de violência. 

O Diário do Nordeste detalha algumas das medidas nacionais inspiradas, diretamente, pelo exemplo cearense. 

Políticas de Educação

A política de educação implementada no Ceará é o principal exemplo de uma iniciativa estadual que foi ampliada para todo o território brasileiro. Referência no ensino básico, o Ceará serviu de inspiração para um programa nacional na educação ainda no início dos anos 2010. 

Durante o primeiro governo de Dilma Rousseff (PT) foi criado o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), inspirado pelo Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC)  implementado pelo Governo Cid Gomes ainda em 2007. 

A meta é garantir que todas as crianças estejam alfabetizadas até os 8 anos. O PNAIC acabaria sendo substituído, em 2018, pelo Programa Mais Alfabetização. No Ceará, no entanto, o PAIC continuou sendo executado e, ao longo dos anos, foi sendo ampliado. 

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A cooperação com os municípios se estendeu para além apenas da alfabetização até os 8 anos, passando a incluir medidas para melhorar a aprendizagem até o 9º ano. Em 2023, novamente o modelo de promoção da aprendizagem adotado no Ceará foi usado como exemplo para um novo programa federal. 

O Compromisso Nacional Criança Alfabetizada foi lançado em junho e tem como base a cooperação entre União, estados e municípios com foco não só na alfabetização, mas também na recomposição do ensino impactado pela pandemia. 

No lançamento do programa, o presidente Lula (PT) falou que os resultados obtidos por meio das políticas públicas de educação são o motivo não apenas de usar iniciativas cearenses como modelo, mas também para o ministro da Educação ser o ex-governador Camilo Santana (PT). 

"O Camilo vem do estado que tem a melhor experiência educacional do país. Se você quiser discutir a qualidade do Ensino Fundamental, o Ceará sempre esteve um pouco na frente. (Isso) demonstra que lá aconteceu alguma coisa que falta acontecer em outros estados desse país. E que, portanto, a gente não tem nenhuma vergonha de dizer: que bom, Camilo, que você vem trazer para o governo federal a experiência mais bem-sucedida no ensino fundamental desse país nas últimas décadas".
Lula
Presidente da República

A frente do Ministério da Educação, Camilo implementou ainda outras medidas que tem como base as políticas adotadas no Ceará, como a criação do Programa Escola em Tempo Integral.

A lei que cria o programa federal foi sancionada no final de julho deste ano. A meta é fomentar a criação de matrículas em tempo integral em todas as etapas e modalidades da educação básica. Municípios e estados podem aderir ao programa, que terá como prioridade educação infantil e ensino fundamental nas cidades, enquanto para os estados a prioridade é ensino fundamental e médio. 

Para 2023, a meta é criar 1 milhão de vagas de tempo integral, chegando a R$ 3,2 milhões até o ano de 2026. O investimento do governo federal será de R$ 4 bilhões até o final do Governo Lula. Tanto a alfabetização na idade certa como a ampliação do ensino em tempo integral foram elencadas, mais de uma vez, por Camilo Santana como prioridades para o MEC. 

Ainda durante a posse como ministro da Educação, o ex-governador falou sobre a necessidade de ‘ampliar a experiência’ de políticas públicas do Ceará para o país. “No Ceará, minha terra, temos feito um trabalho permanente desde 2007, iniciado pelo então governador Cid Ferreira Gomes, hoje senador, e continuado por mim e pela nossa querida Izolda, de parceria permanente com os municípios”, lembrou ele.

“Orgulho para nós cearenses: das 100 melhores escolas públicas do País, do 1º ao 5º ano, 87 são do Ceará e, do 6º ao 9º, 70 são cearenses. Os resultados desse apoio lá no começo já estão chegando no Ensino Médio, onde o Ceará avançou muito, chegando ao 3º lugar do país e com 27 das 100 melhores escolas públicas. Cito isso para afirmar que tudo é fruto de um trabalho pactuado, continuado, meritocrático, construído a várias mãos. Mas para isso é preciso decisão política. Alguns outros estados já começaram a seguir esse modelo, mas o que precisamos agora é ampliar essa experiência para todos os 27 estados da federação”. 
Camilo Santana
Ministro da Educação

Primeira infância no Bolsa Família

Um dos primeiros programas a ser retomado no terceiro mandato do presidente Lula (PT) foi o programa Bolsa Família, com o pagamento de R$ 600 a pessoas em situação de pobreza. A novidade foi a implementação do benefício Primeira Infância, com adicional de R$ 150 para famílias com crianças de zero a seis anos.

A inspiração, segundo o próprio ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias (PT), foi o Programa Mais Infância — iniciativa da gestão estadual cearense, fomentada em 2015 e transformada em política pública em fevereiro de 2021. 

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No Ceará, o benefício existe desde 2021 e concede R$ 100 para famílias inscritas no CadÚnico e que tenham crianças com idade entre 0 e 5 anos e 11 meses. No total, 150 mil famílias são atendidas pelo benefício nos 184 municípios cearenses. 

Em janeiro deste ano, em encontro com Wellington Dias em Brasília, o governador Elmano de Freitas (PT) falou sobre o interesse do ministro no programa cearense. "O ministro ainda mostrou interesse em conhecer mais profundamente o Programa Mais Infância para levar as boas experiências do Ceará para outros estados", disse na época.

No evento de lançamento do Bolsa Família, no início de março, Dias mencionou o governo cearense e a secretária de Proteção Social, Onélia Santana, ao falar sobre como a experiência no Ceará inspirou o benefício voltado à primeira infância. 

"Agradecer a Onélia, que está aqui presente, todo o time lá do Ceará, o governador Elmano, que nos inspira nessa mudança, para trazer de volta, junto com o Bolsa Família, o primeira infância. Em um dos compromissos que se casa, se combina com o tratamento especial do Bolsa Família à gestante, ao bebê, à criança e ao adolescente". 
Wellington Dias
Ministro do Desenvolvimento Social

A iniciativa, ampliada pela gestão estadual, teve início ainda durante a gestão de Roberto Cláudio (PDT) na Prefeitura de Fortaleza. Sob liderança da então primeira-dama Carol Bezerra, o Cartão Missão Infância foi lançado em 2019, sendo o primeiro programa municipal de transferência direta de renda voltado para a primeira infância.. Atualmente, 15 mil crianças de 0 a 2 anos e 11 meses são atendidas por auxílio mensal de R$ 50. 

Casa da Mulher Cearense

Em visita ao Ceará para anunciar a implementação de novas Casas da Mulher Brasileira em municípios cearenses, a ministra das Mulheres Cida Gonçalves foi até Juazeiro do Norte, em agosto, para conhecer a Casa da Mulher Cearense — equipamento estadual implementado nos moldes do modelo nacional. 

Um dia antes, no Palácio da Abolição, a titular da pasta havia dito que queria transformar o modelo cearense em "referência nacional" para a interiorização do atendimento a mulheres vítimas de violência. 

"O (ministro) Flávio Dino propôs o modelo do Maranhão, mas estamos querendo o cearense. Não por uma disputa, mas pela identidade. A Casa (da Mulher Cearense) foi pensada para ter um atendimento pensando, humanizado, a forma, o espaço vazio no centro das Casas, de caminhada, de leveza, tanto para quem está sendo atendido como para quem trabalha".
Cida Gonçalves
Ministra das Mulheres

O planejamento é ter um modelo para as capitais, que seria da Casa da Mulher Brasileira, enquanto um equipamento menor para ser implementado em municípios menores. Neste, o modelo a ser usado seria o da Casa da Mulher Cearense.

Segundo informações do Governo do Ceará, o equipamento cearense conta com área de mais de 1,7 mil metros quadrados, com espaços para a Delegacia da Polícia Civil, o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e a Defensoria Pública, além de atendimento psicossocial, brinquedoteca, refeitório e depósitos, entre outras estruturas. 

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O primeiro equipamento estadual inaugurado foi exatamente a Casa da Mulher Cearense visitada pela ministra Cida Gonçalves, em Juazeiro do Norte. Outros dois equipamentos estão em funcionamento em Sobral e Quixadá, além das unidades que estão sendo construídas em Iguatu, Crateús e Tauá. 

Ainda em agosto, a arquiteta do Ministério das Mulheres, Valéria Laval, disse que a pasta iria firmar um termo de cooperação técnica para utilizar o projeto-base do Ceará. "Chegamos à conclusão que o modelo de projeto da Casa da Mulher Cearense é realmente inspirado no nosso projeto original, o que facilita bastante para serem realizadas as adaptações necessárias e ser utilizado em nível nacional", disse a representante da pasta.

O Diário do Nordeste indagou ao Ministério das Mulheres como está o planejamento da pasta para a implementação do modelo cearense no País, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. 

Agentes comunitários

A nacionalização de iniciativas iniciadas no Ceará ocorreu em diferentes gestões. Durante o primeiro mandato do ex-governador Tasso Jereissati (PSDB), por exemplo, foi implementado o projeto Agente Comunitário de Saúde. Lançado em junho de 1987, a ação atingia inicialmente 89 municípios cearenses, com 4,2 mil profissionais. 

A intenção desses agentes era levar "noções de higiene, educação alimentar, acompanhamento de gestão, nutrizes e crianças, na faixa etária de zero a quatro anos", conforme detalha reportagem do Diário do Nordeste daquele ano. Uma das metas no primeiro ano de funcionamento era deixar crianças de zero a seis anos com o cartão de vacinação em dia. 

Tudo isso era feito por meio de uma estratégia de "chegar até a família" — algo mantido ao longo dos anos de desenvolvimento do programa. No início da década de 1990, a iniciativa é ampliada para todo o Brasil, com a criação do Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde (PNACS). 

Logo após a nacionalização do programa, representantes dos outros 8 estados nordestinos chegaram a vir ao Ceará para vivenciar a experiência do programa implementado em municípios cearenses. 

Quase quatro décadas depois, os agentes comunitários integram a Estratégia Saúde da Família do Governo Federal, sendo um dos profissionais da equipe de Saúde da Família.

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