Fake News, IA e cotas: Edilene Lôbo, ministra do TSE, fala dos desafios para Eleições 2024
A Justiça Eleitoral está em fase de preparação para a disputa eleitoral em mais de 5,5 mil cidades brasileiras
A preparação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para as eleições municipais está a todo vapor. Se, por um lado, isso envolve a organização das seções eleitorais, inclusive com a ampliação do cadastro eleitoral, também é necessário a capacitação de juízes e juízas eleitorais que irão atuar durante todo o processo eleitoral.
Algo ainda mais fundamental em um ano de eleições municipais, quando o processo é bem mais capilarizado — afinal, são mais de 5,5 mil cidades em todo País. Cada uma delas, com um pleito diferente. Ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edilene Lôbo destaca o trabalho feito pela Justiça Eleitoral para garantir um “ambiente livre” ao eleitor. “Sem um ambiente seguro, a democracia não se perfaz adequadamente”, reforça.
Para alcançar esta meta, diferentes medidas vêm sendo adotadas pelo Tribunal tendo como horizonte as eleições em outubro deste ano. A ministra Edilene Lôbo detalhou qual tem sido a estratégia adotada pelo Tribunal para a disputa eleitoral em entrevista ao Diário do Nordeste. Ela esteve em Fortaleza, no último dia 17 de maio, para participar do Fórum Municipal de Direito Eleitoral, realizado pela Câmara Municipal de Fortaleza.
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Entre as medidas da Corte, as resoluções eleitorais editadas, a cada novo pleito, são um dos destaques. Para 2024, as mudanças feitas vão desde a resolução sobre o registro da candidatura — onde será obrigatória a declaração de raça — até o encurtamento do prazo para a transferência de recursos para candidatos e candidatas.
A regulamentação da inteligência artificial, com a proibição do uso de deep fakes, é outro ponto destacado pela ministra Edilene Lobo, que falou ainda sobre a preocupação com a propagação de desinformação, principalmente em plataformas digitais. Para isso, além das resoluções eleitorais e de decisões judiciais sobre o assunto, também foi criado o Centro de Enfrentamento à Desinformação Eleitoral.
O combate à fraude de gênero — inclusive com a edição da Súmula 73 que traz a jurisprudência sobre o ilícito, com o detalhamento dos elementos que caracterizam uma candidatura feminina fictícia — é outro ponto destacado pela ministra. "Eu vejo a Justiça Eleitoral atenta a todos esses campos, atenta a essas várias disfuncionalidades, esses vários desvios para poder tratar bem de uma eleição tão complexa como é a municipal do Brasil", reforça Edilene Lôbo.
Confira a entrevista completa com a ministra do Tribunal Superior Eleitoral, Edilene Lôbo:
DN: Sobre as novidades que as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral trazem para as eleições municipais de 2024: o que a senhora apontaria como destaque das resoluções feitas pela Justiça Eleitoral neste ano?
As resoluções do TSE, desde 2019, têm um número único. Isso é ótimo, facilita, ajuda na aplicação. E elas vêm sendo atualizadas para as eleições. Então, para 2024, nós vamos ter resolução 23.610, da propaganda eleitoral, a 23.607, do financiamento de campanha e prestação de contas, nós vamos ter resolução do registro de candidaturas, enfim... E nós temos uma resolução muito importante que é a resolução dos ilícitos eleitorais. Essa que eu chamava mais atenção, porque essa é uma resolução nova.
Nessa resolução, nós vamos ver — ela é de número 23.735 — (que) traz uma descrição dos chamados ilícitos eleitorais, conferindo nitidez a essas figuras. Do abuso do poder econômico, do abuso do veículo de comunicação social, inclusive redes sociais, do assédio eleitoral, (ou seja) o uso abusivo das estruturas empresariais nas campanhas para cooptar voto para desestimular voto. Então, eu destaquei essa resolução como a grande novidade. E nas outras atualizadas para a eleição de 2024, cada uma traz sua novidade.
Quanto ao registro de candidaturas, eu chamo atenção da autodeclaração de gênero e raça, que é um documento importante para os partidos organizarem suas listas, lembrando que há uma cota para o gênero minoritário, que no Brasil infelizmente é o feminino. Então tem que ter uma cota que é de, no mínimo, 30%. No mínimo. Então, o ideal é que se amplie essa cota.
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Essa autodeclaração de gênero e de raça vai possibilitar os partidos programarem adequadamente o registro de suas candidaturas e, principalmente, não só quanto ao gênero, mas também quanto àquelas pessoas negras, que permitirão ao partido a distribuição dos recursos públicos para as campanhas. Há uma recomendação da Justiça Eleitoral superimportante que é a constituição das comissões de heteroidentificação nos partidos.
Para quê? Como esse dinheiro público tem que ser cotizado entre homens e mulheres, à proporção das pessoas registradas e, dentro de cada gênero tem que se garantir a cota parte das pessoas negras, essas comissões são muito importantes porque elas permitem aos partidos se planejarem. E inclusive se, eventualmente, aquela autodeclaração de gênero e raça — que vai permitir a Justiça Eleitoral conferir essas cotas de distribuição de recursos de composição de listas —, essa autodeclaração pode muito bem ser auxiliada, coadjuvada por essa comissão de heteroidentificação.
Existem outras mudanças nas resoluções que é importante destacar?
Também chamo atenção para a novidade na resolução que trata da propaganda eleitoral, principalmente para tratar do tema enfrentamento à desinformação. Para falar da inteligência artificial aplicada às campanhas eleitorais. A obrigação de, ao usar a inteligência artificial, rotular o material de propaganda eleitoral e, principalmente, a proibição da manipulação de conteúdo simulando pessoas, inclusive colocando falas, gestos ou imagens para tentar desinformar, desvirtuando o que essas pessoas realmente disseram, gesticularam ou se posicionaram: a chamada deep fake está expressamente vedado na resolução de propaganda eleitoral.
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Inclusive, a vedação é até para se a pessoa quiser se promover. Não pode usar essa manipulação para as campanhas em geral, nem para desinformar, muito menos para criar uma realidade paralela. (...) Esse cuidado com a regência do uso da inteligência artificial nas campanhas, com o dever de rotulagem, a vedação das fake news, a vedação do impulsionamento de propaganda para o desinformar. Nesse campo da proteção do bem fundamental chamado boa qualidade da informação, a resolução traz um texto bem extenso e que gera uma orientação muito boa. É muito importante conhecer essa resolução. Não só as candidaturas, não só os partidos, mas as pessoas que se interessam pelo assunto eleições.
E na resolução que trata da distribuição dos recursos públicos para as campanhas, a novidade deste ano é o prazo para a entrega dos recursos, particularmente para mulheres e pessoas negras. A data limite é 30 de agosto. Então, até 30 de agosto, 15 dias depois do prazo final por registro de candidaturas, o dinheiro público das campanhas femininas e de pessoas negras tem que estar nas contas respectivas.
E o TSE, além das resoluções, além de cursos, capacitações, investimento maciço na formação... Todos os TRE’s estão se organizando, se capacitando. Os juízes e juízes, o Ministério Público, está todo mundo muito antenado para tratar esse tema: eleições limpas, eleições sem violência contra a mulher, contra as pessoas negras. Além disso, o TSE está muito focado no enfrentamento à desinformação.
Sobre o combate a desinformação, quais as outras medidas para esse enfrentamento nas eleições além da resolução que trata do assunto?
Uma das novidades que a imprensa, a mídia já sabe, mas é importante destacar e conhecer, é o Centro de Enfrentamento à Desinformação Eleitoral. E eu convido todo mundo a conhecer a plataforma do TSE na internet, que é tse.jus.br. Inclusive, vai ser possível clicar na aba com o nome do Centro de Enfrentamento à Desinformação e verificar tecnologia lá desenvolvida para facilitar denúncias de fake news e discursos de ódio e como que o TSE pensou em distribuir rapidamente as medidas, as providências para os órgãos fiscais ou até mesmo, se tratar de material que já foi antes detectado e declarado por decisão do TSE como proibido, a retirada imediata.
Então, o Centro de Enfrentamento à Desinformação é uma novidade muito legal para essas eleições, em um ano em que 5.569 municípios brasileiros vão às urnas, mais de meio milhão de candidaturas. (...)
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A outra providência do TSE para facilitar para o sistema de Justiça na base, para facilitar para os juízes e juízas, é um repositório de jurisprudência. O que é que significa isso, para as pessoas que não são muito acostumadas com o termo? É um banco de dados, no qual estarão todas as decisões já tomadas pelo TSE envolvendo conteúdos enganosos, desinformativos, violentos, que atacam as instituições democráticas, que buscam macular a segurança da urna eletrônica, enfim. Nesse repositório, nesse banco de dados, estarão as várias decisões tratando desse tema.
Esse banco é de acesso fechado, acesso aos juízes e juízas, e se o assunto já foi tratado pela Justiça Eleitoral, a base do Judiciário vai aplicar muito mais rapidamente e vai aplicar com muito mais segurança. Então, esse repositório jurisprudencial é uma medida muito importante do TSE nessas eleições para proteger a qualidade da comunicação, principalmente nessa praça pública digital.
As eleições municipais vão ocorrer em 5.569 municípios brasileiros. Existem outras medidas, como essa do repositório, para ajudar os juízes eleitorais que estão lá nos municípios? Como é que o TSE está se preparando para essa eleição tão capilarizada?
Eu sempre digo que quem conhece um pouco mais a Justiça Eleitoral, mas também quem observa a distância, pode ver que a Justiça Eleitoral brasileira está em movimento constante, permanente. Então, além de todas essas medidas, as resoluções relatadas pela ministra Cármen Lúcia, que vai presidir o TSE nas eleições municipais, (...) a criação do Centro de Enfrentamento a Desinformação, há um esforço muito grande da Justiça Eleitoral para capacitar o seu corpo técnico, para preparar o seu corpo técnico para atuar. Para atuar bem, atuar informado, para trabalhar rápido e para fazer com que haja um franco debate de ideias.
Para que o eleitorado brasileiro possa ter acesso à propaganda eleitoral de qualidade, para fazer boas escolhas. Então tem muitos investimentos do TSE e da Justiça Eleitoral nesse campo, principalmente formativo para dar mais qualidade aos serviços da Justiça Eleitoral.
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A senhora citou na primeira resposta sobre as resoluções, a questão das ações afirmativas para mulheres e para pessoas negras. Falando sobre gênero, tivemos a aprovação da Súmula 73 pelo TSE. Qual a importância dessa Súmula nesse momento que a gente está se preparando para as eleições?
Quando nós falamos da Súmula 73, ela traz o que se acumulou ao longo do tempo na jurisprudência eleitoral. (...) A Súmula tem um conjunto de informações, inclusive dizendo qual é a jurisprudência, traz decisões de cada um dos ministros e ministras que compõem a corte. Então, a súmula é esse resumo qualificado das várias decisões que o TSE tomou tratando do assunto candidaturas fictícias, que ficou popularmente conhecido como candidatura laranja.
A Súmula 73 reúne toda essa jurisprudência e traz um sumo do que se aplica à hipótese da fraude no registro de candidaturas. Lá está descrito que são elementos da fraude: a votação zerada de candidatas — se a mulher tiver zero voto ou a votação pífia, baixa, pequena, esse é um indicativo de fraude —; se não houver propaganda da candidata para si, para se difundir, para falar da sua proposta, para se apresentar como candidata a prefeita ou vereadora, inclusive nas redes sociais, se não houver propaganda da candidata para a sua própria promoção, é outro elemento; se houver prestação de contas zerada, ou seja, sem dinheiro ou padronizada é outro grande elemento.
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E a Súmula vai dizer que não necessariamente tem que reunir todos esses elementos, pode ser que um deles seja suficiente para indicar fraude. Então, esse sumo da jurisprudência vai facilitar muito a vida dos juízes e juízas na origem, porque com esse apanhado, verificado o resultado das eleições e se identificado um ou alguns desses elementos, com as respectivas ações de impugnação de mandato eletivo ou Ação de Investigação Judicial Eleitoral, vai ser possível verificar fraude rapidamente e dar decisões que possam ser cumpridas também com segurança, mas em tempo de mudar esse quadro de exclusão sistemática das mulheres.
O que a Justiça Eleitoral está dizendo? Verificada a fraude, o resultado é a cassação do mandato de todas as pessoas eleitas essa chapa. A Súmula também permite aos partidos se organizarem, se prepararem e manda uma informação direta que a Justiça Eleitoral não compactuará com a fraude no registro de candidaturas, ao contrário, vai enfrentá-la e vai tomar a decisão mais grave, me parece, que é a cassação do mandato de quem se beneficiar de alguma maneira da fraude.
Então, essa é uma outra novidade muito legal, que vai facilitar a vida de todas as pessoas, não só do Judiciário, e presta informação importante para o grande público. E eu aproveito — todas as vezes que posso, eu trato disso. Nós precisamos fazer com que as mulheres participem da vida pública brasileira em todos os espaços decisórios, mas principalmente na política. A política é a mãe, é a mãe de onde nós saímos e para onde nós sempre vamos voltar para buscar soluções para a vida coletiva.
Então, porque que as mulheres, especialmente mulheres negras, têm que estar nesses espaços? Primeiro, porque nós precisamos fazer com que o poder — o poder político, o poder público — se apresente com a cara da sociedade brasileira, que a maioria é de mulheres, especialmente mulheres negras.
Mas também porque as mulheres... Nós as mulheres, nós as mulheres negras temos muito para entregar para a sociedade brasileira, temos muita a contribuir, como, por exemplo, a instituição de políticas públicas, com a criação da legislação, com planos de governos, com planos de ação legislativa. Enfim, é muito importante que todos os coletivos estejam estampados na fotografia do poder.
Nós conversamos sobre uma gama de assuntos e a própria Justiça Eleitoral trata de uma gama de assuntos. Mas quais devem ser os maiores desafios para as eleições de 2024, na sua avaliação? No que a Justiça Eleitoral precisará estar mais atenta?
Eu acho que a Justiça Eleitoral tem se preparado, com o seu grande corpo de profissionais, tem se preparado para tratar desses vários temas que eu mencionei. Tem se preparado para tratar desinformação, tem se preparado para fazer o controle da fraude a cota do registo, da fraude na distribuição de dinheiro para as campanhas.
Eu vejo uma preocupação da Justiça Eleitoral em vários campos. E uma preparação muito vigorosa, por exemplo, contra o assédio eleitoral, que é o abuso da estrutura empresarial para cooptar votos principalmente das pessoas em alguma medida vulnerabilizadas porque subordinadas numa relação de trabalho ou de emprego. Inclusive para isso, fazendo pactuação com a própria Justiça do Trabalho.
Eu vejo a Justiça Eleitoral atenta a todos esses campos, atenta a essas várias disfuncionalidades, esses vários desvios para poder tratar bem de uma eleição tão complexa como é a municipal do Brasil.
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Como essa atenção da Justiça Eleitoral nas eleições é importante para o fortalecimento da democracia como um todo?
Nós estamos falando de um modelo, o modelo democrático representativo, que só se perfaz quando a sociedade faz suas escolhas, quando as pessoas fazem suas escolhas. E para que se perfaça de modo justo, de modo a revelar a verdade, a escolha sincera, livre das pessoas só se perfaz se nós tivermos um ambiente livre, protegido desses vários tipos de fraude.
A fraude com discurso de ódio, que é para intimidar e excluir grupos tradicionalmente excluídos e vulnerabilizados da disputa, a fraude com o registro de candidaturas fictícias para manter a exclusão das mulheres, a fraude patrimonial com o dinheiro público, que é negar o dinheiro público para as campanhas femininas e das pessoas negras. Então, eu estou vendo que nós precisamos atuar nesses vários aspectos para dizer que sem um ambiente livre, sem um ambiente seguro, a democracia não se perfaz adequadamente.
E quando nós falamos de democracia, embora ela tenha, como é da pessoa humana, sua necessidade de aperfeiçoamento, nós identificamos no modelo democrático o que hoje mais bem atende às sociedades modernas. Então é muito importante nós protegermos esse ambiente para que a democracia viceje.