'Emendas pix': o que está sendo feito em busca da transparência e boa aplicação dos recursos
Diário do Nordeste detalha quais medidas estão sendo tomadas pelo Legislativo para dar conta de exigências do Supremo Tribunal Federal (STF)
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As emendas parlamentares têm sido objeto de debates em todo o país. Importante para a realização de obras, compra de equipamentos e outras entregas que beneficiam municipalidades, estados e entidades vinculadas diretamente com a prestação de serviços à população, esta modalidade de transferência de recursos financeiros virou alvo de investigações, inclusive no Ceará.
Desde o fim do mês de janeiro, 81 prefeituras do estado, beneficiadas com montantes de emendas individuais impositivas por meio de transferência especial — as chamadas "emendas pix" — entraram na mira do Ministério Público Federal (MPF). As gestões integram um universo que engloba centenas de municípios brasileiros, que teriam recebido montantes através desse tipo de repasse.
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A motivação para a ofensiva do MPF foi a suspeita de que recursos públicos foram usados para "a prática de atos de corrupção". E, além de ter entrado no raio de ação do órgão federal, as emendas protagonizaram decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), que indicou fragilidades quanto a rastreabilidade e a transparência na destinação de cifras dos cofres públicos, e inaugurou uma nova fase de acirramento entre os Poderes da República.
A fim de entender o que está sendo feito pelo Legislativo federal para atender as cobranças do STF, o Diário do Nordeste contatou os parlamentares que integram a bancada cearense na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Senadores alegam busca por transparência
À reportagem do Diário do Nordeste, a senadora Augusta Brito (PT) disse que é "favorável à transparência total de como são gastos os recursos públicos". Segundo ela, no processo de instituição das emendas, que ganhou força no governo anterior, "algumas forças políticas estabeleceram regras pouco republicanas que precisam ser rediscutidas por toda a sociedade".
Infelizmente, o que ocorre hoje é uma queda de braço entre os poderes. É preciso que todos os atores desse processo tragam luz sobre o uso dessas emendas e tornem claras as destinações, os autores e os beneficiados por esses recursos.
O senador Eduardo Girão (Novo) também afirmou defender uma maior transparência das "emendas pix". De acordo com o político, desde a criação delas, em 2019, tem se posicionado contra o modelo de repasse. "Na época, votei contra a medida por entender que ela não garantia mecanismos eficazes de fiscalização, transparência e rastreabilidade, aspectos fundamentais para assegurar o correto uso do dinheiro público", ressaltou.
O que vemos, infelizmente, é cada vez mais um balcão de emendas, com um Congresso em parte movido por conchavos, barganhas trocas de favores turbinadas por esse dinheiro do pagador de impostos que serve para, no mínimo, perpetuação de poder dos políticos atuais.
A reportagem buscou uma posição do senador Cid Gomes (PSB), o terceiro representante do Ceará no Senado Federal, por meio de sua assessoria de imprensa. Não houve uma devolutiva da equipe quanto ao que foi demandado até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para eventuais manifestações.
Deputados destacam importância dos recursos
Já o deputado federal Eunício Oliveira (MDB) enfatizou a importância da destinação de recursos públicos para estados e municípios, seja por meio de emendas ou não. Na visão do emedebista, a questão da transparência não devia nem mesmo estar sendo debatida, já que ela é uma obrigação. "Entendo, porém, o que não pode são municípios tão carentes de saúde e saneamento ficarem prejudicados por falta dessas transferências", finalizou.
O também deputado federal Danilo Forte (União) frisou que as transferências em questão não são ilegais ou inconstitucionais. Ao que justificou o político, a modalidade está prevista na Lei Orçamentária, que, por sua vez, se ampara na Constituição Federal.
"A rastreabilidade e a execução, quando fui relator da LDO, coloquei a importância do Tribunal de Contas da União [TCU] acompanhar o orçamento", ponderou o político, se referindo à sua atuação como relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024.
"A essência da emenda é agilizar o repasse do recurso", explicou Forte. Ele argumentou que a lei que estabeleceu regras para as emendas está sendo rediscutida, por força dos novos bloqueios.
O impacto positivo dos recursos no fortalecimento dos entes também foi considerado pela deputada federal Fernanda Pessoa (União), que ponderou sobre o quanto é fundamental a garantia de que "os recursos sejam aplicados de forma transparente e eficiente".
Conforme indicou Pessoa, "o Congresso tem adotado medidas para aprimorar os mecanismos de fiscalização e controle". "Estamos trabalhando na implementação de sistemas que possibilitem o acompanhamento em tempo real da destinação e utilização dos recursos provenientes das emendas", enumerou.
"Além disso, há um esforço contínuo para revisar e atualizar as normas que regem as transferências especiais, visando aumentar a transparência e assegurar que os recursos sejam aplicados conforme as finalidades estabelecidas. O diálogo com órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral da União, tem sido intensificado para alinhar as práticas do Legislativo às melhores práticas de governança pública", concluiu a parlamentar.
O deputado federal Matheus Noronha (PL) mencionou que o Legislativo "está em análise técnica para avaliar as exigências do TCU e criar algum dispositivo seguro para as informações de direcionamentos das emendas individuais e de bancada". Entretanto, pelo que informou, o que foi exigido está sendo realizado na esfera municipal.
"Com relação aos recursos de transferência especial, está sendo exigido, desde o ano passado (2024), o plano de trabalho. Este também é inserido pelo proponente e analisado pelo Executivo. Somente com a inserção do plano que o recurso é liberado para pagamento", destrinchou.
O deputado federal Yury do Paredão (MDB), contudo, afirmou que há um diálogo constante com instituições desde o ano passado para "dar total transparência ao destino das emendas".
"Lembrando que elas já são transparentes e estamos sempre à disposição para aperfeiçoar a transparência", frisou Yury. Ele mencionou ainda que "as emendas são fundamentais para a execução de políticas públicas".
Ala da bancada destaca 'empenho' do presidente
Ao que disseram alguns dos entrevistados, há um empenho do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos), em dar celeridade para o processo que busca dar transparência e rastreabilidade para o dinheiro repassado por meio de emendas parlamentares, resolvendo a problemática entre os demais Poderes.
Um deles foi o deputado federal Célio Studart (PSD), que disse acreditar que "o novo presidente da Câmara será um grande ator nessa solução". Segundo ele, o tema sempre é tratado nas reuniões com Motta, de modo que as considerações do STF possam ser atendidas e que a realidade política brasileira também seja compreendida.
"As emendas parlamentares são muito importantes, pois o olhar dos parlamentares é capaz de enxergar, uma vez que são representantes do povo, os dilemas reais nos diversos municípios brasileiros", considerou Studart, que indicou a prestação de contas detalhada como um passo a ser dado para sanar divergências.
Danilo Forte revelou que o presidente da Câmara dos Deputados, Motta, pediu para que ele elaborasse uma proposta, que está em vias de conclusão. A proposta, apontou ele, deve embasar o diálogo entre as Casas do Congresso e, posteriormente, com o Executivo e o Judiciário.
"É uma remodelação, tanto no que diz respeito ao que foi aprovado na LDO em 2025, como no que diz respeito à distribuição. E vamos dar um redimensionamento mais claro, tanto da origem quanto do destino", detalhou o parlamentar, que protestou contra uma alegada "criminalização" da execução orçamentária.
A deputada federal Dayany Bittencourt (União), por sua vez, contou que, na primeira reunião que teve com Motta, foi apontada a importância dos quesitos cobrados pelo STF. A parlamentar falou que, só assim, atendendo aos requisitos, poderá ser garantido que as emendas "continuem a contribuir para o desenvolvimento dos municípios e entidades".
O deputado federal Zé Airton (PT) lançou luz sobre as emendas das comissões. "Realmente, essas precisam ser democratizadas, porque, hoje, não são. Elas são avocadas à revelia das comissões e precisam, realmente, de um grau de exigência que garanta não só a transparência como também a distribuição equitativa entre os parlamentares das comissões", reclamou.
"O que a gente tem visto é que se aprova uma destinação de recursos para um ministério ou uma comissão e, de repente, quem é membro não tem direito a nada", exemplificou, apontando que ele mesmo foi um desses integrantes de comissão que não teve cifras disponíveis para envio", declarou.
Para o petista, a questão deverá ser resolvida em breve. "O Hugo Motta sabe que esses recursos, principalmente as chamadas emendas do orçamento secreto, não eram distribuídos de forma proporcional e muito menos transparente", disse.
Os demais representantes do Estado no exercício do mandato foram indagados, mas não se pronunciaram acerca do assunto. O conteúdo será atualizado caso haja uma devolutiva.
Eclosão do impasse pelas emendas
A movimentação recente em torno das emendas, que já havia sido alvo da ação da Suprema Corte em 2022 — quando o chamado "Orçamento Secreto" foi considerado inconstitucional — acontece por força do bloqueio do pagamento de emendas parlamentares, realizado em agosto do ano passado, em razão de uma decisão do ministro Flávio Dino.
No passado, para cumprir a determinação, o Congresso Nacional aprovou uma resolução que mudou as regras de distribuição dos recursos por emendas do relator. A iniciativa foi considerada insuficiente pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), que ingressou com a ação que desencadeou a decisão de Dino, que é o relator do caso. O partido apontou que a decisão anterior do Supremo continuava em descumprimento.
A suspensão das emendas pelo STF veio acompanhada de exigências, para que os repasses por meio de emendas sigam critérios de rastreabilidade. Além disso, foi determinado que a Controladoria-Geral da União (CGU) realizasse auditoria no repasse dos parlamentares em questão.
A fim de resolver o impasse, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal passaram a discutir novas regras para esse tipo de repasse financeiro. Em novembro de 2024, uma lei complementar foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após ter tramitado no Parlamento.
Uma das novidades foi que as emendas individuais impositivas por meio de transferência especial, conhecidas como "emendas pix", que somaram cerca de R$ 8 milhões em 2024, ganharam novas normas. Da mesma forma, emendas de bancada, emendas de comissão e emendas de modificação também passaram a seguir uma série de obrigações.
As "emendas pix", em especial, eram alvo de polêmica, porque o dinheiro chegava na conta dos entes públicos (prefeituras e estados) sem vinculação com qualquer tipo de gasto relacionado a projetos. As únicas restrições para essa modalidade de repasse era a não utilização para pagamento de pessoal e a obrigação de aplicação de 70% em investimentos.
Reveses de dezembro
Em 2 de dezembro, Flávio Dino liberou o pagamento das emendas que haviam sido suspensas em agosto, com a condição de que os critérios de transparência e rastreabilidade fossem seguidos. A decisão foi referendada pelo Pleno do STF.
Entretanto, em 23 de dezembro, Dino suspendeu o pagamento de aproximadamente R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão que não teriam cumprido critérios de transparência para sua execução e determinou a instauração de inquérito pela Polícia Federal.
Naquela época, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) chegou a apontar os riscos da falta de liberação de recursos oriundos de emendas parlamentares, especialmente os destinados ao custeio da saúde.
A entidade alegou que, dado o momento de encerramento de mandatos, havia uma insegurança à continuidade das prestações de serviços à população. O prejuízo alegado foi rebatido pelo relator, que afirmou, em um despacho respondendo um ofício de uma entidade municipalista do Amazonas, ser temporária a suspensão.
Em 29 de dezembro, após receber respostas cobradas da Câmara dos Deputados, o ministro Flávio Dino manteve em definitivo o bloqueio do montante, que diz respeito a aproximadamente 5,4 mil indicações de emendas de comissão que não obedeceram às normas jurídicas. Apesar disso, ele autorizou os empenhos das emendas de comissão realizados antes da sua decisão do dia 23 de dezembro, para que fosse evitada uma insegurança jurídica.
Além de relevante para a Saúde — dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que essa modalidade de transferência representou 9,9% do orçamento do Ministério da Saúde com ações e serviços públicos da área —, o direcionamento de emendas parlamentares para estados e municípios assumiu um papel importante no caixa desses entes, complementando os valores arrecadados ou transferidos de outras maneiras, e viabilizando a realização de entregas.
ONGs e entidades do terceiro setor
As organizações não governamentais (ONGs), entidades do terceiro setor e instituições públicas de ensino superior também fazem parte de um braço institucional beneficiado pelo envio de emendas parlamentares.
Estas últimas, em particular, encontram nas indicações de parlamentares uma alternativa para sanar o arrocho orçamentário que encontram. Em agosto, quando do envio do Orçamento para o Congresso, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) chegou a afirmar que o valor de R$ 6,5 bi destinado ao ensino público superior é 23,5% menor do que o considerado ideal — algo próximo de R$ 8,5 bi.
Tanto o terceiro setor quanto as universidades também foram foram impactadas por investidas de Dino. Uma decisão, tomada pelo ministro, suspendeu, no início de janeiro, o repasse para 13 ONGs e entidades que não adotavam mecanismos adequados de transparência ou não divulgavam informações osbre a aplicação de verbas recebidas por emendas.
Ainda como desdobramento desta ação do início de janeiro, no dia 13 daquele mês, o ministro determinou que o Governo Federal e estados publicassem normas e orientações sobre prestação de contas no uso de emendas por instituições de ensino superior e suas fundações de apoio num prazo de até 30 dias.
Entre o fim do mês passado e o início de fevereiro, o STF passou a liberar os recursos das ONGs relacionadas com universidades que estavam travados. Até a última terça-feira (4), três entidades permaneciam com o pagamento de emendas travado.
Reação dos presidentes recém-eleitos
Repercutindo as medidas tomadas pelo Judiciário desde agosto, o assunto foi lembrado pelo novo presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (União), na abertura dos trabalhos legislativos de 2025, no último dia 3 de fevereiro. Ao se dirigir para os demais colegas, ele afirmou que o impasse seria uma "recente controvérsia" que "ilustra a necessidade de respeito mútuo e diálogo contínuo".
Alcolumbre considerou que decisões do Supremo devem ser respeitadas, mas que seria necessário garantir que o Parlamento "não seja cercado em sua função primordial de legislar e representar os interesses do povo brasileiro, inclusive levando recursos e investimentos a sua região".
O tom do chefe do Congresso Nacional foi o mesmo adotado pelo presidente recém-empossado da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, em seu primeiro discurso na posição de chefe da Câmara Baixa, no dia 1º de fevereiro. O parlamentar usou o momento para defender as emedas parlamentares e, em seguida, falou de transparência para o dinheiro público.
Na mesma fala, ao relembrar o impeachment da ex-presidente da República, Dilma Rousseff (PT), ele apontou que a aprovação das emendas impositivas foi um encontro do Parlamento com o que se pensou ao promulgar a Constituição Federal. "Foi nessa época que aqui, nesta Casa, em 2016, por meio da adoção das emendas impositivas, que o parlamento finalmente se encontrou com as origens do projeto constitucional", disse.