Deputados querem plebiscito sobre privatização do fornecimento de energia no Ceará
Proposição remonta a outras duas tentativas de plebiscito sobre o fim da concessão da Enel, realizadas em 2015 e 2019
Um grupo de parlamentares da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), liderados pelo deputado Renato Roseno (PSOL), protocolou um projeto de decreto legislativo que pede a realização de um plebiscito para a reestatização do fornecimento de energia elétrica no Estado, privatizado no fim dos anos 1990 e atualmente sob gestão da Enel. A proposição foi lida no expediente da última terça-feira (7), quando passou a tramitar.
Conforme Roseno, ao se manifestar na tribuna da Casa, a proposta de agora remonta a duas iniciativas semelhantes, ingressadas em 2015 e 2019. As ideias foram derrotadas pelo voto. “Semana passada consegui, mais uma vez, 21 assinaturas — cinco a mais que o necessário — para começar a tramitar o projeto de decreto legislativo. Conquistamos o início da tramitação. Espero não perder pela terceira vez”, pontuou.
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“Vamos ouvir a sociedade cearense sobre qual é o modelo que ela quer. Eu particularmente tenho uma posição. Os países da Europa, todos eles que fizeram privatização entre os anos 1980 e 1990, reviram as privatizações de serviços essenciais. Quero ir além, e propor à Casa que ela analise, no tempo devido, o projeto de decreto legislativo”, sustentou.
Além da assinatura de Roseno, constam no documento disponibilizado no sistema da Alece as dos seguintes deputados:
- Antônio Granja (PDT)
- Antônio Henrique (PDT)
- Cláudio Pinho (PDT)
- Davi de Raimundão (MDB)
- Gabriella Aguiar (PSD)
- Guilherme Bismarck (PDT)
- Guilherme Landim (PDT)
- Juliana Lucena (PT)
- Júlio César Filho (PT)
- Lia Gomes (PDT)
- Marcos Sobreira (PDT)
- Missias Dias (PT)
- Moésio Loiola (PP)
- Nizo Costa (PT)
- Queiroz Filho (PDT)
- Sargento Reginauro (União)
- Sérgio Aguiar (PDT)
- Simão Pedro (PSD)
- Fernando Hugo (PSD)
A ferramenta que o agrupamento tenta acionar é prevista na Constituição Federal de 1988 e da Constituição do Estado do Ceará, que versam ainda sobre a realização de outros mecanismos, a exemplo dos referendos. Regulamentados posteriormente, os mecanismos devem ser acionados pelo Poder Legislativo e pretendem deliberar sobre “matéria de acentuada relevância”.
A justificativa que acompanha a proposição aponta para a presença da Enel em mais dois estados (São Paulo e Rio de Janeiro) e para o protagonismo exercido pela empresa no ranking de reclamações nos órgãos de defesa do consumidor do Ceará nos últimos quatro anos. “Em todos os estados que atua, a prestação dos serviços também é motivo de queixa”, frisou um trecho.
O documento relembrou o pedido de auditoria feito pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) à Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (Arce), em 2020, e dos estudos feitos pela mesma organização de juristas para uma possível solicitação de perda da concessão. Os reajustes tarifários e as quedas de energia registradas desde o fim do ano passado também entraram no rol de argumentos.
Conforme o projeto ingressado pelos deputados, caberia ao Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), com o apoio da Alece, a tomada de medidas necessárias para o plebiscito acontecer. A questão colocada nas urnas seria: “você é a favor da reestatização da Companhia Energética do Ceará?”. Assim, o eleitor poderia optar por votar “sim” ou “não”.
Enel na mira da Alece
Privatizada em 1998 — quando do segundo governo de Tasso Jereissati (PSDB), àquela época sob a responsabilidade da Companhia Energética do Ceará (Coelce) —, a distribuição de energia elétrica é objeto de investigação na Alece desde agosto do ano passado, mês em que foi aberta a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a Enel Distribuição, companhia que executa o fornecimento atualmente.
O término da investigação ocorreu na última terça-feira, com a apreciação do relatório final, elaborado pelo colegiado. O parecer do relator, o deputado Guilherme Landim (PDT), aprovado por unanimidade, reuniu achados e ações a serem tomadas no âmbito da concessão. Uma delas é o pedido de caducidade do contrato junto a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
No que diz respeito ao que foi solicitado para a Aneel, estão dentre outras medidas: alterações no convênio com a Arce, abertura de processo de fiscalização rigoroso da Enel, providências para a companhia elétrica ser punida, pedidos de esclarecimentos da concessionária sobre obras especiais atrasadas e a instauração de um processo administrativo disciplinar para formalizar o pedido de encerramento do contrato.
Além dos encaminhamentos para a agência regulatória, outros 39, direcionados para órgãos de controle e fiscalização. Algumas questões deverão parar em organismos como o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), o Procon, o Decon e a Defensoria Pública. O Legislativo federal também foi incluído na lista.
Ao que apontou o relatório da Comissão, houve o descumprimento de cláusulas dos contratos de compra e venda da extinta Coelce e de concessão da distribuição, bem como de normativas baixadas pelo ente regulatório federal. A relação de descumprimentos inclui desde investimentos especiais até a não concessão de benefícios tarifários especiais.
No mesmo dia em que foi divulgado o resultado da CPI, a Enel se manifestou, por meio de nota, destacando, dentre outras alegações, que “está alinhada aos desejos de melhoria dos consumidores no estado”. Segundo ela, foi apresentado à sociedade cearense um plano de investimentos que envolve R$ 4,8 bilhões até 2026, para a melhoria da qualidade do fornecimento, modernização do sistema e novas contratações.