Com Ricardo Barros no foco da CPI da Covid, entenda o que é o Centrão e como ele atua
Grupo adota o pragmatismo na hora de firmar alianças com o Executivo. Prática, no entanto, é criticada e apontada como “velha política”
Líder do Governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), vice-líder de Lula (PT) e de Dilma Rousseff (PT), ministro da Saúde de Michel Temer (MDB) e líder do Governo Jair Bolsonaro (sem partido). Esta é uma parte do currículo do deputado federal Ricardo Barros (PP), que agora é investigado pela CPI da Covid-19 como um dos articuladores de um esquema ilegal na compra de vacinas.
A trajetória do político, que se adapta a diferentes momentos políticos nacionais, sempre próximo ao comando do poder, ilustra bem o papel que cumprem os parlamentares do chamado Centrão no sistema político brasileiro.
São nomes que não têm grande projeção nacional, compõem o "baixo clero", e atuam principalmente nos bastidores da política. Eles agem em coalizão e estão dispostos a negociar com o Executivo em prol de agendas específicas. Para além de partidos ou atores políticos, o Centrão é melhor definido por um modo de fazer política norteado pelo pragmatismo, apontam analistas.
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De acordo com a cientista política Paula Vieira, pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC), o termo “Centrão” surge ainda na Assembleia Constituinte de 1987. À época, parlamentares com viés de centro-direita se uniram em um bloco para tentar fazer frente a propostas mais progressistas.
“Depois, esse Centrão aparece pontualmente em algumas votações no Governo FHC. Em 2013, o termo volta com toda força, mas descolado do significado original. À época, Eduardo Cunha (presidente da Câmara) conseguiu mobilizar um grande número de aliados de vários partidos, com interesses mais pragmáticos, que se juntavam em pautas específicas”, explica Vieira.
Força do Centrão
O fim do Governo Dilma e o período em que o ex-presidente Michel Temer comandou o Executivo nacional marcam também um momento de grande força desse grupo. Em 2015, por exemplo, o então deputado federal Eduardo Cunha usou toda sua influência sobre o Centrão e conseguiu ser eleito em primeiro turno na disputa pela presidência da Câmara.
A coalizão também teve papel fundamental no impeachment da ex-presidente Dilma, já que a maioria desses partidos de centro-direita compunham a base do Governo e viraram oposição na hora de tirá-la do poder.
Já sob o Governo de Temer, o Centrão agiu para barrar duas denúncias contra o presidente, que mantinha boas relações com os parlamentares. Em contrapartida, os deputados passaram a exercer influência na nomeação de ministérios e na destinação de emendas.
Quem faz o Centrão
Atualmente, o Centrão é formado por deputados do PP (que elegeu 40 parlamentares), do Republicanos (31), do Solidariedade (14) e do PTB (12). Além desse “núcleo duro”, o grupo tem ainda nomes de partidos como o PSD (36), MDB (34), DEM (28), Pros (10), PSC (9), Avante (7) e Patriota (6).
“Não há uma composição formalizada. Existem partidos que têm todos os deputados alinhados, outros que têm só metade, alguns são mais fragmentados, ou seja, mesmo que o Centrão tenha ganhado força ao longo do tempo, ele enfrenta essa situação de instabilidade”, explica a cientista política Gabriella Bezerra, professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e também pesquisadora do Lepem-UFC.
Uma das características desses partidos é não terem uma homogeneidade ideológica, mas tendências, como aponta a pesquisadora.
“São deputados que se voltam para certas pastas onde encontram brechas para a participação orçamentária e para políticas que geram resultados concretos, como obras em estradas e construção de equipamentos públicos. Eles também olham para setores ministeriais, cargos de segundo e terceiro escalão, onde podem direcionar ações”.
Gabriella Bezerra, no entanto, pondera que há alas do Centrão que têm pautas definidas, como o grupo chamado de bancada “BBB”, que envolve os armamentistas (bala), os ruralistas (boi) e os evangélicos (Bíblia).
Centrão à brasileira
Ainda de acordo com a cientista política, esse modelo de atuação política não é exclusividade brasileira, mas há particularidades no País. “Essa inclinação à centro-direita é uma característica, assim como essa maneira de negociar com o Executivo através do orçamento, de cargos e de emendas”, afirma.
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O modus operandi baseado na negociação de espaço no Governo acabou tornando o Centrão a representação da “velha política”. Um dos principais propagadores dessa crítica – ao menos durante a campanha de 2018 – foi justamente o atual presidente, Jair Bolsonaro.
O então candidato prometia que, se eleito, não cederia ao “toma lá, dá cá”, em referência à troca cargos e emendas em prol de apoio parlamentar.
O atual ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o general Augusto Heleno, chegou a criar uma paródia onde cantava: “se gritar pega Centrão, não fica um”, em referência à música “se gritar pega ladrão, não fica um”.
Pragmatismo como método
Conforme Paula Vieira, é preciso entender que as articulações fazem parte do jogo político.
“Há pouca disposição para compreender o jogo político, que essas tomadas de decisão são jogos de interesse e que a via ideológica vai aparecer – se pegar individualmente quem poderia ser caracterizado como Centrão, vamos ver que há um posicionamento claro, estão defendendo algo”.
Para as cientistas políticas, o método usado por esse grupo de parlamentares foi uma saída encontrada por políticos que até então teriam pouca força de negociação, caso agissem separadamente.
“A campanha do Bolsonaro levou muito à frente a imagem da política pura, que não iria se dobrar, por isso é difícil para os ideológicos, porque a política não é assim, ela é contextual, a posição depende do momento. E se o momento muda, às vezes a opinião precisa mudar também”, acrescenta Gabriella Bezerra.
E essa mudança ocorreu. No ano passado, cada vez mais submerso na crise provocada pela pandemia da Covid-19, o Governo Federal se aproximou de vez do Centrão.
Um dos marcos dessa aliança foi justamente a chegada do deputado federal Ricardo Barros – aquele acusado na CPI de comandar um esquema ilegal na compra de vacinas – à liderança do atual Governo, em 18 de agosto do ano passado.
Centrão e Bolsonaro
Passaram a integrar a base de sustentação do Governo Bolsonaro nomes como Arthur Lira (PP), atual presidente da Câmara dos Deputados; o senador Ciro Nogueira (PP); o deputado Wellington Roberto (PL); o presidente do PL, Valdemar Costa Neto; e o presidente do PTB, Roberto Jefferson; e os presidentes do Republicanos, Marcos Pereira, e do Solidariedade, o deputado Paulo Pereira da Silva.
Independentemente do governo, para Gabriella Bezerra, coalizões são necessárias e fazem a “política seguir”. “Esses deputados consideram que o pragmatismo é bom para o sistema político. E é interessante que tenhamos um percentual no Parlamento que faça esse tipo de movimentação. Se tivéssemos um Parlamento extremamente ideológico viveríamos em um eterno atrito”, avalia.
Porém, no caso da atual gestão federal, ela aponta que criou-se uma dependência desse grupo que poderia ter sido evitada.
“No mínimo, ele (Bolsonaro) poderia ter um Congresso afeito a ele, porque havia uma boa base de apoio, mas havia também a esperança de que o presidente amenizasse o tom da campanha, o que não ocorreu. Ele foi governando e destruindo suas bases e criando atritos com aliados”, afirma.
Agora, diante das denúncias contra um dos principais nomes do Centrão, que também lidera o Governo no Legislativo Federal, o cenário é de incerteza sobre a manutenção dessa aliança.
Ricardo Barros foi convocado para depor na CPI da Covid. Na sexta-feira (2), ele disse ter pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de mandato de segurança, que mantenha a data de 8 de julho para que seja ouvido. "Alego que estou sendo impedido de exercer minha ampla defesa por abuso de poder da CPI, que ataca minha honra", escreveu, nas redes sociais.
“Precisamos aguardar as movimentações. O PSD já parece querer se distanciar, o PP pode ser escanteado, o DEM vem sendo devotado internamente. A meu ver, o que pode ocorrer é uma mudança nas lideranças desse Centrão. Esses nomes fortes de hoje podem perder força e novos podem surgir”, conclui Gabriella Bezerra.