Após oito anos da Copa de 2014, veja como estão as obras construídas em Fortaleza para o evento
O saldo para o Ceará é de bons equipamentos em atividade, mas ainda há obras sem conclusão e espaços subutilizados
Enquanto a Copa do Mundo segue no Qatar com bom desempenho brasileiro em campo, o governo cearense realiza reparos na Arena Castelão para o início da temporada de 2023 de futebol. O estádio, renovado em 2012 a fim de atender ao padrão Fifa para a Copa de 2014, fez parte do pacote de obras planejadas para deixar Fortaleza apta a receber o megaevento há oito anos.
Em 2009, o Governo do Estado, em parceria com a Prefeitura de Fortaleza, lançou o “Projeto Copa”, com previsões de investimentos em quatro áreas específicas, com uma execução de gastos na ordem de R$ 9,4 bilhões em Fortaleza e Região Metropolitana. Os alvos seriam equipamentos relacionados diretamente à realização da Copa e medidas para aquecer o turismo local e manter uma tendência de crescimento do setor.
Depois de 13 anos do lançamento do projeto, o saldo para o Estado é de bons equipamentos em atividade, mas ainda há obras sem conclusão e espaços subutilizados.
Pacote de obras para a Copa
De acordo com o 5º Balanço das Ações da Copa 2014, publicado em novembro de 2013 pelo Governo Federal, estavam previstos quase R$ 1,5 bilhão em investimentos locais e do Planalto para a realização do evento. Esse montante era relativo aos seguintes eixos de atuação: estádio, mobilidade urbana, aeroporto e portos.
Os dois últimos ficaram integralmente sob responsabilidade federal com R$ 171,1 milhões e R$ 202,6 milhões em investimentos, respectivamente. Foram finalizados apenas após a Copa.
Já os dois primeiros receberam verbas das duas esferas. A nova Arena Castelão teve R$ 351,5 milhões do Planalto e R$ 161,3 milhões do Ceará, totalizando R$ 518,6 milhões. A mobilidade, por sua vez, teve R$ 409,8 milhões de recursos federais e R$ 165,3 de estaduais, chegando a R$ 575,1 milhões no todo.
Esta área teve seis projetos no seu planejamento, segundo a Matriz de Responsabilidades consolidada do extinto Ministério dos Esportes, que tomaram quase um terço do valor total. Confira:
- VLT Parangaba/Mucuripe: R$ 307,5 mi (total), R$ 170 mi (federal) e R$ 137,5 mi (local);
- Eixo Via Expressa/Raul Barbosa: R$ 152 mi (total), R$ 141,7 (federal) e R$ 10,3 mi (local);
- BRT Avenida Dedé Brasil (Silas Munguba): R$ 41,6 mi (total), R$ 21,6 mi (federal) e R$ 20 mi (local);
- Estações: Padre Cícero e Juscelino Kubitschek: R$ 43,5 mi (total), R$ 33,2 mi (federal) e R$ 10,3 mi (local);
- BRT Av. Paulino Rocha: R$ 65,9 mi (total), R$ 19,6 mi (federal) e R$ 46,3 mi (local);
- BRT Av. Alberto Craveiro: R$ 41,4 mi (total), R$ 23,7 mi (federal) e R$ 17,7 mi (local).
Destas, somente o VLT Parangaba/Mucuripe, o eixo Via Expressa/Raul Barbosa e as estações Padre Cícero e Juscelino Kubitschek foram concluídas como previsto. Os projetos dos três BRT’s tiveram que ser descartados e substituídos por outras obras de melhorias nas vias. Ainda assim, apenas as reformas nas avenidas Paulino Rocha e Alberto Craveiro ficaram prontas até a Copa.
Ao invés dos corredores expressos de ônibus, as avenidas receberam apenas obras de alargamento, de drenagem, de pavimentação, além de novas sinalizações de trânsito, dentre outras. Na Paulino Rocha, em específico, foi realizada, ainda, a construção de um túnel e de uma rotatória para melhorar o fluxo nos arredores do Castelão.
À época, a então secretária da Infraestrutura de Fortaleza, Manuela Nogueira, explicou que os projetos precisaram de modificação devido aos impactos financeiros dos entes públicos envolvidos.
Além disso, novas estruturas do Metrofor (como a Linha Leste, que ligaria o Centro de Fortaleza ao Papicu) não foram pensadas inicialmente dentro do pacote da Copa, mas acabaram incluídas nos prazos de entrega para o evento.
Contudo, a construção da Linha Leste do metrô ainda não foi finalizada e ganhou um novo prazo de conclusão recentemente: janeiro de 2024. Isso quem diz é o diretor-presidente do Metrofor, Igor Ponte.
Estrutura esportiva
Ainda na esteira dos olhares internacionais promovidos pela realização da Copa, foram criados projetos expandidos que previam a construção de equipamentos como o Centro de Eventos do Ceará (CEC) e o Centro de Formação Olímpica (CFO). A ideia era incluí-los no circuito dos mega eventos, como explica Alexandre Pereira, especialista em geografia urbana e membro do Observatório das Metrópoles.
O primeiro entrou no roteiro do turismo global e nacional de negócios, por exemplo, enquanto o segundo, para especialistas na área, se tornou subutilizado desde a sua inauguração oficial, em 2018. Classificado como “o mais moderno, tecnológico e inteligente complexo de excelência esportiva do Brasil” pela Secretaria do Esporte e Juventude do Ceará (Sejuv), o espaço recebe um volume de atividades aquém do esperado.
Atletas cearenses de alto rendimento, como Laila Férrer, do lançamento de dardos, treinam em outros estados por falta de suporte local.
Para a pasta, contudo, o equipamento não é subutilizado, já que “promove, mensalmente, a formação esportiva de 1,5 mil pessoas, entre parcerias e atividades do CFO, incluindo crianças e adolescentes de 8 a 19 anos, prioritariamente de baixa renda, com a oferta de 11 modalidades esportivas”.
O espaço também recebe jogos rotineiramente do Fortaleza Basquete Cearense e treinos do Rede Cuca Vôlei, entre outras competições e eventos ao longo do ano. Além disso, o investimento mensal no CFO, segundo informou a Sejuv por meio de nota, é de R$ 666 mil.
Ampliar a ação do CFO é um dos objetivos do governador eleito Elmano de Freitas (PT), incluindo a ocupação do espaço “com atividades voltadas para a comunidade, fortalecendo assim o Programa CFO Comunidade”. É o que diz o futuro gestor em nota ao Diário do Nordeste.
“Temos o total interesse em articular parcerias com a iniciativa privada para garantir a manutenção e a própria movimentação da estrutura desse importante equipamento, com foco no alto rendimento dos nossos atletas, ampliando seu orçamento e participação social”, informa Elmano.
Esse trabalho começa agora, durante a transição de governo, segundo a Sejuv. A vice-governadora eleita Jade Romero (MDB) reuniu-se recentemente com o chefe da pasta, Rogério Pinheiro, para discutir o cenário do esporte estadual, o balanço de todos os equipamentos esportivos do Estado, incluindo o Centro de Formação Olímpica.
“A Sejuv, juntamente com a equipe do CFO, produz documento com propostas de utilização do espaço do CFO e de outros equipamentos esportivos do Estado para a próxima gestão”, completa a secretaria, por meio de nota.
Outra obra pensada para a Copa, dessa vez o mais importante equipamento para o evento, foi a reforma do Castelão. Fortaleza foi a primeira cidade-sede a entregar um estádio padrão Fifa no Brasil, em dezembro de 2012.
Com investimento de mais de R$ 500 milhões foram adicionados um estacionamento subterrâneo com 4,2 mil vagas, camarotes, setor de imprensa, zona mista, área VIP, cobertura, novos vestiários e um amplo espaço externo nos arredores da arena. Além disso, a capacidade foi ampliada para 67.037 lugares.
Contudo, dez anos depois, o estádio passou por dificuldades. Quedas de energia e até incêndios estão dentro do pacote.
Durante a temporada de 2022, por exemplo, uma queixa constante dos times que jogavam no Castelão, incluindo Ceará e Fortaleza, foi sobre o estado do gramado. Com uma atividade tão intensa de competições no espaço (Campeonato Cearense, Copa do Brasil, Copa Sul-Americana, Libertadores, Campeonato Brasileiro Série A e Copa do Nordeste), o solo das quatro linhas caiu de qualidade e prejudicou equipes.
Devido à falta de equipamento alternativo para receber a larga demanda de público do Castelão, este foi praticamente o único estádio utilizado para as disputas ao longo de onze meses. Por isso, a tão pedida reforma começou apenas em novembro, após o fim do Brasileirão. A previsão é que seja finalizada até 15 de fevereiro.
Ainda assim, a temporada do próximo ano já começa com um leve prejuízo: o Clássico-Rei da primeira fase do Cearense de 2023 pode não ocorrer no Castelão. A partida foi marcada para 8 de fevereiro.
"Vai ser apertado. Jogos do Campeonato Cearense, a maioria terá de ser no PV ou em outros locais. Se não me engano, já começa dia 8 de janeiro. Então, até dia 10 ou 15 de fevereiro não vai haver jogo aqui. Estaremos nessa troca da grama e que seja uma grama de qualidade", explicou Quintino Vieira, titular da Superintendência de Obras Públicas (SOP).
VLT’s e habitação
A mobilidade urbana talvez tenha sido o processo de execução mais delicado no pacote da Copa porque demandou não só ação do Poder Público e das empresas contratadas, mas também da população. Para realizar grandes obras de locomoção pela cidade, foram necessárias remoções de comunidades dos caminhos da via férrea que cortava Fortaleza.
Os VLTs se estabeleceram praticamente na mesma estrutura de trilhos de carga que já existia na cidade, como lembra Alexandre Pereira. “Essas comunidades se instalaram há muitas décadas em lugares que depois se tornaram estratégicos. Por mais que tenham sido compostos por famílias pobres assalariadas, eram localizações muito boas porque a linha férrea corta bairros que são bolsões de trabalho”, afirma o geógrafo.
“Sem dúvida, (a resistência às remoções) não era só pelo valor do imóvel, era também pela localização, e todo mundo sabe que na cidade a localização é um aspecto crucial”, completa.
Além dos fatores apontados por Pereira, os moradores dessas regiões apresentavam relutância devido à falta de clareza sobre o processo, pelo retorno financeiro e imobiliário oferecido pelas construtoras e pela renúncia da história construída pelos habitantes daquele espaço.
Hoje, a questão retoma a sua factualidade não só pela Copa que corre no Qatar, mas também pela discussão sobre o novo Plano Diretor de Fortaleza. A atualização da carta urbanística da cidade está atrasada em três anos – devia ter sido concluída em 2019 – e acumula demandas da última década.
Para Alexandre Pereira, a aposta para uma cidade que passou por um megaevento esportivo e por questões tão delicadas de habitação nesse intervalo de 13 anos é que a questão da moradia ganhe força no novo Plano Diretor.