Liberado pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), no começo do mês, o pagamento de emendas parlamentares é um ato aguardado com ansiedade por prefeitos cearenses. Com o bloqueio determinado em agosto, obras executadas pelos municípios e ações na saúde foram prejudicadas. Mas uma parte – R$ 7 bilhões em todo o País – do montante devido foi liberada entre a última semana e essa segunda-feira (16).
Para 2024, foram empenhados mais de R$ 400 milhões em “emendas pix”, por exemplo, por deputados e senadores cearenses a mais de 35 municípios (citados diretamente), segundo o Portal da Transparência. Desse total, R$ 381 milhões já foram pagos – uma parte, inclusive, neste mês. Apesar disso, há gestores que temem finalizar o mandato sem os recursos prometidos.
Já as emendas individuais com finalidades definidas foram alvo de reserva de R$ 560 milhões da bancada cearense no Congresso às prefeituras. Desse total, foram pagos R$ 506 milhões. Estas já abrangem um número maior de cidades, superando a marca dos 50.
Na última terça-feira (10), o Governo Federal publicou portaria para operacionalizar a liberação de emendas parlamentares, incluindo as conflituosas "emendas pix", que são transferências especiais diretas do caixa da União para estados e municípios. O documento condiciona a execução dos recursos parlamentares de bancada e individuais, que são impositivos, a indicações de beneficiários e de ordem de prioridades feitas pelos respectivos autores.
Os beneficiários das “emendas pix”, sejam estados ou municípios, têm até 31 de dezembro para apresentar plano de trabalho sobre os projetos abrangidos pelos recursos e relacionados a liberações a partir de 3 de dezembro de 2024. Em caso de descumprimento, haverá a suspensão de novas transferências.
Prejuízos
Prefeitos já buscam se adequar às novas regras de eficiência, transparência e rastreabilidade para garantir as complementações orçamentárias, enquanto contabilizam prejuízos. No caso de Beberibe, por exemplo, uma obra de abastecimento de água na região passou a ser uma das principais dores de cabeça para a prefeita Michele Queiroz (PP) nos últimos meses.
Iniciada antes de agosto para atender às normas do período eleitoral, a intervenção precisava do pagamento da emenda para a sua continuidade, mas foi paralisada com o bloqueio imposto pelo STF naquele mês. A liminar de Dino congelou boa parte dos R$ 33 bilhões destinados a emendas impositivas em 2024 e demandou que o Governo criasse normas mais rigorosas de acompanhamento desses recursos.
“Ainda estamos aguardando (o pagamento), a obra foi iniciada, foi parada e a gente está lá tentando explicar à comunidade esse trâmite, mas infelizmente a maioria não entende. Nós estamos aí na luta porque a nossa intenção já era até entregar esse sistema de abastecimento, que é super importante e a comunidade precisa muito, até o final de dezembro”, lamentou a prefeita de Beberibe.
Ela ainda não tem previsão de quando o dinheiro cairá na conta da Prefeitura. Pelo menos R$ 500 mil estão pendentes para o município em forma de “emendas pix”.
Já o prefeito de Piquet Carneiro, Bismarck Bezerra (PT), sentiu mais dificuldade “naturalmente” na área da saúde. Ele também não sabe quando os recursos chegarão ao município.
“A gente tem que fazer ginástica a cada momento para fechar as contas do final de ano, que é geralmente quando isso acontece, porque os municípios já vivem a pão e água, e ainda tem o sacrifício de ter que, ao final do seu mandato, no meu caso, viver situações tão constrangedoras, muitas vezes, ao ponto de ter que dar satisfações a fornecedores, a programas sociais… Quem perde com tudo isso é a população”, avalia.
Continuam pendentes, em transferências especiais, R$ 600 mil para o município, que podem chegar apenas para a sua sucessora, a correligionária Neila Vitoriano. Por outro lado, nos últimos dias, desde o contato feito pelo PontoPoder com o atual prefeito, Piquet Carneiro já recebeu R$ 1,2 milhão na mesma modalidade.
Assim como nas duas cidades citadas acima, a saúde e a infraestrutura, especialmente no que se refere à construção de estradas, de Solonópole foram impactadas negativamente pelo bloqueio. Apesar desse problema, a prefeita Ana Vládia (PSD) se mostra confiante com a recomposição orçamentária.
“Eu já estou sabendo que foram liberadas as emendas de transferência direta e também da saúde. Então a gente está feliz porque, apesar de já chegar no final do mandato, o recurso vai servir muito para a próxima gestão do município”, disse Ana Vládia, prima do prefeito eleito para o mandato 2025-2028, Webston Pinheiro (PSD).
Nesse caso, já há mais clareza sobre os repasses. “Tem um recurso que já está na conta, para equipamento do hospital, e transferência direta para o município também já está na conta”, revelou.
Segundo o prefeito de Quixeré, Toinho do Banco (PT), também estão pendentes emendas para a infraestrutura. Mesmo com todo o imbróglio relacionado a esses recursos, ele avalia que o município não foi tão afetado porque a área mais sensível, a de saúde, recebeu boa parte das complementações ainda no primeiro semestre. Contudo, ainda há pelo menos R$ 500 mil a serem pagos ao Fundo Municipal de Saúde.
Outro gestor que mostra tranquilidade em relação aos pagamentos é Ramilson Moraes (PSD), de Aiuaba, visto que os depósitos já estão se encaminhando. As dificuldades existem, mas o prefeito avalia a medida do STF como positiva.
“De certa maneira, foi bom, porque gerou uma transparência, gerou uma maneira de conscientizar que todos os recursos públicos têm sido construídos em formas transparentes. [...] Apesar de ter sido uma coisa bloqueada há seis meses, ela chega agora com mais transparência. Então, eu acredito que jamais houve um prejuízo, houve um ganho para a sociedade”, observa.
Reforço para prefeituras
Segundo projeção da Confederação Nacional de Municípios (CNM), cerca de R$ 9 bilhões dos recursos impositivos destinados às prefeituras foram congelados com a decisão do STF de agosto. Esse valor é dividido em transferências especiais, emendas individuais com finalidade definida e emendas de bancadas estaduais.
A situação levou preocupação a prefeituras cearenses, especialmente aquelas de menor porte populacional e econômico, que acabam sendo mais dependentes de repasses de outras instâncias.
O dinheiro suplementar ajuda a mitigar efeitos de fenômenos como a baixa arrecadação de tributos, que tornam as receitas incompatíveis com as responsabilidades sob a jurisdição do Município. Para se ter uma ideia, em 2020, a União centralizava 66% da arrecadação direta, os estados 27% e os municípios apenas 6,7%.
Foi o que mostrou o senador Irajá Silvestre Filho (PSD-TO), no estudo “Efeitos da impositividade das emendas parlamentares no Orçamento Geral da União”, de 2023, desenvolvido no programa de mestrado do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).
“Esse modelo exige um esquema de transferências e repartição de receitas que compense essas disparidades e permita o cumprimento das obrigações, sobretudo dos municípios, na descentralização das políticas sociais, em especial educação e saúde”, pontuou.
Algumas das despesas mais pesadas para os cofres municipais são aquelas destinadas a folhas salariais – há restrições sobre a indicação de emendas nesse caso – e à saúde. Não à toa, 50% do total das emendas individuais devem ser obrigatoriamente destinadas para esta área. Para 2024, 66% dos valores disponíveis nessa modalidade foi direcionado para a saúde e para transferências diretas às prefeituras – o total é R$ 25,07 bilhões.
Os Incrementos Temporários ao Custeio dos Serviços de Atenção Primária à Saúde e de Assistência Hospitalar e Ambulatorial para Cumprimento de Metas, a Estruturação de Unidades de Atenção Especializada em Saúde e da Rede de Serviços de Atenção Primária à Saúde e a Educação e Trabalho na Saúde foram algumas das principais ações apoiadas por emendas individuais em 2024.