79 prefeituras no Ceará descumprem Lei de Responsabilidade e extrapolam orçamento com folha salarial

Dados são do Tribunal de Contas do Estado referentes ao ano de 2021

Em meio à baixa arrecadação de impostos nas prefeituras cearenses, como mostrou a reportagem publicada nesta segunda-feira (3), uma fatia importante das administrações no Estado está no vermelho quando o assunto é comprometimento das finanças públicas com folha salarial de servidores.

Dados disponibilizados pelo Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE) revelam que 79 prefeituras gastaram mais do que deveriam em contratações em 2021. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) prevê a prática como infração.

Segundo a lei, os municípios podem concentrar até 60% do orçamento anual com a folha salarial. Nesse percentual precisa estar incluso o gasto de 6% com o Poder Legislativo. Ou seja, a Câmara Municipal.

Na prática, os prefeitos e prefeitas têm um limite de até 54% para gasto com pessoal. São as contratações dos funcionários que atuam no atendimento ao público na saúde, educação, entre outros.

Entre as prefeituras cearenses, 79 delas estão acima de 54%, enquanto 29 estão em situação "prudencial", a um passo da irregularidade, e 34 aparecem em "alerta", que é o primeiro chamado para a gestão municipal evitar a irregularidade. Ao todo, 42 municípios estão em situação regular.

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Regras da LRF

  • Regular: até 48,59% 
  • Alerta: de 48,6% a 51,29%
  • Prudencial: de 51,3% a 53,99%
  • Total: acima de 54%

 

Regularidade

O município de Tauá destinou 28,06% do orçamento de 2021 para pagar salários de servidores. O índice é o menor do Estado e está longe de atingir o limite de 54% definido pela LRF.

A gestão municipal explica que o baixo percentual se deu por "zelo fiscal", mas também por repasses dos precatórios do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que ajudou na contabilidade geral.

O município de Tauá com planejamento, esforço e zelo fiscal, vem conseguindo otimizar suas receitas, potencializando a sua arrecadação e de modo que encontra-se financeiramente equilibrado. Tanto que no período aferido a gestão municipal conseguiu que os seus indicadores de limite de gastos com pessoal ficassem bem abaixo do 54% da receita corrente líquida
Patrícia Aguiar
Prefeita de Tauá

Ainda segundo a gestora, "o índice de 28,06% observado do último quadrimestre de 2021, se deu em razão do aporte da receita oriunda dos precatórios do Fundef, repercutindo diretamente da receita pública".

A prefeitura argumenta ainda que o baixo percentual de aplicação da receita em servidores não interfere na prestação dos serviços básicos à população, "haja vista que o quadro de servidores do município de Tauá é o necessário para atender satisfatoriamente a demanda de serviços públicos a serem ofertados à população".

Responsabilidade

Para o doutor em economia e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Joseph Vasconcelos, só há dois caminhos para as prefeituras não extrapolarem as regras da LRF: aumentando as receitas ou reduzindo a folha de pagamento. Não há mágica. 

Vasconcelos, porém, argumenta que não é tão simples enxugar a folha de pagamento em uma prefeitura. É preciso ter a segurança de que a redução da quantidade de profissionais em uma determinada área vai manter o nível de atendimento satisfatório à população.

"Quando você tem o aumento da eficiência administrativa ou consegue prestar o mesmo nível de serviço com contingente menor de pessoal, então você teria capacidade de enxugar a folha de pagamento", diz.

Por outro lado, tendo em vista as limitações que os prefeitos têm em termos de recolhimento de impostos, é urgente que essas administrações, segundo o pesquisador, não abram mão do que é responsabilidade municipal do ponto de vista da arrecadação.

"Os municípios não podem abdicar essa pouca receita de competência dele. Não podem estar concedendo isenções tributárias e também precisam evitar que haja inadimplência no IPTU, por exemplo. Vai ser com base nessa receita que os gestores irão estabelecer esse nível de gastos", explica o professor.

As prefeituras recolhem apenas valores do ISS (Imposto Sobre Serviço), IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana), ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis), ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural) e 50% do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores).

Imposto de Renda (IR), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), por exemplo, são recolhidos pelo Governo Federal.

Consequências

O advogado Reginaldo Vilar, presidente da Comissão de Controle Social dos Gastos Públicos da OAB-CE, explica que a irregularidade pode acabar em infrações como improbidade administrativa, cassação do mandato e multa.

"Cabem aos órgãos fiscalizadores investigar: Tribunal de Contas, Controladoria da União... O gestor não pode gastar com a folha mais do que a lei prevê. Se ele foge dessa determinação, a conduta é de crime", ressalta o presidente da comissão.

Esses dados são analisados pelo Tribunal de Contas que apresentam pareceres prévios da cada administração municipal. São os conselheiros da Corte que enviam para as câmaras municipais o que foi identificado de irregular.

Os vereadores aprovam ou reprovam as contas. Nessa análise, segundo explica Vilar, o Ministério Público também possui a participação na investigação de suposta irregularidade nas contas municipais.

"Havendo uma denúncia, o MP pode ser acionado. Ele chama pra fiscalização os tribunais de contas e manda que a Câmara apure. Ao final de cada exercício anual essas contas vão para a Câmara Municipal e para o Tribunal de Contas", diz.

O presidente da comissão dos gastos públicos explica ainda que a Lei de Responsabilidade Fiscal precisa cumprir ao menos quatro principios: planejamento, controle, responsabilidade e transparência.

Caso as previsões legais não sejam cumpridas, o gestor público está em risco de perder o mandato e ainda ter prejuízos financeiros por conta das irregularidades comprovadas.

Transparência

O Diário do Nordeste reforça ao leitor que os dados anuais das contas municipais estão disponíveis publicamente no portal do Tribunal de Contas do Estado no link da Corte. Qualquer denúncia ao MP pode ser feita pelo cidadão aqui.