Com crise agravada, 169 das 184 prefeituras do Ceará não arrecadam nem 10% das despesas; entenda
Apenas quatro cidades arrecadaram acima de 25% do que gastaram em 2021
A crise econômica no País que se arrasta desde a última década, e agora agravada pelos rastros da pandemia da Covid-19, manteve os cofres municipais em dificuldades no ano passado. Dados disponibilizados pelo Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE) apontam que 169 dos 184 municípios do Estado arrecadaram em impostos menos de 10% do que gastaram para garantir serviços básicos à população. O índice representa quase 92% das prefeituras.
O cenário, porém, não é novo. Reportagem publicada pelo Diário do Nordeste em 2019, com dados de 2017, revelou que esse percentual era ainda maior: 96%. Com a arrecadação irrisória, a grande maioria das administrações municipais se sustenta pelas transferências federais.
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Para pagar o salário dos professores, realizar obras de infraestrutura, manter postos de saúde em funcionamento, entre outros serviços essenciais, os gestores municipais recebem recursos da União e do Estado, como a cota do Fundo de Participação dos Municípios, as transferências do SUS (Sistema Único de Saúde), cota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica).
Essas prefeituras também mantêm interlocuções com deputados federais em Brasília. É através das emendas parlamentares individuais e de bancada que prefeitos e prefeitas conseguem uma margem financeira maior para atender às necessidades da população. Esse recurso geralmente tem como prioridade a área da saúde.
Ações
Apenas quatro prefeituras cearenses conseguem arrecadar acima de 25% na relação receita tributária e despesa anual. Na ordem proporcional, aparecem Eusébio, Aquiraz, Fortaleza e São Gonçalo do Amarante.
O secretário de Finanças e Planejamento da prefeitura de Eusébio, Alexandre Cialdini, explica que a gestão municipal tem atuado com o objetivo de melhorar a arrecadação para melhorar as políticas públicas.
Segundo o secretário, essas políticas mais urgentes passam pela educação em tempo integral em todas as escolas, transporte gratuito para toda a população e programa de renda mínima.
Arrecadando 30,5% em 2021, o município de Eusébio, de acordo com o secretário, utilizou a tecnologia para melhorar a fiscalização e aumentar o faturamento.
O foco, principalmente, foi no IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) e ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis), ao atualizar os registros com dados atuais e crescer o recolhimento.
"Estamos sempre fazendo diálogo com a população e usando tecnologia que possa aproximar o contribuinte, trabalhando com aplicativos para facilitar o acesso (registros e pagamentos) e isso tem melhorado bastante, isso facilita que a gente melhore a arrecadação", explica Alexandre Cialdini.
A prefeitura espera melhorar o percentual de 2021 em relação a 2022. "O grau de dependência dos municípios cearenses é muito apartado. Queremos atingir esse ano a relação de 40%. Esse nível já foi de 33%", projeta o secretário.
Dificuldades
Por outro lado, algumas gestões possuem pouco lastro de recolhimento desse imposto. São prefeituras com baixa movimentação comercial e constituídas por população de menor poder aquisitivo em relação a outras cidades do Estado.
É o caso de Poranga, prefeitura que menos arrecadou no ano passado: apenas 0,7%. Ao Diário do Nordeste, o prefeito Carlos Antônio Rodrigues (PT) explicou que "as contas estão em dia", mas que a "arrecadação é muito pouco porque é uma cidade muito pequena" e que "sobrevive do ICMS e FPM".
De acordo com o gestor, são os cargos na prefeitura que mais empregam a população local. "O comércio é fraco. Não tem como evoluir muito devido ao tamanho da cidade", diz. Carlos Antônio explica que nem todos pagam IPTU, e, pela condição social agravada pela pandemia, a cobrança é outro fator complicador. "Estamos melhorando os resultados com a fiscalização, mas víamos a situação das pessoas na pandemia sem poder praticamente trabalhar", pontuou.
Limitações
Para o consultor da Associação dos Municípios do Estado do Ceará, Nilson Diniz, o cenário financeiro das prefeituras não é uma matemática simples. O ex-prefeito pontua que, para as gestões municipais arrecadarem mais, é preciso um amplo debate nacional revendo principalmente quais impostos devem ser recolhidos pelos municípios.
Esse perfil (de baixa arrecação) é de muitos municípios brasileiros. Setenta por cento ou mais têm um perfil semelhante por conta da questão constitucional. Só se permite arrecadar valores do ISS (Imposto Sobre Serviço), IPTU, ITBI, ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural) e 50% do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores). São taxas e pequenas constribuições. O nosso escopo de arrecadação se limita a determinados impostos. Quando se analisa municípios pequenos a situação é ainda mais difícil
O consultor reforça que "as melhores arrecadações" estão nas mãos do Governo Federal e do Governo do Estado, como o IR (Imposto de Renda), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) que constituem o FPM (Fundo de Participação dos Municípios) e FPE (Fundo de Participação dos Estados). Diniz cita ainda a criação, em 1991, da contribuição social paga pelas empresas, mas que não entram para o cálculo municipal.
"Mesmo que a gente evoluísse e ganhasse um fortalecimento na arrecadação, avançaríamos, mas não tanto porque temos um código tributário que é um grande concentrador de renda para a União. Os estados também têm... E o primo pobre dessa federação continua sendo os municípios", argumenta.
Uma saída, de acordo com o ex-gestor, seria um debate sobre um novo Pacto Federativo para rever as responsabilidades dos municípios e, consequentemente, a atualização de como deve ser a atuação dessas prefeituras no recolhimento desses recursos.
Nilson Diniz defende que um projeto seja implementado no Ceará aos moldes do Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic) para incentivar os municípios a organizar e fiscalizar os impostos locais.
Apesar das limitações, o ex-prefeito ressalta "a estrutura extremamente frágil para trabalhar a questão fiscal" nas cidades do interior, com a "falta de quadros e recursos humanos qualificados" e ausência também de uma estrutura de tecnologia por falta de uma revisão do código tributário, de uma adequação das plantas para o IPTU, entre outros.
Fiscalização
O diretor de contas de governo do TCE, Gennison Lins, explica que os dados gerenciados pela Corte são resultado das informações enviadas pelas próprias prefeituras. As informações podem ser enviadas mensalmente e também quadrimestralmente, com dados da receita, despesa e pagamento de folha salarial.
Essas informações também integram as contas anuais que as gestões precisam encaminhar ao Tribunal para análise técnica e recomendações. É um relatório gerencial.
De acordo com o diretor, os dados servem para fins didáticos, educativos. "Para dar subsídio ao gestor de dizer o que está acontecendo e apontar saídas. Dar aspectos globais e aí ele que toma a ação que achar pertinente", explica Gennison.
Os dados são públicos e podem ser acessados pela população em geral na transparência do TCE.
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