Única mulher no cargo, cearense alpinista industrial de pás eólicas fiscaliza 24 equipes no País

Atividade de risco e reviravoltas pessoais fazem parte da história de Lidiane Carmo

Escrito por Cinthia Freitas ,
Legenda: Lidiane Carmo, 38 anos, é a única mulher responsável por fiscalizar 24 equipes de manutenção de pás eólicas
Foto: Arquivo Pessoal

Enfrentar os 120 metros de subida das torres de pás eólicas para fiscalizar trabalhos de manutenção técnica é o menor dos desafios da vida da cearense Lidiane Carmo, 38 anos. Profissional de Segurança do Trabalho da empresa Aeris Service, pertencente à fabricante cearense de pás eólicas Aeris Energy, ela é a única mulher no cargo na empresa e é responsável por monitorar 24 equipes técnicas no País. 

A atividade exige subir nas torres até as pás eólicas e garantir que todos os protocolos de segurança sejam cumpridos pelos técnicos responsáveis por reparos nas gigantescas estruturas, evitando acidentes. O acesso pode ser feito por escada, elevador ou, ainda, por meio da prática de alpinismo industrial — com cordas, pelo lado exterior. 

Legenda: Lidiane Carmo, técnica de segurança do trabalho e alpinista industrial de pás eólicas
Foto: Arquivo Pessoal

Além do conhecimento relativo ao ofício de Segurança do Trabalho, para exercer a função diretamente nos parques eólicos é necessário passar por treinamentos de trabalho em altura, espaço confinado e eletricidade. Etapas as quais Lidiane cumpriu. 

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Sem rígida segurança, o trabalho está sujeito a acidentes como queda ou incêndios, segundo a profissional. 

Profissão de risco 

Lidiane está há mais de dois anos na empresa e exerce o cargo há mais de um. Viajando o Brasil a trabalho, costuma revezar o serviço com profissionais homens e não tem conhecimento de outra mulher exercendo a atividade, classificada com grau de risco 3 em uma escala de 4, conforme a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). 

“É uma atividade que pode ter mulher, com certeza, porque mulher pode estar em qualquer lugar. Mas não é rotineiro ver mulher em campo, tanto que até hoje nunca vi. Sinto que pelo fato de precisar viajar, passar meses fora de casa, geralmente, até o cliente prefere que seja homem. Por causa do perigo do dia a dia, de furar um pneu, passar horas na estrada sem ver uma pessoa, e ainda existe aquele negócio de que o homem é mais confiante. Por isso, várias pessoas perguntam como tenho coragem”, reitera. 

A preferência pelo trabalho ativo, longe de escritórios e papeladas, e experiências anteriores no setor de construção civil, fizeram Lidiane não duvidar ao receber o convite. “Vontade sempre tive, queria estar em campo, independente do setor. Quando recebi a proposta para começar a visitar os parques, no começo tive um pouco de receio, mas não fiquei assustada porque estou acostumada com essas vivências”, relata a profissional. 

Legenda: Lidiane Carmo, 38 anos, única mulher responsável por fiscalizar equipes de manutenção de pás eólicas, passou por treinamentos especializados pra cumprir a função
Foto: Arquivo pessoal

Distância de casa e machismo

As tais vivências incluem viagens de carro sozinha pelo País, com estadias de uma semana em cada cidade, muitas afastadas dos centros urbanos. Ela ainda enfrenta comportamentos machistas de quem não está acostumado a respeitar mulheres em posição hierárquica de poder, e o inevitável afastamento dos três filhos — duas meninas gêmeas de 13 anos e um adolescente de 16 anos.  

“Para estar na atividade que estou, viajando Brasil afora, tenho que ter muita coragem, ser bem determinada, sem enfraquecer. Às vezes vou parar em lugares estranhos, estradas de barro, se não tiver coragem, você não consegue enfrentar. Já aconteceu várias vezes de ficar em cidades sem estrutura nenhuma”, conta. 

Culpa e conquistas de uma mãe solo

Mãe aos 22 anos e solo na função, a cearense ainda precisou morar por um ano longe dos filhos, em Pernambuco, antes de conseguir o emprego na fabricante de pás eólicas localizada em Caucaia. Lidiane enfrenta o frequente embate das mulheres com a culpa, por não estar presente como gostaria, mas se tranquiliza com o lugar de provedora conquistado com o trabalho. 

“Passo pelos momentos de saudade, não poder estar com eles e acompanhar o crescimento. Às vezes, estão passando por algum problema e não posso dar a atenção que precisam, muitas vezes me ligam e estou no meio da estrada ou fico em locais que não têm internet. Eles tiveram que amadurecer muito rápido para me ajudar a enfrentar essa rotina”, reflete. 

“Se pudesse escolher ficar perto deles, com certeza escolheria, mas para dar uma educação melhor preciso trabalhar. Isso é o que sei fazer e o que gosto de fazer. O melhor para eles é a mãe estar trabalhando. Não tenho auxílio dos pais, então tenho que aceitar e enfrentar”, conclui. 

Legenda: Lidiane Carmo trabalha como segurança do trabalho fiscalizando equipes de manutenção de pás eólicas
Foto: Arquivo Pessoal

Surpresas 

Entre as reviravoltas, a vida ainda reservou à Lidiane a surpresa de se descobrir filha adotiva aos 30 anos e conhecer a família biológica. Mãe, cinco irmãos e o pai biológico, que faleceu cerca de um mês após o encontro. 

“Fiquei em choque, nunca passou pela minha cabeça, todas as pessoas do meu convívio sabiam. No dia que descobri fui até a casa da minha mãe de sangue, fiquei lá na frente chorando e não tive coragem de bater na porta. Mas depois fiz questão de conhecer, saber os motivos”, relembra. 

A família humilde achou melhor doar a filha para vizinhos, a avó materna de criação de Lidiane, em melhores condições financeiras na época. Lidiane passava férias na casa da avó e costumava ver os irmãos e a família biológica, sem saber do parentesco. 

“Me sinto uma mulher transformada, a vida todo dia me transforma de um jeito diferente, me comovo muito com as pequenas coisas. Na estrada vejo muita pobreza, a minha profissão e minha história de vida me fez uma mulher renovada.” 

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