Total de jovens que não estudam nem trabalham no Ceará cai, mas ainda representa 30% da faixa etária
São quase 688 mil cearenses com idade entre 15 e 29 anos nessa situação, segundo o IBGE
Bella Asa Rodrigues, 21, concluiu o ensino médio e o curso profissionalizante de técnico em computadores em 2018 e desde então não está matriculada em nenhuma instituição de ensino nem exercendo alguma atividade econômica.
Ela é apenas uma dos quase 688 mil jovens com idade entre 15 e 29 anos que não estudam nem trabalham no Ceará. O número, referente ao terceiro trimestre de 2021 e o mais recente disponível, é monitorado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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Mesmo encerrando o ensino médio com uma formação profissional, Bella não conseguiu uma colocação no mercado por não ter experiência. Egressa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), ela também tentou entrar na faculdade de Nutrição, mas não passou.
"Eu nunca trabalhei. Eles querem pessoas com experiência, ou seja, tudo que eu aprendi eu tô aos poucos esquecendo", conta.
Enquanto não consegue uma oportunidade, Bella fica em casa e ajuda nas atividades domésticas. A mãe e a vó são quem sustentam a casa, a primeira trabalhando como costureira avulsa e, a segunda, como faxineira.
"Minha vó tem 67 anos e é aposentada, mas continua trabalhando pra complementar a renda. Ao todo, somos cinco pessoas na casa e apenas elas duas trabalham", afirma.
O irmão de Bella (20) também está sem estudar nem trabalhar, mas, com dificuldade, consegue alguns "bicos" por ser técnico em saúde bucal.
Ao todo, a família precisa se manter com cerca de dois salários mínimos por mês.
"Se a minha vó não fosse aposentada, provavelmente estaríamos passando umas dificuldades. Tá sendo difícil para mim que não tenho renda e nem como contribuir para gastos da casa", revela.
Ela também conta que durante a busca por uma oportunidade já tentou vagas dentro e fora de sua área de formação, mas ainda não obteve sucesso.
"Eu penso em continuar tentando (achar um trabalho), continuar tentando até achar"
Jovens Nem-Nem
Chamados jovens nem-nem, pessoas com idade entre 15 e 29 anos que não estudam nem trabalham compõem um contingente que sofreu um aumento expressivo durante a pandemia em todo o País.
No Ceará, o número passou de 659,2 mil no quarto trimestre de 2019 - o último sem interferência da crise sanitária - para 895,3 mil no segundo trimestre de 2020, o pior resultado da série histórica iniciada em 2012.
Desde então, a elevação vem sendo revertida, especialmente em 2021 com o avanço da vacinação e a retomada das atividades econômicas.
No terceiro trimestre de 2021, quando quase 688 mil jovens cearenses ainda estava sem estudar nem trabalhar, o número representava 30,1% da população dessa faixa etária. Mesmo com um ritmo forte de recuperação, o Ceará se mantém entre os 10 estados com a maior proporção de jovens nem-nem do País.
Bruno Ottoni, pesquisador da consultoria iDados, uma das instituições que compilam os dados do IBGE, explica que a pandemia agravou os resultados do indicador em todo o Brasil por ter provocado o fechamento de muitas empresas, seja temporário ou definitivamente.
Com o início da recuperação do mercado de trabalho, o índice está reduzindo novamente e voltando a patamares próximos aos pré-pandemia.
No caso do Ceará, atualmente são quase 688 mil jovens nem-nem (30,1%) contra 659,2 mil (28,6%) no quatro trimestre de 2019.
Ottoni ainda ressalta que o ritmo de recuperação do Estado tem sido mais rápido que a média nacional. Ele lembra que a proporção de jovens nem-nem caiu de 35% no primeiro trimestre de 2021 para 30,1% no terceiro trimestre do mesmo ano, enquanto o resultado do Brasil passou de 27,2% para 23,7% no mesmo período.
"A queda foi mais acentuada e deve ter caído mais no quarto trimestre. A tendência é que, com a continuidade da vacinação e a situação se normalizando, embora outras dimensões ainda sejam fatores de preocupação, esse número continue diminuindo", avalia o pesquisador.
Ele ainda destaca que o investimento em educação que o Ceará tem feito nos últimos anos e já reflete em indicadores de número de anos de estudo e nas próprias notas dos alunos deve contribuir para a diminuição do quadro de jovens nem-nem.
"A escolaridade no Ceará melhorou. Isso demora para refletir no mercado de trabalho, ainda é uma proporção pequena da força de trabalho, mas vai mudando o perfil. Estou curioso para ver se isso vai gerar redução de desemprego e de jovens nem-nem"
Recuperação da economia
João Mário de França, diretor-geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), que divulgou nesta segunda (09) novo Boletim Trimestral da Juventude, reforça tendência de reversão no aumento dos jovens nem-nem no Estado.
Ele esclarece que a piora observada durante a pandemia está mais ligada à piora do mercado de trabalho do que à evasão escolar.
Isso porque entre os jovens com idade escolar, de 15 a 17 anos, apenas 5,45% deles não estavam estudando nem trabalhando. Por outro lado, aqueles com idade entre 25 e 29 anos eram os mais afetados, alcançando 36,44%.
"Em idade escolar, nós temos mais de 90% desses jovens na escola. A partir de 18 anos, o problema está ligado ao mercado de trabalho. Era pra esse jovem estar inserido, o que aumenta muito o indicador", afirma França.
Com a recuperação da economia e do mercado de trabalho, o indicador vai reduzindo a medida que esses jovens vão conseguindo mais colocações.
Perfil do Jovem Nem-Nem
De acordo com relatório da consultoria iDados, os jovens brasileiros que não estudam nem trabalham são em sua maioria mulheres (63,7%), negros (66,5%) e com ensino médio completo (55,6%). Além disso, a renda per capita entre esse grupo é de apenas R$ 485 por mês.
França avalia que a gravidez na adolescência é um dos fatores que explicam a maior incidência desse cenário entre as mulheres.
"É algo que vem diminuindo, mas afeta muito a menina e a continuidade dela na escola. Depois, ela não consegue se inserir no mercado", pontua.
A Prefeitura de Fortaleza informou que em 2021 11,2% dos nascidos vivos na Capital eram de mães adolescentes, totalizando mais de 3,5 mil meninas.
O número, no entanto, alcançava 5,9 mil adolescentes e 15,9% dos bebês em 2016, uma redução de 4,7 pontos percentuais.
Sobre a questão racial, o diretor-geral do Ipece pontua que a predominância pode tem a ver com o racismo estrutural e principalmente com a dificuldade de acesso a boa educação, diminuindo as oportunidades no mercado de trabalho.
Por fim, a maior incidência de jovens com ensino médio completo que não estudam nem trabalham está relacionada à absorção dessas pessoas pelas universidades e pelo mercado de trabalho.
"Em tese, as pessoas iriam para universidade quando terminam o ensino médio. Mas como a oferta de vagas no ensino superior não é capaz de atender a todos, uma parte não consegue entrar e vão buscar uma colocação. Uma boa formação facilita. Por isso, é tão importante as escolas profissionalizantes, de onde o jovem já sai com uma formação profissional"
Tendência a longo prazo
Mesmo retomando aos patamares pré-pandemia, a proporção de jovens nem-nem ainda é preocupante. França indica que o cenário ideal seria o Ceará se aproximar da média nacional, atualmente em 23,7%.
Além disso, o cenário só deve melhorar se houver avanços em duas frentes. A primeira seria a da escolarização, que já vem acontecendo nos últimos anos.
Ele ressalta que as gerações mais novas estão com uma frequência escolar mais elevada, tendo mais tempo de escolaridade e uma qualidade melhor, o que deve fazer com que chegue ao mercado de trabalho mais preparados e alcancem uma colocação mais facilmente.
A segunda frente é o próprio dinamismo da economia, que precisa gerar mais postos de trabalho para absorver os jovens que ingressam no mercado.
"O Estado tem atraído investimento, empresas, investindo em infraestrutura, logística, educação, saúde, melhorando a desburocratização, para que a economia ganhe mais dinamismo", aponta.