Qual o futuro das eólicas em alto mar no Ceará e do preço da energia com nova lei?
Projeto de lei, que aguarda sanção presidencial, estabelece como deve ser feita exploração offshore
Com a aprovação do marco legal de exploração de energia eólica em alto mar (offshore), os projetos de empreendimentos na costa cearense podem começar a tomar forma nos próximos anos.
O Estado tem o segundo maior interesse de empresas que querem instalar empreendimentos eólicos offshore no Brasil. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recebeu 25 pedidos de licenciamento para a costa cearense, atrás apenas do Rio Grande do Sul.
Uma das empresas interessadas é a francesa Qair, que pretende instalar um projeto eólico de 1.216 MW de potência para abastecer uma de suas futuras plantas de hidrogênio verde.
A empresa busca receber a licença prévia para aprofundar os estudos técnicos de viabilidade do empreendimento offshore, explica Gustavo Silva, diretor de operações da Qair Brasil
“A aprovação do projeto de lei foi um primeiro passo extremamente importante, porque precisa de um marco regulatório, de segurança jurídica. E agora ainda vai ter um caminho a seguir para criar essa ambiência no Brasil”, aponta.
Gustavo comenta que as empresas do setor ainda precisam desenvolver a tecnologia necessária e o projeto deve andar concomitante às futuras plantas de hidrogênio verde da empresa.
“Como a implantação da planta offshore leva mais tempo do que a planta de hidrogênio verde, porque tem mais de 45 mil hectares, a gente deve começar a implantação alguns anos antes, por volta de 2027”, afirma.
Outra empresa com intenção de construir um empreendimento offshore no Ceará é a Neoenergia, que assinou memorando do entendimento com o Governo do Ceará para desenvolver projetos eólicos em alto mar.
Para definir um cronograma para os futuros projetos, a empresa aguarda a definição das condições de contrato de outorga da área marinha e critérios de seleção para a cessão das áreas.
“A Neoenergia ressalta a importância da adoção de critérios não financeiros para os futuros certames de áreas, conforme a experiência internacional, visando não onerar demasiadamente essa nova fonte renovável já no início do seu desenvolvimento”, disse em nota.
Para o diretor de Regulação do Sindienergia-CE, Bernardo Santana, o projeto de regulação está dentro do que o setor esperava. Se o texto for sancionado pela presidência, cada projeto deve seguir individualmente seus pedidos de licenciamento.
“O que o Sindicato faz agora é retornar aos investimentos, entender com eles o gargalo de cada projeto. Agora cada investidor, cada grupo multinacional que iniciou os estudos tem seu tempo”, aponta.
EXPLORAÇÃO EÓLICA EM ALTO MAR
O PL regulamentando a geração de energia em alto-mar define que os projetos podem ser realizados por meio autorização ou concessão. A cessão pode ocorrer por oferta permanente, a partir da modalidade de autorização.
Já em oferta planejada, a exploração se dá por meio de licitação, após o órgão competente definir as áreas de exploração. As usinas não poderão ser instaladas em rotas de navegação, locais de atividades militares e áreas tombadas por patrimônios culturais e naturais.
Os valores recebidos pela ocupação da área devem ser distribuídos entre União, estados e municípios. O texto prevê também que 5% da participação seja destinado a projetos de desenvolvimento sustentável e econômico em comunidades impactadas nos municípios confrontantes, pescadores e ribeirinhos.
Pelo menos 324 comunidades tradicionais do litoral cearense podem ser impactadas com a instalação das usinas marítimas, segundo o Observatório da Energia Eólica. Também há possíveis consequências à fauna marinha.
Jaques Paes, professor do MBA de ESG e Sustentabilidade da FGV, explica que o Ibama deve ter um papel central na análise dos impactos ambientais e concessão dos licenciamentos.
Veja também
“Por um lado, foi extremamente positivo estabelecer regras de licenciamento. Por outro lado, se o Brasil continuar no mesmo ritmo do licenciamento que existe para outras áreas, provavelmente teremos alguns problemas a enfrentar no médio e longo prazo. Tenho uma ressalva sobre como vai ser de fato monitorado, porque temos histórico de falhas ambientais”, aponta.
O especialista destaca que a indústria eólica em alto mar deve atrair investimentos bilionários para o Brasil, de empresas estrangeiras ou parcerias público-privadas.
“Em geral, são empresas que já tem a tecnologia mais estabelecida, como da Alemanha, Noruega e Reino Unido. Serão aportes de capital muito elevados, até porque o Brasil não tem essa expertise, tem que buscar isso fora”, aponta.
No curto prazo, os negócios devem começar a ser estruturados e regulamentados. O início das operações e os consequentes benefícios devem surgir no médio e longo prazos, assim como na cadeia do hidrogênio de baixo carbono, aponta Jaque Paes.
INCENTIVOS POLÊMICOS E IMPACTO NA CONTA DE LUZ
A aprovação do projeto de lei das offshore foi polêmica, pois os parlamentares incluíram uma série de 'jabutis', artigos que não têm relação com a proposta inicial.
Um dos dispositivos beneficia as usinas termelétricas de gás natural e carvão - mais poluentes. Segundo a liderança do governo no Congresso, a medida pode custar R$ 595 bilhões em renúncias fiscais até o ano de 2050.
A expectativa da bancada é de que o presidente Lula vete este trecho ao sancionar o projeto de lei. O incentivo às termelétricas pode levar ainda ao aumento da conta de luz.
Segundo a organização União Pela Energia, a medida tem um custo potencial de R$ 658 bilhões aos consumidores até 2050, o que representaria alta de 11% na conta de energia de todos os brasileiros.
A inclusão dos dispositivos 'na calada da noite' gera um desconforto para o projeto que deveria estimular a produção de energia limpa, aponta Jaque Paes.
“Isso fere frontalmente o compromisso do Brasil com a agenda de redução das emissões de gases de efeito estufa. Porque a partir do momento que incluímos o uso de combustíveis fósseis, temos uma controvérsia e minimiza a importância da geração a partir de parques eólicos”, aponta.