Projeto quer proibir varejo de anunciar crédito a prazo sem juros; lojistas criticam proposta

Se aprovada a proposta, empresas também são obrigadas a informar na oferta o custo efetivo total do produto

Escrito por Cinthia Freitas , cinthia.freitas@svm.com.br
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Existe compra a prazo sem juros? Representantes do comércio concordam em responder que sim, enquanto a análise de um educador da área é a máxima de que "não existe almoço grátis". O questionamento em torno deste tema é levantado com o retorno do Projeto de Lei nº 3515, de 2015, de autoria do ex-senador José Sarney, colocado em pauta na Câmara dos Deputados na última sessão deste ano, na terça-feira (22), em regime de urgência. A matéria acabou não entrando em votação, mas deve voltar para apreciação em 2021.

O projeto, em tese, visa à educação financeira do consumidor e à prevenção do superendividamento do cidadão. "Na nossa legislação, tem muitas leis para falência de empresas, mas não existe isso para CPF. (O PL) Vai tratar exatamente do consumo consciente e da possibilidade de falência da pessoa física, para renegociação de dívida e recuperação perante o mercado, que é o interesse pra todo o público", diz a advogada integrante da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Sabrina Nolasco.

Custo total do produto

Se aprovada a proposta, empresas ficam proibidas de anunciar oferta de crédito "sem juros", "gratuito", "sem acréscimo", com "taxa zero" ou expressão semelhante. E são obrigadas a informar na oferta o custo efetivo total do produto, incluindo dados de taxa efetiva mensal de juros, total de encargos previstos com atraso do pagamento, montante das prestações e prazo de validade da oferta, por exemplo.

O assunto é sensível para o empresariado, pois abrindo o descritivo dos custos operacionais e financeiros, é possível revelar ao consumidor a margem de lucro que o varejista possui, argumenta o professor da Faculdade CDL, Christian Avesque. Ele considera o projeto "um instrumento de proteção ao consumidor, sobretudo o de classes C, D e E".

O professor explica que o valor de um produto anunciado a prazo embute custos extras, já que toda empresa tem gastos mensais. Portanto, se ela depende apenas de pagamentos parcelados, a conta não fecha no fim do mês.

Com isso, normalmente, os negócios incluem uma antecipação financeira dos bancos, que, por sua vez, cobram taxas. E o custo dessas taxas é transferido, antecipadamente, ao valor das mercadorias. "Esse custo, em algum lugar da cadeia produtiva, foi amortizado por alguém ou foi repassado integralmente a quem está comprando", afirma Avesque.

Contestação

O presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas (FCDL-CE), Freitas Cordeiro, contesta o entendimento. "Existe uma liberdade, ninguém é criança. Se eu estou parcelando, estou tendo juro, mas não é impossível eu dar o mesmo produto e parcelar em três vezes sem cobrar juro. Posso ter desenvolvido com meu fornecedor uma campanha, um produto, que vou vender parcelado até três vezes sem cobrar juro porque meu negócio com a operadora é diferenciado, permite oferecer isso para o consumidor. O que sou contra é dizer que todo produto que for parcelado tem juro embutido", defende o empresário.

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Embora concorde que é possível não cobrar juros a prazo, o professor Christian Avesque ressalta que a medida se restringe à rede varejista de grande porte, capaz de transferir os custos logísticos e comerciais para o fornecedor. Quanto aos bancos, nestes casos, não cobrariam taxa porque financiam as operações ou os investimentos próprios dos donos, de acordo com ele.

"No grande varejo, em lojas no Centro da Cidade, por exemplo, a possibilidade de isso acontecer é zero. A matemática não fecha. Não tem como pagar as despesas operacionais hoje recebendo 70% do que vendeu com 30, 60, 90, 120 dias", sustenta.

Freitas Cordeiro também questiona o direcionamento do projeto para proteção do consumidor. "O consumidor não é tolo, ele faz as análises. Existe um elenco enorme de locais onde ele pode consultar valores e verificar onde é mais barato e mais caro".

Estratégia de mercado

O professor Avesque detalha uma estratégia de mercado usada na oferta sem juros para atrair o consumidor. "A rede varejista, ao consultar sua base de dados, principalmente nos itens de mais alto valor, já percebeu que mais de 70% das compras são parceladas. Então, ela já coloca o preço de à vista e parcelado iguais, é uma estratégia ligada à economia comportamental. Estou gerando no consumidor a ideia de que ele está parcelando em 12 vezes um produto que custa, à vista, "X". Mas, na verdade, isso é um truque", elucida. O especialista destaca, ainda, que o mercado tem direito à estratégia, e apesar de ser a favor do projeto em seu objetivo educacional, não concorda com todos os pontos da proposta, por defender a livre iniciativa.

Carga de custos

Já o presidente da FCDL lamenta o que chama de generalização provocada pela proposta. "Nós já temos que enfrentar toda uma carga de custos elevados, quando se faz qualquer campanha no sentido de melhorar, de aproximar, aí é errado, você está tentando enganar o consumidor? Isso é terrível. De antemão, está colocando todo mundo como sendo um enganador", critica Freitas Cordeiro.

'Interferência abusiva'

Também contrário ao projeto, o presidente do Sindilojas Fortaleza, Cid Alves, reforça a tese do presidente da FCDL. "É uma interferência abusiva do Poder Legislativo sobre as relações comerciais do setor privado. As operadoras de cartões de crédito têm uma taxa de juros do aluguel da maquineta que é um absurdo de caro, deviam cuidar disso. Inclusive juros por antecipação de recebíveis. Quando eles cuidarem disso, o Governo Federal, os custos vão diminuir mais ainda", enfatiza.

O entendimento é compartilhado pela diretora institucional da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado (Fecomércio-CE), Cláudia Brilhante. "A Fecomércio Ceará é contra (o projeto), uma vez que essa proposta amplia ainda mais as limitações para recuperação de crédito, porque inibe a sua oferta. Ou seja, faz com que ocorra uma indução dos bancos a aumentar o prêmio de risco exigido do conjunto de tomadores. Com isso, eles vão transferir aos credores adimplentes os ônus financeiros dos credores inadimplentes. Vamos atuar pela rejeição desse projeto quando ele voltar ao Senado", diz.

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