Com tarifaço de Trump nos EUA, quais os novos mercados que o Ceará pode conquistar para exportações?
Cadeias produtivas cearenses já vêm sendo afetadas com retração com o comércio exterior, e taxa para comercializar produtos com os EUA pode pressionar ainda mais balança comercial do Estado

O país que recebeu no ano passado 44% das exportações cearenses está dificultando as negociações na balança comercial. Entrou em vigor nesta quinta-feira (3) nos Estados Unidos uma alíquota de 10% para os produtos importados do Brasil após "tarifaço" do presidente norte-americano, Donald Trump. Com a taxação, a tendência é de que o Ceará passe a buscar novos mercados internacionais para comercializar suas mercadorias.
Os dados que apontam os Estados Unidos como o principal destino das exportações cearenses são da plataforma Comex Stat, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). A mudança acontece em meio à queda nas exportações do Estado, de acordo com informações do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece).
A busca por novos destinos para exportações tem sido uma preocupação crescente para diversas indústrias locais, como ressaltado por especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste. Um dos exemplos mais claros é o setor de pescados, que quer voltar a exportar para a União Europeia e pretende usar o Reino Unido como porta de entrada.
Com as sucessivas taxas em vigor, além dos 25% que atualmente incidem sobre o aço e o alumínio brasileiros, a tendência é de que os Estados Unidos percam participação nas exportações cearenses, e outros destinos são atualmente mais visados.
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O professor de Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (Caen/UFC), João Mário de França, acredita que essa taxação para o Brasil somente acelera algo que deve ser uma política constante de qualquer exportador: buscar ampliar a gama de mercados que recebem os produtos
"Sempre é importante ampliar a pauta de exportação e o destino desses produtos. Com exportações mais diversificadas tanto em países como em produtos, o Ceará fica menos sujeito a choques como esse vindo de uma determinada economia. Claro que é necessário possuir algum tipo de vantagem comparativa relativa nessa produção, por exemplo, de sustentabilidade ambiental, além da qualidade específica do produto", observa.
Para Augusto Fernandes, especialista em comércio exterior e CEO da JM Negócios Internacionais, a grande vantagem é o comércio com a China, na qual considera, ao lado dos Estados Unidos, o principal parceiro comercial do território cearense, além dos países integrantes da União Europeia.

Todos esses países compram produtos nossos. Não somente os calçados, mas principalmente de outros extrativismos. A cera de carnaúba, mandamos para a União Europeia, as frutas, enviamos principalmente para Ásia e União Europeia. Temos diversos produtos que abrem outros mercados. O Ceará tem a grande vantagem logística de estar próximo a esses dois mercados: está a seis dias de navio dos Estados Unidos, mas também a oito dias da Europa.
Nas exportações, 2024 foi o pior da série histórica do Ceará mapeada do Ipece, que usa o recorte desde 2018. No ano passado, o instituto registrou saldo da balança comercial (exportações x importações) cearense negativo: de — US$ 1,514 bilhão, com as importações sendo mais do que o dobro das exportações no Estado.
Diversificar produtos é essencial em busca de novos destinos
O professor do Caen/UFC aponta que o Ceará em especial precisa mapear países para além dos Estados Unidos para manter a balança comercial em um nível adequado, mas alerta para o perfil do destino das exportações.
"Novas parcerias ou a ampliação das atuais depende muito da demanda desses países por produtos específicos e do volume desejado e esse tipo de relação comercial demora algum tempo para ser conquistada e mantida", classifica.
Um dos grandes desafios do mercado exportador cearense, na avaliação de Augusto Fernandes, é que o Ceará amplie sua indústria de transformação — ainda que seja a maior comerciante com o exterior dentre os setores produtivos — e aposte em novos segmentos para além dos de maior demanda.
"Temos aço, pedras preciosas, cera de carnaúba, frutas sendo exportados e temos também produtos já elaborados: cosméticos, produtos farmacêuticos, só que em menor escala, é claro, mas a gama sempre foi ampla de produtos, só que esses produtos não fazem frente à maior escala: calçados e aços", enfatiza.
Para ambos os especialistas, a guerra comercial que pode estar prestes a ser deflagrada tende a desfavorecer nações em todo o mundo, principalmente os Estados Unidos. João Mário de França ressalta que, no curto e no médio prazo, o território norte-americano deve ser prejudicado, enquanto outros países, e isso inclui as negociações individuais do Ceará enquanto estado, podem se reorganizar no xadrez das exportações.
Isso prejudica principalmente os consumidores que devem pagar mais caro por produtos importados. Muitos analistas já projetam aumento da inflação e, num segundo momento, diminuição da atividade econômica e emprego nos EUA. Por isso, espero que no final vença o bom senso e a negociação de tal modo que o mundo não entre em uma guerra comercial.

Augusto Fernandes defende que a negociação entre o Brasil e os Estados Unidos já deva ser aberta, principalmente pela baixa tributação imposta ao território brasileiro. Ele usa como exemplo o comércio na indústria siderúrgica, que beneficia ambos os países.
"Os exportadores tendem a começar a negociar, buscar novos mercados nessa guerra comercial. Acredito também que sempre há um poder de barganha. O Brasil vai encontrar um meio para negociar essas tarifas, porque eles são grandes exportadores de carvão para nós, que servem de base dos nossos produtos. Diversos produtos da siderúrgica norte-americana vêm para o estado do Ceará", detalha.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Relações Internacionais do Estado do Ceará para entender que medidas devem ser adotadas para compensar os efeitos da taxação dos produtos nos Estados Unidos. Quando houver retorno dos questionamentos, este material será atualizado.
A Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) também foi contactada acerca dos efeitos da taxação na indústria cearense, bem como que outros mercados podem ser destino das exportações locais, porém não houve retorno de quaisquer questionamentos.