Com 1 desempregado a cada 3 profissionais, formados em História têm menor índice de ocupação do País

Os concludentes em História ainda aparecem com destaque nas pesquisas de recém-formados que não atuam na área do curso e no quesito de trabalhos que não exigem ensino superior

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Ensino de História no Brasil
Legenda: Baixa empregabilidade dos recém-formados em História é um dos percalços
Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasil

O início da vida profissional de Flávia* (nome alterado a pedido da personagem, que preferiu não se identificar) como estudante de História da Universidade Federal do Ceará (UFC) foi conturbado. Ainda na graduação, ela teve que começar a trabalhar.

"Antes de me formar eu já trabalhava como professora de História e também dava aulas particulares de todas as matérias", conta ela, acrescentando que o caminho percorrido para formados nessa graduação não é simples.

"Para conseguir ser inserido no mercado de trabalho, o caminho mais rápido é optar por ensinar em escolas particulares que, por outro lado, também dão preferência aos professores com mais anos de experiência, além de exigirem bastante trabalho "para casa", ou seja, vai muito além da carga horária que o professor disponibiliza", pontua.

Flávia se formou em História na UFC no início de 2024, e desempenha atualmente a função de educadora social em um órgão de assistência da Prefeitura de Fortaleza, fora do escopo inicialmente desenhado na graduação. Ela lamenta as chances reduzidas no mercado de trabalho.

Percebo que o profissional formado em História só passa a ser minimamente valorizado quando já possui uma pós-graduação. Infelizmente, para mim, só compensa seguir na área se for por meio de concurso, que garante estabilidade e maiores benefícios.
Flávia
Profissional formada em História, mas que não exerce o cargo da graduação

A perspectiva é a mesma para o assistente pedagógico Lucas Nascimento. Ele entrou no curso de História da Universidade Estadual do Ceará (Uece) em 2017 e permanece na graduação, com previsão de conclusão para o fim de 2024.

"Nesse período da graduação, estagiei no fórum do trabalho, trabalhei como agente escolar numa escola da prefeitura e como auxiliar de coordenação numa escola privada", enumera.

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Antes mesmo de concluir a graduação, Lucas começou a trabalhar de carteira assinada como assistente pedagógico em uma escola particular de Fortaleza, cargo que atualmente exerce. Para ele, seguir a carreira na História, principalmente como professor, é um caminho "bem difícil".

"Acredito que a maior dificuldade enfrentada é a baixa oferta de vagas para professor na área. Quando são ofertadas, as escolas sempre pedem no mínimo seis meses de experiência, e estão raramente dispostas a dar oportunidade aos recém formados ou concludentes. É bem difícil um recém-formado em História se inserir no mercado de trabalho, a não ser passar num concurso público. Assim, acabamos indo para áreas correlatas no mercado", reclama Lucas Nascimento.

Panorama complicado

As experiências vividas por Flávia e Lucas não são individuais para os profissionais formados em História. As dificuldades em achar trabalho pouco tempo após concluir a graduação são percebidas por diversos concludentes não só no Ceará, mas também no Brasil.

Os dados do Instituto Semesp, divulgados neste ano, apontam que os formados em História são os campeões de desemprego no País. De acordo com a pesquisa, 31,6% dos recém-formados nesta graduação não exercem nenhuma atividade remunerada. O cenário é similar ao da enfermagem.

O valor representa quase um em cada três dos formados nos 564 cursos de História existentes até 2023 no País, presenciais e à distância, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão vinculado ao Ministério da Educação.

Na ponta oposta, na relação entre cursos com maior empregabilidade entre os formados, está a Medicina. Segundo o estudo, 92% de todos os egressos da graduação estão empregados na área. Farmácia (80,4%) aparece em segundo lugar, e Odontologia (78,8%) em terceiro.

Os concludentes em História ainda aparecem com destaque nas pesquisas de recém-formados que não atuam na área do curso (36,8%) e no quesito de trabalhos que não exigem ensino superior (10,5%).

Baixa disponibilidade e pouca oferta de empregos explicam cenário

No Ceará, as graduações em História somam somente nove cursos espalhados em sete cidades: Crateús, Crato, Limoeiro do Norte, Quixadá, Redenção e Fortaleza e Sobral (dois cursos cada).

Com exceção de um centro universitário em Sobral, as demais ofertas são em instituições públicas, como UFC, Uece, Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e Universidade Regional do Cariri (Urca).

Por ser um curso essencialmente voltado para a formação de professores (no caso das licenciaturas, que dominam a quantidade de vagas no País), a dificuldade em empregar recém-formados pode elucidar a questão.

É o que explica P.A. Damasceno, professor e mestre em ensino de História. Ele exemplifica o fato relembrando o próprio período em que iniciou a graduação no curso, em 2003, quando 50 alunos entraram na Uece na turma do início do ano.

Universidade Estadual do Ceará (Uece)
Legenda: Uece é a universidade que tem o maior número de cursos de História ofertados no Ceará: cinco ao todo
Foto: Uece/Divulgação

"No meu semestre na faculdade, eram 50 alunos. Acredito que dos 50, tenhamos quatro dando aula, menos de 10%. Vários passaram em concurso, ou continuaram na vida acadêmica buscando uma remuneração maior, ou foram para outras áreas porque não conseguiram encaixe na sala de aula imediatamente e buscaram uma forma de remuneração mais rápida e se encaixaram em diferentes nichos de mercado", pondera.

Para ele, os dados podem dar uma "falsa percepção" justamente pelo desequilíbrio entre quantidade de profissionais que não atuam na área da História e a falta crescente de trabalhadores para o cargo.

O aluno que faz o curso de História tem a ver com a percepção social da docência. Não se tem muitos grupos buscando o ensino como opção de mercado, inclusive isso é um gargalo que vai estrangular em pouco tempo, não vão ter professores. Essa realidade parece destoar dos números. Como os profissionais não conseguem ocupação e vai faltar professor?
P.A Damasceno
Professor e mestre em ensino de História

Necessidade de sobrevivência

Assim como Flávia e Lucas Nascimento, P.A. Damasceno argumenta que muitos estudantes de História acabam atrasando a graduação por entrarem, logo nos semestres iniciais, em alguma atividade relacionada. Isso acontece principalmente em busca do próprio sustento.

"Antes de dar aula, passei muito tempo na universidade e fui para o comércio, precisava de algo que me desse dinheiro. Quando consegui me estruturar, foi que eu pude me dedicar a procurar uma sala de aula e daí começar a trabalhar. Cursos de docência demoram muito para ser concluídos porque se começa a dar aula e vai atrasando. Há esse paradoxo entre o profissional de sala de aula e o estudante", reflete

"A pessoa que consegue se formar no tempo certo, quando se forma, está disputando com quem começou a dar aula no segundo semestre de curso para sobreviver. Essa pessoa que está dando aula não consegue se formar no tempo correto e quem se formou não consegue a vaga de imediato porque está ocupada muitas vezes por esse profissional que precisou ganhar dinheiro antes da formação completa", completa o professor.

Principalmente no caso de licenciatura em História, "a ocupação em sala de aula é sazonal", como explica o docente. Em geral, a janela de contratação para professores é sempre entre o fim e o início do período letivo, entre dezembro e janeiro, o que deixa por muitas vezes o recém-formado sem emprego de imediato: "A pessoa sai da faculdade e nem sempre consegue se inserir", diz.

Professor de História
Legenda: Cursar História no Brasil e empregabilidade no mercado de trabalho são percalços
Foto: Shutterstock

P.A. Damasceno ainda observa que o curso de História é realizado pelo "aluno que tem paixão de conteúdo", que não necessariamente enxerga na graduação uma possibilidade real de sustento imediato, mas sim de desenvolvimento de questões socioeconômicas propiciadas por uma rede de apoio familiar que garanta um porto seguro.

O aluno que faz História geralmente tem capacidade de sustento por mais tempo na vida acadêmica. Ele termina e vai se preparar para fazer uma pós-graduação porque tem uma situação remuneratória mais estruturada. Tem alguém da família que tem condição de mantê-lo até ele conseguir uma vaga que se enxerga com mais status.
P.A Damasceno
Professor e mestre em ensino de História

"Tem também aquela pessoa de periferia que consegue acesso à universidade, mas muitas vezes não tem uma estrutura econômica que lhe dê sustento e ele vai precisar se manter. Antes de encontrar algo na área, ela sai e vai trabalhar", define.

 

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