Governo do Ceará deverá comprar mel beneficiado por valor superior ao pago pelos Estados Unidos
Governo usará o mel cearense na merenda escolar
As próximas safras de mel produzidas no Ceará, que seriam exportadas para os Estados Unidos, serão destinadas à merenda da rede estadual de ensino cearense. A medida tem o objetivo de mitigar os impactos do tarifaço de Trump sobre o setor, que exporta 95% de sua produção para os EUA.
Segundo Joventino Neto, presidente da Federação dos Apicultores do Estado (Fecap), o governo negociará o preço do mel conforme a tabela da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que atualmente fixa o valor médio de R$ 61,50 pelo quilo do mel em sachê, bem superior aos R$ 16 pagos pelo mel in natura no mercado norte-americano.
Ou seja, o Ceará poderá pagar quase 3,84 vezes mais pelo mel produzido localmente do que os estadunidenses. Vale frisar, contudo, que são dois tipos de mercadorias: uma já beneficiada e a outra não. O mel negociado para exportação é somente o in natura, beneficiado nos Estados Unidos.
Em entrevista por telefone, na última quinta-feira (14), Marcos Jacinto, secretário-executivo da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), confirmou que o Estado deverá seguir os valores estabelecidos pela Conab.
No entanto, ele pondera que a negociação ainda segue entre a pasta e o setor produtivo. “Está em construção uma estratégia de compra pelo Governo do Ceará e que, quando efetivada, o preço será definido pelo devido processo licitatório”, esclarece.
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O presidente da Fecap também pondera que, mesmo com uma possível renegociação entre o Governo do Ceará e o setor apícola, o preço a ser praticado para a compra de um quilo de mel deverá variar entre R$ 40/kg e R$ 45/kg, mais que o dobro do valor médio de R$ 16 pago pelas exportações.
Esclarecimento da SDA
Após a publicação desta matéria, a SDA reforçou que ainda não foi definido o valor do mel a ser adquirido para a merenda da rede pública estadual de ensino.
"O Governo do Estado, ciente das perdas enfrentadas pelos produtores após o tarifário imposto pelos Estados Unidos, informa que, nos próximos dias, continuará a dialogar com representantes da cadeia produtiva para negociar e definir um preço médio justo para a aquisição do mel e de outros gêneros alimentícios afetados pelo tarifaço", disse, em nota.
A pasta acrescentou que os valores informados pelo secretário executivo são valores médios praticados atualmente no mercado e que o mel in natura e o mel beneficiado têm valores distintos por conta do processo de fracionamento, embalagem e rotulagem certificada, etapas inerentes ao processo de beneficiamento.
"Portanto, nos próximos dias será lançado o edital de credenciamento das empresas exportadoras afetadas pelo tarifaço e anunciados os valores de aquisição dos gêneros alimentícios", finalizou.
Apenas as próximas safras são negociadas com o governo
Já as safras anteriores haviam sido compradas pelos Estados Unidos. Por isso, os produtores cearenses precisaram renegociar diretamente com os importadores.
Após o tarifaço, o preço do quilo do mel vendido para os Estados Unidos caiu de R$ 16 para R$ 14, uma redução de 12,5%.
Segundo Joventino, em alguns casos, o valor chegou a cair para R$ 12, reduzindo o lucro do mercado local em 25%.
"Quando o mel baixa o preço, os apicultores mais organizados param de vender", observa.
No entanto, os produtos já negociados com o mercado estadunidense continuam sendo exportados normalmente, embora com a redução das margens de lucro.
Qual a quantidade e o tipo de mel que será comprado para a merenda escolar?
Segundo o secretário-executivo da SDA, Marcos Jacinto, atualmente o Governo do Estado não compra mel, mas a aquisição deve começar a incluir, ainda que de forma emergencial, pelo menos 16 mil toneladas mensais do produto na merenda escolar, levando em conta a inclusão semanal do alimento.
O Governo do Estado irá adquirir mel das próximas safras, produzidas pelas abelhas a partir das floradas de setembro e outubro.
Segundo o secretário, a negociação prevê o fornecimento de mel em sachê, que será distribuído diretamente das indústrias para a rede estadual de ensino.
Após o tarifaço, os EUA reduziram as compras de mel no Ceará
Joventino, presidente da Fecap, destaca que, devido ao tarifaço, "os EUA pararam de comprar nosso mel". Ele explica que isso está acontecendo desde 7 de agosto, quando a sobretaxação entrou em vigor.
Com isso, os estadunidenses estão buscando outros mercados, como o japonês, para manter a oferta do produto, mas com um preço naturalmente mais baixo.
Remanejamento para o mercado interno deve aumentar lucros dos produtores no Ceará
Apesar dos desafios, Joventino Neto enxerga o momento como uma oportunidade. Para ele, caso a compra de mel pelo Governo do Estado se torne uma política permanente, os preços pagos pelo produto no mercado local serão muito superiores aos das exportações.
Se conseguirmos colocar mel pelo menos um dia na semana na merenda escolar, em um ano, vamos absorver quase toda a produção de mel do Ceará, ou seja, vai obrigar os atravessadores de exportação a pagar melhor para quem está na base, no caso os pequenos apicultores.
O secretário Marcos Jacinto, no entanto, deixa claro que se trata de uma medida emergencial e com prazo determinado para atuação e condiciona o fim da compra do mel de abelha cearense à renegociação das tarifas junto aos Estados Unidos.
"O Estado entra apoiando o setor produtivo com as medidas emergenciais. Não necessariamente vai durar para sempre. Se em algum momento a gente reequilibra essa relação com os EUA, o próprio mercado vai conduzindo as relações", explica.
Essa compra do mel deve ser uma das abordagens que devem constar em um edital a ser lançado pelo Governo do Ceará na próxima semana. Segundo Chagas Vieira, secretário-executivo da Casa Civil do Estado, uma licitação será publicada para comprar produtos das empresas exportadoras cearenses afetadas pelo tarifaço.
Como funciona a produção de mel no Ceará?
Nos últimos dados disponibilizados da produção apícola no Ceará, de 2023, o Estado é o quinto maior produtor de mel de abelha do País, produzindo pouco mais de 5,7 mil toneladas.
As informações constam na Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM), divulgada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Desse total, o Comex Stat aponta que 1,8 mil toneladas foram para os Estados Unidos, ou seja, o país norte-americano absorveu 31,8% da produção cearense de mel de abelha em 2023.
Conforme analisa Joventino Neto, antes mesmo do tarifaço, a maior parte da produção de mel do Ceará já ficava no mercado interno, uma vez que praticamente todo o volume de exportação do produto tinha como destino os Estados Unidos.
Os apicultores, dessa forma, em detrimento das exportações, vendiam boa parte da produção para a Conab a um preço muito superior ao praticado para a venda ao exterior, aproximadamente a R$ 60/kg, o que aumentava, antes do tarifaço, as margens de lucro dos produtores cearenses.