Falta d’água e de distanciamento: vistoria aponta falhas em medidas sanitárias em escolas municipais

Estruturas inadequadas para volta às aulas presenciais em Fortaleza foram identificadas em visitas do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos

Legenda: Falta de ventilação adequada foi um dos problemas identificados pelas vistorias nas escolas municipais de Fortaleza
Foto: Divulgação/CEDDH

Estudantes cearenses vivem, desde 2020, a expectativa pela volta às aulas presenciais. Mas na rede pública municipal a alternativa não é a mais segura, segundo relatório do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (CEDDH), divulgado nesta terça (29).

O grupo realizou vistorias em 42 das 581 instituições municipais de Fortaleza, verificando principalmente pontos relacionados às condições de infraestrutura, acessibilidade e de acesso à água para retorno dos alunos. No total, 467 salas de aula foram visitadas.

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De acordo com o relatório, 10% das escolas visitadas “informaram ter problemas de acesso à água, uma delas desde o final de 2020”. Um em cada cinco banheiros (21%) avaliados pelo Conselho tinha estrutura considerada “inadequada”, com louças quebradas ou espaço insuficiente para garantir o distanciamento físico de 1,5 metro.

Marina Araújo, membro do CEDDH e integrante do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca), alerta que o tamanho da amostra de escolas visitadas não diminui a gravidade do cenário.

“Vemos que nesse universo pequeno em relação ao total de escolas o problema de falta d’água ainda existe. Se a gente replicar esses 10% no total de instituições, seriam muito mais escolas afetadas”, estima.

Falta de ventilação gera insegurança

Outro problema identificado na vistoria foi a falta de circulação adequada de ar nas salas de aula, “um dos principais requisitos do protocolo contra disseminação da Covid-19”, como cita Marina.

Há um universo de escolas diferentes entre si, e isso precisa ser considerado. Vimos prédios que eram casas e foram adaptados para serem escolas. Das 42, 31% não têm condições de circulação de ar.
Marina Araújo
Conselheira do CEDDH

As condições incluem “janelas ou cobogós pequenos ou na mesma parede da porta, falta de aberturas nas paredes para entrada e janelas que não podem ser abertas”. Conforme o CEDDH, “só 17 das 42  instituições possuíam salas de aula com janelas”.

A avaliação durante as visitas contou com o aporte de conhecimento técnico da professora Zilsa Maria Pinto Santiago, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC). 

Escolas não são vinculadas a unidades de saúde

A “falta de fluxo definido entre escola, unidade de saúde e Prefeitura” foi outra questão apontada pelo relatório do Conselho: 55% delas não possuem vínculo como a atenção básica em saúde. 

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Marina Araújo explica que essa comunicação é importante para monitoramento da segurança sanitária contra a Covid-19 em cada instituição, “garantir a testagem de casos suspeitos, para dar atendimento em caso de infecção e rastrear surtos”.

A escola precisa ter dados para mostrar que não está sendo um vetor a mais à transmissão comunitária da doença. Mas mais da metade não foram orientadas quanto a isso.

Conselho defende 'retorno presencial seguro'

O monitoramento nas 42 escolas foi realizado com o intuito de “avaliar e propor soluções” para garantir uma volta segura às aulas presenciais – ação que, segundo a assessora técnica do Cedeca, é defendida pelo CEDDH.

“Defendemos o ensino presencial como um modelo para garantir a igualdade de condições de acesso e permanência na escola, desde que de forma segura. O ensino remoto, como está, agrava desigualdades sociais e viola o direito à educação para muitas crianças e adolescentes”, lamenta.

Para Idevaldo Bodião, professor do Centro de Educação da Universidade Estadual do Ceará (Uece), os governos municipal e estadual falharam ao atrasar a reestruturação das escolas públicas para as aulas pós-pandemia.

Em junho de 2020, já havia sinais claros de que o retorno, fosse quando fosse, seria sob a sombra da pandemia. Um gestor responsável teria iniciado obras que permitissem acolher os estudantes com segurança sanitária.
Idevaldo Bodião
Doutor em Educação

O docente também chama atenção para outro ponto do relatório elaborado pelo CEDDH: as escolas visitadas estão entre as 213 que deveriam ter sido requalificadas pela Prefeitura de Fortaleza. Em 142 delas, as obras sequer começaram.

A reestruturação estava prevista em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em agosto de 2018 entre a gestão municipal e o Ministério Público do Estado (MPCE). O prazo para finalização das obras era 2020, mas foi estendido para 2021.

Questionada sobre o relatório do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, a Secretaria Municipal de Educação (SME) não respondeu diretamente sobre a vistoria, mas informou que "todas as 581 unidades escolares da Rede Municipal foram analisadas e passaram por adequação para adaptação da estrutura, de acordo com o protocolo sanitário de prevenção à Covid, que inclui, por exemplo, instalação de lavatórios e abertura de passagem e melhor circulação de ar".

Ainda segundo o órgão 538 unidades já estão aptas a receber os alunos e profissionais e as outras 43 escolas estão passando "por intervenções estruturais mais complexas e que devem ser concluídas até agosto próximo". ASME destacou ainda que  "as ações e intervenções voltadas para adequação e requalificação das unidades da Rede Municipal são acompanhadas pelo Ministério Público do Ceará, por meio da realização de reuniões bimestrais, assim como por visitas realizadas recentemente às escolas, em parceria com a Defensoria Pública do Estado".

A reportagem também procurou, via e-mail, o MPCE, mas ainda não obteve resposta até esta publicação.

Reorganização do currículo escolar

Bodião também é enfático ao afirmar que, além de adaptações de espaço físico, é indispensável uma “reorganização curricular completa”, a fim de mitigar, aos poucos, os prejuízos pedagógicos causados pelo período pandêmico.

O doutor em Educação alerta que, para garantir o ensino híbrido, as redes públicas municipal e estadual “precisarão contratar mais professores, para ter um mecanismo que dê conta das crianças e adolescentes que voltarão às salas de aula e das que não estarão”.

A prioridade na fila de retorno ao presencial, aliás, como avalia o professor, deve ser dos estudantes que ficaram sem acesso às atividades remotas.

Para colocar em dias as perdas de 2020 inteiro e do primeiro semestre de 2021, precisaríamos reordenar os calendários escolares nos próximos dois ou três anos, no sentido de abarcarmos as perdas.


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