É preciso maior capacitação para 'lidar' com aplicativos de delivery

Conhecer detalhes do mercado e controlar gastos pode ajudar donos de bares e restaurantes ao lidar com marketplaces digitais. Apesar de complicado, mercado ainda oferece tendências, como as dark kitchens

Escrito por Redação ,
Legenda: Dark kitchen é o conceito que reúne em uma mesma cozinha mais de um restaurante

Se preparar apropriadamente para gerir um negócio no ramo de alimentação e delivery é definidor para ter bons resultados neste mercado. Semanas após pequenos e médios empresários relatarem problemas de cobrança indevida pelo Ifood, as dark kitchens, junção em uma única cozinha de restaurantes diferentes, aparecem como tendência no mercado local. Mas, antes de montar um negócio, se preparar para fazer um controle de gastos é essencial para o sucesso das marcas, apontam especialistas.

Tiago Diógenes, diretor do Grupo Menu Brands, é um dos empresários que desenvolveu um modelo de negócios baseado na interação de várias marcas dentro de um mesmo ambiente. Ao todo, nove restaurantes diferentes, com cardápios distintos - apesar de fazerem parte do mesmo grupo - operam dentro da mesma cozinha em Fortaleza.

O foco é trabalhar apenas com entregas para gerar um bom volume de operações. Mas para atingir bons resultados, Diógenes comentou que é preciso ter bastante conhecimento dos detalhes do ramo de alimentação, além de fazer um bom controle de gastos. "É muito importante se capacitar e buscar informações sobre as condições do ramo. Hoje, as barreiras de entrada são baixas e você tem muitos espaços de venda. Então, é preciso conhecer bastante sobre os detalhes do mercado", disse Diógenes.

Faturamento e ganhos

"A ideia é trabalhar com 'business intelligence'. O restaurante pode estar vendendo o dobro ou triplo, mas perdendo o dobro ou triplo. Faturamento não é fator de sucesso, é análise de gasto, e controle de resultado porque a conta pode não fechar no final", completou. Fazer um controle de caixa e fluxo de insumos em um restaurante são pontos importantíssimos, defendeu ele.

Para se adaptar à realidade do mercado digital, o Menu Brands passou a investir no ramo de tecnologia e controle de processos. O grupo contratou um engenheiro civil especializado em trânsito para organizar o fluxo de entregas dos pedidos e mais um engenheiro de produção para digitalizar todos os processos feitos à mão.

Problemas

No final de fevereiro deste ano, um grupo de cerca de 40 empresários se organizou em Fortaleza reportando os mesmos problemas registrados referentes às operações com o iFood. Os problemas começaram quando o app ofereceu a vários uma nova modalidade de compras, chamada DFN. Pelo contrato, o iFood adiantaria o pagamento de um grande número de pratos vendidos pelo restaurante, mas sob um valor bem menor. A ideia era conseguir oferecer preços promocionais aos clientes a partir da compra por escala.

Na primeira negociação, nenhum problema foi identificado na metodologia. Mas as surpresas começaram a aparecer depois do terceiro ou quarto contrato firmado. De acordo com os empresários, o iFood passou a adiantar apenas parte do valor negociado. E caso os pratos não fossem vendidos na totalidade, a diferença era cobrada pelo aplicativo do sistema de balanço compartilhado com o restaurante, como uma conta bancária.

"Na primeira semana de dezembro apareceu um débito de R$ 31 mil, que é o valor exato do adiantamento que eles deveriam ter pago para gente. E, segundo os meus números, o débito passou a ser mais de R$ 60 mil. Eu tinha onze funcionários, e sete era em função do iFood", disse Lílian Falcão, dona do Bar Bolacha Mágica, na Aldeota.

Lílian contou que o bar e restaurante dela teve de fechar. A decisão foi tomada após ela ser informada pelo aplicativo de que estava com uma dívida de mais de R$ 31 mil após semanas aderir ao DFN.

Transparência

O caso é semelhante a vários outros donos de restaurantes ouvidos pela reportagem. Apesar da situação parecer simples, os empresários relataram que faltava transparência do iFood nos contratos fechados com os estabelecimentos.

Um dos principais pontos de reclamação dos empresários cearenses é de que o número de pratos vendidos pelo programa de promoção não era informado, assim como a razão do débito também não era. Paulo Davidson, dono da Pizzaria do Rei, no bairro Jardim das Oliveiras, reportou um débito de mais de R$ 37 mil. Ao tentar contato com a gestão do aplicativo , no entanto, ela relata que vários dos chamados abertos por ele foram finalizados pelo iFood sem respostas conclusivas. Uma das possíveis explicações, segundo Paulo, era uma cobrança que não deveria ter sido feita pelo iFood.

"Eles compraram 112 das nossas pizzas, e venderam muito rápido. Tudo, deu mais de R$ 10 mil, e eles não cobravam taxa de entrega ou a comissão normal em cima dessas promoções. Eu vendia muito. Mas depois, com novos contratos, de R$ 12 mil eu só recebia R$ 4 mil, por conta da taxa de entrega e os 27% de comissão e taxa mensal do iFood, que disseram que não iam cobrar", explica Paulo.

Condutas erradas da plataforma e das empresas

O diretor executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Taiene Righetto contou que foram identificados vários erros por parte do iFood na gestão das contas dos restaurantes cearenses. Mas também falou que foi constatado, em alguns casos, desconhecimento por parte dos empresários locais ao fecharem o contrato com a plataforma.

"Tem os dois casos: de abuso do iFood, mas nada ilegal e de desconhecimento por parte dos empresários. Eles estavam fazendo uma parceria bacana e explorando o empresário, mas detectamos alguns erros do iFood também quanto à cobrança", revelou Righetto.

Por conta desses desencontros que Tiago Diógenes, do Menu Brands, reforçou tanto a questão da capacitação e do entendimento dos detalhes do mercado. Ele contou que analisou as promoções mais recentes oferecidas pelo app de delivery antes de aceitar as ofertas de entrada.

O dono da Menu Brands, contudo, destacou que o patamar já atingido pela empresa no mercado lhe dá mais condições nas negociações com marketplaces digitais.

"Eu não tenho problema nenhum com market place porque a gente foge do long tail (cauda longa, tradução livre do termo, diz respeito à possibilidade de aumentar as vendas de itens muito específicos, favorecendo a comercialização daquilo que não é tão popular) e negocia direto com a equipe de São Paulo. Conseguimos esse espaço pelo volume que conquistamos. Em contrapartida, eu converso com shoppings e eles nem sabem quem eu sou", disse.

Consultado, o iFood disse que, por se tratar de uma nova promoção, algumas dúvidas poderiam estar surgindo entre os empresários cearenses. Entretanto, a empresa afirmou que está trabalhando para solucionar os problemas, pedindo que as pessoas que encontraram problemas no balanço financeiro nos últimos meses entrem em contato pelo canal próprio para os parceiros do aplicativo.

"O iFood esclarece que as ações promocionais mencionadas foram previamente acordadas entre a empresa e restaurante. Por se tratar de um formato novo, é possível que surjam dúvidas e que sejam necessários ajustes ao longo de sua implantação. A empresa reforça que zela pela sua relação com os parceiros e se compromete a analisar caso a caso para tomar as medidas cabíveis, dando as devolutivas por meio dos canais oficiais", detalha, em nota, a plataforma de entregas.

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