Avó costura traje de proteção para abraçar neto após mais de dois meses sem contato presencial

Sobrevivente de duas pneumonias e um câncer de mama, Socorro Rebelo, 60 anos, segue evitando contatos com o mundo exterior por estar no grupo de risco da Covid-19

Escrito por Redação ,
Legenda: Para Daniel, 7 anos, o contato físico foi a ausência mais sentida da avó, por isso, ficou muito feliz quando pôde vestir o traje costurado por ela
Foto: Arquivo Pessoal

Os momentos compartilhados entre o pequeno Daniel, 7 anos, e a avó Socorro Rebelo, 60 anos, eram marcados por diversão e companheirismo. Durante as tardes, havia a pausa para o café; o almoço era tempo de cozinhar purê de abóbora, comida preferida do neto, e, em qualquer tempo livre, sempre tinha espaço para leituras em voz alta. Com a pandemia, toda a proximidade e a troca de afetos precisou ser suspensa devido ao risco de contaminação da doença

Em junho, Socorro costurou a possibilidade de reencontro entre eles. Após mais de dois meses sem ter contato presencial com o único neto, surgiu a ideia de confeccionar um traje de proteção para a criança. Produzir o macacão verde amarelo, similar a uma fantasia de palhaço, foi a maneira encontrada pela avó de encontrar o neto com segurança. A roupa protegia o corpo todo da criança, dos pulsos aos tornozelos, enquanto o "capacete", cobria o rosto e evitava a troca de contato direto com o ar.

A escritora, sobrevivente de um câncer de mama, em 2017, e de duas pneumonias no ano passado, tentava estar segura apesar de se enquadrar no grupo de risco. 

“No São João, eu tinha feito um macacão de palhaço para ele. Já tinha um short e uma camiseta aqui em casa como modelo. Então, cortei, falei com o meu filho e pedi para ele vestir o Daniel com a roupinha”, explica. Quando o reencontro aconteceu, Socorro não conseguiu conter a emoção.

"Foi a maior festa. Eu fiquei tão feliz. Ele é apaixonado aqui por casa. Ficava perguntando sempre quando ia poder vir aqui novamente”, compartilha.

Segundo a mãe de Daniel, Renata Caldas, 33 anos, o filho sempre foi muito apegado aos avós. Quando explicou que ele não poderia mais visitar os familiares como antes, devido ao coronavírus, a criança ficou muito triste. 

“Ele chorava, dizia que estava com saudade. Quando ela teve ideia. Ele ficou muito entusiasmado, tanto pelo figurino colorido, como por vê-la, poder abraçar. Para ele foi só alegria mesmo, coisa que só criança mesmo consegue expressar”, afirma a mãe.

Parceria

Socorro nunca foi avó de fazer todas as vontades. Para ela, é importante estimular o crescimento, a força e a sabedoria da criança. Dentro de sua casa, os livros são os únicos presentes possíveis de serem dados fora de época. Escritora, sempre buscou compartilhar essa paixão com o neto. 

“Eu não sei se é por ser tão exigente, mas ele gosta de estar ao meu lado, é apaixonado por mim. Durante essa pandemia ele sempre diz que quer vir me ver”, comenta a avó. Com a distância, a suspensão dos carinhos foi ainda mais difícil de lidar do que o medo, segundo a escritora.

“Nosso café da tarde era imprescindível. Ele é apaixonado por café. Vinha e dormia aqui comigo. O afastar dele foi mais complicado do que qualquer um do outro. Ele perguntava sempre quando o coronavírus ia embora”, acrescenta Socorro.

Após a confecção do traje e o acalento do abraço, a perspectiva de estar próximo, tomando café juntos, abraçados e rindo um com o outro, a anima. 

Abraços

Da mesma forma que a escritora, Aline Joca, mãe de Miguel, de 5 anos, criou uma capa para impedir a transmissão do coronavírus. Dessa forma, o reencontro entre a criança e o avô, José Joca, 74, foi possível após três meses de isolamento social. O senhor, que mora sozinho em Fortaleza, não conseguiu conter a emoção ao reencontrar o único neto.

Na metade de junho, enquanto José descia as escadas, a criança o aguardou próximo da entrada, com uma plaquinha dizendo que amava o avô. “Vovô tava com saudades. Tá todo bonito!”, declarou, ao abraçar o único neto após mais de 60 dias de solidão. 

Precauções

Conforme o médico infectologista pediátrico, Robério Leite, é preciso avaliar se a barreira construída é segura, principalmente se o vírus for do tipo com transmissão aérea. “Do ponto de vista de infecção, vai depender muito de como isso é feito e como é essa proteção”, aponta, lembrando que ainda não se tem total ciência do funcionamento comportamental do novo coronavírus.

Na perspectiva da médica Luana Costa, a desinfecção total da capa não pode ser garantida. Mesmo com todos os cuidados, há o risco de contaminação e transmissão, sendo importante evitar esse tipo de contato direto. “É uma atitude linda e emocionante de se ver, mas não é isenta de riscos. Então, não acho válido indicar”, finaliza.

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