Primeiro livro de Monteiro Lobato para o público infanto-juvenil completa um século de existência

Com "A Menina do Narizinho Arrebitado", autor iniciou universo do Sítio do Picapau Amarelo

Escrito por Redação ,
Centenário de
Legenda: Centenário de "A Menina do Narizinho Arrebitado" chega em um momento pelo qual a escrita de Monteiro Lobato atravessa profunda análise e revisão crítica
Foto: Lincoln Souza

A jornada de Monteiro Lobato (1882-1948) no mercado editorial seguia efervescente no fim dos anos 1910. No posto de editor, credita-se ao paulista de Taubaté a contribuição para um novo período na produção gráfica nacional. O objeto livro chegava às mãos do leitor com projetos visuais bem robustos e caprichados.

Esse intervalo na carreira de Lobato (entre 1918 e 1925) foi tema de pesquisa da jornalista e doutora em teoria e história literária, Cilza Carla Bignotto. Em "Figuras de autor, figuras de editor - As práticas editoriais de Monteiro Lobato", a estudiosa ilumina os métodos, estratégias e processos, muitos deles inovadores para o território editorial exercido naquele instante.

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Dois anos após publicar "Urupês" (1918), Lobato deu o passo inicial na construção da fama enquanto patrono da literatura infantil brasileira. Em dezembro de 1920, ele assina "A Menina do Narizinho Arrebitado", sua primeira obra voltada para o público infantil.

Publicado pela "Monteiro Lobato e Cia/Revista do Brasil", o material reunia 43 páginas. Era cartonado e vinha no formato de 29 cm x 22 cm, como descreve a pesquisadora Caroline Elizabeth Brero, na dissertação "A recepção crítica das obras A Menina do Narizinho Arrebitado (1920) e Narizinho Arrebitado (1921)", de 2003.

De cara, conhecemos personagens importantes ao universo do Sítio do Picapau Amarelo. Ponto de partida para as inúmeras narrativas vividas no Sítio, o trabalho apresentou a pequena Lúcia, a Narizinho. A trama ainda introduz a avó da criança, uma senhora com mais de 70 anos. Conhecemos também Tia Anastácia e a boneca de pano batizada como Emília. Detalhe: aqui ela ainda não falava.

Construção

O texto de "A Menina do Narizinho Arrebitado" remete ao conto infantil escrito por Lobato, intitulado "A História do Peixinho que Morreu Afogado". O trabalho foi ilustrado por Voltolino, pseudônimo de João Paulo Lemmo Lemmi (1884 - 1926). O artista era colaborador da revista "O Malho" e criador do personagem Juò Bananére.

Nos fundos do sítio passa um ribeirão. Naquelas margens, Lúcia costuma tirar uma soneca na companhia da inseparável Emília. Certo dia, ela acorda e vê um peixe e um inseto conversando em cima de seu rosto. São, respectivamente, o Doutor Caramujo e o Príncipe Escamado, do Reino das Águas Claras. A partir daí, Narizinho e sua boneca partem para desbravar o tal reino e testemunhar várias aventuras.

Obras do paulista ingressaram em domínio público a partir do dia 1º de janeiro de 2019
Legenda: Obras do paulista ingressaram em domínio público a partir do dia 1º de janeiro de 2019
Foto: Lincoln Souza

Em 1931, os primeiros livros da série foram compilados na obra "Reinações de Narizinho". "A menina do nariz arrebitado é uma obra emblemática, tanto por ser a primeira da série - um divisor de águas na história da literatura para crianças no Brasil - quanto por representar um impulso na difusão do livro e na própria indústria editorial do País", descreve matéria da Biblioteca Nacional que divulga a Série Documentos Literários.

Com apoio da Divisão de Manuscritos, a Biblioteca disponibilizou "A Menina do Narizinho Arrebitado" no formato digitalizado para a Brasiliana de Literatura Infantil e Juvenil.

Readaptação

O centenário de "A Menina do Narizinho Arrebitado" chega em um momento pelo qual a escrita de Monteiro Lobato atravessa profunda análise e revisão crítica. O conteúdo considerado racista de trechos da série Sítio do Picapau Amarelo coloca o autor à luz do debate. Em outra perspectiva, as obras do paulista ingressaram em domínio público a partir do dia 1º de janeiro de 2019.

"Quando a obra ingressa no domínio público, qualquer pessoa pode utilizá-la, fazer adaptações, traduzir, veicular, imprimir, ou seja, fazer qualquer tipo de uso econômico sem ter de pedir autorização prévia para o autor ou titular de direitos", explicou, à época, a diretora da Secretaria de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual da Secretaria Especial da Cultura do Ministério da Cidadania, Carolina Panzolini.

Na prática, as obras de Lobato agora podem ser livremente exploradas comercialmente. Com isso, duas franquias com bastante influência e carinho entre as crianças seguem unidas. Mauricio de Souza comprou a ideia de readaptar e ilustrar as histórias escritas ainda nos anos 1920. Lúcia, a menina do narizinho arrebitado, é a Magali. Emília é a Mônica.

A Editora Girassol optou por fazer uma adaptação preocupada em retirar os pontos negativos do texto original. A tarefa ficou ao cargo da pesquisadora e historiadora de literatura infantil Regina Zilberman. O primeiro volume a chegar ao mercado foi justamente o título "Reinações de Narizinho", que vendeu mais de 20 mil exemplares.

O sucesso garantiu a sequência "Monteiro Lobato: O Sítio do Picapau Amarelo". Em março último, foi a vez de "Caçadas de Pedrinho" ganhar versão "suavizada". A narrativa abraça questões peculiares como o desmatamento da Floresta Amazônica, tema distante ao tempo em que Monteiro Lobato produzia.