Músico cearense transforma histórias de vida em música por encomenda

A criação virou um projeto tocado por Wesdley Vasconcelos. Do nascimento ao luto das pessoas, ele fez um apanhado das canções e agora lança um “box virtual” com três discos

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@svm.com.br
Legenda: O músico reuniu cerca de 70 canções para os álbuns, extraídas do repertório encomendado pela clientela
Foto: Naiana Gomes/Júlio Caesar

Qualquer ouvinte já acompanhou uma canção e “chamou de sua”. Ao longo dessa existência, a gente ouve música e identifica fases, sentimentos e jornadas inteiras de vida nas letras do cancioneiro. Para o músico cearense Wesdley Vasconcelos, criar essa atmosfera virou profissão. À frente do projeto Fábrica de Canções, ele recebe encomendas de pessoas a fim de eternizar momentos importantes em forma de música.  

“Dar uma canção para alguém é mais do que registrar suas memórias afetivas numa obra artística, mas também é criar novas memórias a partir daquela música que nasceu. É uma forma perene de dizer que se ama alguém”, observa Wesdley. 

A rotina com os pedidos levou Wesdley a colecionar um repertório diverso de histórias baseadas na trajetória dos clientes. E boa parte das músicas agora dá corpo a um box virtual de três álbuns, intitulado “Permanência e Movimento”. O primeiro disco, “Recomeçar”, será lançado já nesta quinta (11). Na sequência, “Manifesto do Tempo” e o terceiro álbum - cujo nome é o mesmo da trilogia - sairão nos próximos dias 18 e 25 de fevereiro. Todo o material estará disponível nas principais plataformas digitais.   

Legenda: Wesdley recebe os pedidos online
Foto: Naiana Gomes/Júlio Caesar

Para tornar cada canção interessante ao público que está além dos “destinatários” das encomendas, o músico batizou cada disco envolvendo uma atmosfera. “Se eu fosse fazer um paralelo com a literatura, diria que cada disco é como um livro de contos, não um romance. As narrativas de cada história de vida dialogam umas com as outras", compara o artista. 

O primeiro álbum reúne músicas mais solares. Sambas, baladas pop, um disco “pra cima, pra colocar um sorriso no rosto de quem ouvir”, segundo Wesdley. “Manifesto do Tempo” traz canções mais serenas e reflexivas - o repertório passeia por baladas, canções de ninar, bossa nova.  

Para o terceiro disco, Wesdley conta que teve de lidar com um grande bloqueio pessoal. “Sempre convidei cantores e cantoras para interpretar as canções que fazia. Mas durante a pandemia, comecei a cantar eu mesmo, para manter o isolamento social. Esse disco é uma autoafirmação sobre o que me neguei durante toda a minha carreira: a de que eu também poderia cantar”, revela o músico. 

Interesse 

O artista criou o serviço online, a fim de atender sem limitações geográficas. Para “pedir música”, o cliente precisa preencher um formulário bem extenso e contar uma “pré-história” ao músico, estimulando a conexão entre as partes.  

Wesdley conta que, ao seu modo de ver, toda história de vida merece uma canção e tem algo “único” que pode servir à criação da música. “Só que nem todo mundo consegue expressar isso tão bem. E quando isso ocorre, eu aprofundo as conversas até conseguir estabelecer a ponte com a pessoa. Por texto, áudios no Whatsapp, ligação telefônica. Já pedi até para uma cliente escrever uma carta endereçada para a filha que não sabia ler ainda”, detalha. 

Curiosamente, o músico lembra de um casal que não chegou a um acordo para solicitar a música de casamento. Cada um respondeu o formulário separado, sem compartilhar as respostas.  

“O engraçado é que, quando eu fui ler as respostas, havia inúmeras semelhanças e, óbvio, algumas diferenças”, recapitula. No final, o artista fez um arranjo “para representar que os dois poderiam ter a mesma ‘voz’, mesmo dizendo coisas diferentes”, alinha.  

Luto 

Wesdley fala ainda do impacto sobre criar a partir do luto das pessoas. Muito mexido com a experiência, ele criou canções de saudade como “Estela do Araripe” (inclusa no álbum “Manifesto do Tempo”) e diz ter sentido “fisicamente” o peso da responsabilidade

“(Nesses casos) é muito difícil saber o limite entre a palavra que vai gerar o terno saudosismo e a que vai disparar o gatilho da tristeza. Até agora, todas respostas que recebi foram todas positivas, mas será sempre um desafio criar nessas condições”, reflete o músico.  

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