Especial de Natal do Porta dos Fundos retorna "mais político e menos dogmático"

Grupo de Fábio Porchat e Gregório Duvivier deu entrevista coletiva sobre o especial que vai ao ar amanhã (10), no You Tube. Edição de 2019 rendeu polêmicas e virou caso de polícia

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@svm.com.br
Legenda: Fábio Porchat faz o papel de Jesus no novo especial de Natal do Porta dos Fundos
Foto: Daniel Chiacos

Há 7 anos, a trupe do Porta dos Fundos (RJ) já tinha "viralizado" no You Tube, quando os humoristas resolveram criar uma cereja do bolo para celebrar o sucesso de sua comédia na Internet. O Especial de Natal do Porta virou uma tradição entre o elenco e o público fiel ao grupo. Mais tarde, o conteúdo passou a gerar polêmicas sérias, como a de 2019, que culminou no atentado terrorista cometido contra a sede deles no Rio de Janeiro (RJ). O caso segue em processo e, até então, nem todos os suspeitos foram presos.  

Sem pestanejar, o Porta dos Fundos está de volta com um novo Especial de Natal que estreia nesta quinta (10), no canal deles no You Tube. "Teocracia em Vertigem" faz uma sátira sobre o mote do documentário "Democracia em Vertigem" (de Petra Costa, indicado ao Oscar) e olha, desta vez, para o apelo político da história de Jesus Cristo. O conteúdo foi divulgado por meio de entrevista coletiva online nesta quarta (9).  

Dessa vez, Fábio Porchat, Gregório Duviver, Antônio Tabet (o "Kibe") e os demais humoristas e atores do elenco saíram da plataforma do Netflix, por onde o Especial foi transmitido com exclusividade em 2018 e 2019, e criaram uma saga em torno da crucificação de Jesus. A piada mistura ficção, referências fieis às passagens bíblicas e frases de efeito ditas no debate político (e agressivo) vigente nos tempos atuais. 

Para Kibe, a expectativa de resposta em relação ao Especial este ano é menor, no sentido de inflamar "menos" os ânimos de grupos religiosos e extremistas. Segundo ele, o ataque sofrido em 2019 foi motivado por reações homofóbicas (pela insinuação de que Jesus, no contexto de uma piada, teve um relacionamento homoafetivo). Em 2020, o tom político se sobressai diante das questões morais e dogmáticas, entende o humorista.  

"Depois da polêmica incrível do ano passado, acho que esse é mais político, e o 'cidadão de bem' é muito mais tolerante com críticas políticas do que com valores que eles julgam como certos ou errados", acrescenta Kibe. Segundo o ator João Vicente de Castro, o novo especial atualiza "o absurdo onde a gente está". 

"(Para compor a fala de um personagem) nós pegamos o texto do Secretário Especial de Cultura, Mário Frias, falando para o Marcelo Adnet (humorista) que se fizesse piada com ele, 'onde ele nasceu não durava um minuto'. É muito doido ver a boçalidade das pessoas na política e reproduzir isso", observa João. 

Criação

Para além das tensões da repercussão do Especial, Fábio Porchat situa que a nova história, com pouco mais de 50 minutos de duração, envolveu 25 atores - 13 do próprio elenco do Porta dos Fundos e 12 convidados. As atuações do ator Marcos Palmeira, logo no início; do rapper Emicida e do humorista Hélio de la Peña (Casseta e Planeta) são três das participações especiais. 

Porchat teve de ir a fundo na pesquisa sobre o Novo Testamento, consultou pastores amigos sobre o roteiro, e percebe como "as pessoas não conhecem a história de Jesus, só sabem que ele foi crucificado e olhe lá. Mas não sabem quem foi personagens como Barrabás, Caifás, e eu também não sabia antes de ler a respeito", situa o humorista e roteirista do grupo. Ele e Gabriel Esteves, o redator mais antigo do Porta, assinam o roteiro do Especial.   

No meio do processo de criação da história, gravada no último mês de setembro seguindo protocolos de prevenção a Covid-19, Porchat ficou com o papel do Cristo. "Adoro fazer Jesus, humanizar um personagem bíblico, ter um olhar racional sobre isso. Com o olhar de quem não é crente. Me pergunto como Jesus apontou para Judas como traidor na santa ceia e o pessoal continuou comendo pão?", indaga. 

Legenda: Gregório Duvivier faz o apresentador do programa "Jerusalém Alerta" na trama do especial
Foto: Daniel Chiacos

Política

O humorista Gregório Duvivier fez a ressalva, em resposta às críticas mais conservadoras ao grupo, que o Porta dos Fundos não quer "destruir os valores cristãos". Segundo ele, a piada feita com base na história de Jesus mostra como o Cristo vivia em um contexto de contestação ao poder político de seu tempo. 

"Ser engraçado e ser responsável não são coisas conflitantes. A gente pensa que é engraçado se você estiver rindo com o coração no lugar certo. Da piada racista, homofóbica, não rio porque não tem graça. A gente só se pergunta se o outro lado tem poder, como é o caso da bancada evangélica. O pessoal do Casseta e Planeta tinha essa ideia: 'fazer humor é passar a mão na bunda do guarda'. É uma boa definição, rir de quem está armado", reflete Gregório. 

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