Da produtividade à saudade: como preencher o vazio e lidar com a solidão em meio à pandemia mundial

Entre os relatos de quem tem buscado manter a rotina para manter a sanidade, questionamentos sobre o que fazer neste momento de isolamento social são bastante comuns

Escrito por Mylena Gadelha , mylena.gadelha@svm.com.br
Legenda: Estar atento ao mundo lá fora e como se comportam os dias e as noites também pode ser uma forma de auto-cuidado, aponta psicóloga

Quando as incertezas são as únicas constantes na maior parte do mundo, manter a rotina dos dias e lidar com a própria companhia parece ser a realidade disponível. Entre alguns, prevalece a vontade de preencher o tempo, abafar a saudade e pensar nos dias do futuro, para quando a ameaça de um vírus não estiver à espreita. Para outros, lidar com os próprios pensamentos e tentar viver um dia de cada vez, no entanto, surge como um dos maiores desafios hoje. 

De acordo com a psicóloga Keyla Monteiro, as emoções à flor da pele, as sensações de vazio e saudade, além da busca pela produtividade tem sido os assuntos mais comuns nestes tempos de coronavírus. Nas redes sociais, os relatos sobre como agir ou como manter a sanidade são diversos. No entanto,  para os que buscam auxílio psicológico, a especialista ressalta, são diferentes as formas de lidar com uma pandemia capaz de afetar nossos modos de vida e de socialização. 

“Eu tenho percebido um aumento nos relatos de ansiedade, medo, sintomas de pânico. Muita gente relata falta de esperança e uma necessidade muito grande de ser amparada. Muitos falam de sintomas físicos, falta de sono e falta de ar. Isso porque as pessoas estão mexidas com esse ambiente de incerteza que estamos vivendo, além do sentimento de saudade”, comenta a especialista.

No meio de todas essas mudanças, a jovem advogada Jerssyany Araújo encontrou apoio em atividades simples, capazes de encher os dias com uma rotina leve e cheia de aprendizados internos. Vivendo com o namorado no apartamento onde mora com os pais, que saíram do local nesse período para cuidar da avó, e distante do irmão atuando na área da saúde, ela precisou reinventar a si mesma para enfrentar os momentos de dificuldade.

Em casa desde o dia 16 de março, antes mesmo do decreto definido para o estado do Ceará, ela intercala os momentos de trabalho com o lazer dentro das possibilidades. “O que me ajuda tem sido notar tudo que eu defini como coisas necessárias a serem cumpridas naquele dia. Como eu não trabalho de carteira assinada eu preciso adequar minhas atividades que antigamente eram externas”, conta. Mesmo assim, nada tem sido fácil.

O convívio com os familiares faz falta, mas os novos hábitos deixam a sensação de renovação. Agora, ela diz, aprendeu a cozinhar, o que deve resultar em um novo foco quando tudo passar. “Todas as atividades que venho fazendo me ajudam bastante a controlar a ansiedade. Já tentei fazer Spa dentro de casa, cuidar de coisas como o cabelo, as unhas. Além de que, claro, as tarefas domésticas demandam tempo e empenho”.

Na cozinha, os experimentos já foram diversos. “Eu não sabia fazer nem um arroz e venho aprendendo muito. Faço novas receitas, aprendi bobó de camarão, frango, feijão, creme de galinha, várias coisas. Nunca tinha feito antes e agora venho tentando experimentar todos os dias no meu almoço”, finaliza.

Legenda: Para preencher os momentos do dia, Jerssyany encontrou na cozinha um novo hobby e novas formas de aprender
Foto: Foto: reprodução/Instagram

Segundo Keyla, essas atividades são os fatores cruciais para entender como lidar consigo mesmo a partir de então. A palavra do momento, explica a psicóloga, é auto-cuidado. “Existem sete pilares dele: o movimento, no qual podemos encaixar a  atividade física; a espiritualidade, sobre o entender o sentido da vida; a manutenção dos relacionamentos, no qual posso contar com minha rede de apoio; ficar atento à nutrição, no que se come, por exemplo; contemplar a natureza, perceber o céu e as estrelas no dia a dia; cuidar do sono e do descanso, para evitar atividades intensas no período da noite, além de fazer a gestão do stress. Quando a gente se cuida assim, é de um auxílio muito grande”, pontua.

Sentir falta

Para além da produtividade, os tempos de isolamento parecem estar marcados, acima de tudo, pelos processos de reflexão. Na busca por viver e ser grato pela possibilidade de aguardar no conforto dos lares, há também quem se encontre em situações adversas, nas quais a distância desencadeia a saudade que não cansa de bater à porta.

Assim como Jerssyany, a cearense Rebecca Ramos também está longe de familiares e amigos. No entanto, em um contexto completamente diferente. No início do ano, fez mudança para São Paulo, no momento em que as recomendações para se manter em casa não eram uma realidade, e agora está afastada do pai e do irmão, que vivem em Fortaleza, e da mãe, que atualmente reside nos Estados Unidos.

Para ela, a rotina de exercícios e meditação tem sido o ideal para lidar com todos os sentimentos. “Eu tenho tentado manter uma rotina principalmente de tarefas de casa e um pouco de meditação. São coisas que busco fazer todos os dias porque isso me deixa centrada”.

Mesmo assim, preencher o dia a dia  não é suficiente para esquecer a distância física para com aqueles que ama. “O sentimento de saudade tem sido muito constante e é engraçado porque eu achava que era muito desapegada, sempre tive uma criação mais independente. Mas quando você fica dentro de casa o tempo todo você percebe a estrutura que é ter as pessoas que gosta e já tem uma intimidade. Ter a família e os amigos é o que realmente te segura no dia a dia e não dá para perceber. Quando você não tem isso presente que dá pra sentir o quão é importante”.

Legenda: Distante da família no período de isolamento, Rebecca tem buscado aplacar a saudade buscando hábitos que a tranquilizam, como ioga e meditação
Foto: Foto: arquivo pessoal

A solução tem sido recorrer à tecnologia para encurtar os espaços que sobram com os familiares. . “A minha mãe está nos Estados Unidos e meu pai está com meu irmão em Fortaleza. Com ela eu já estava mantendo o contato por telefone, de uma rotina com isso, por ela estar fora desde o ano passado. Com meu pai começamos agora, nos ligamos e nos falamos basicamente por vídeo mesmo”, aponta.

Levando tudo isso em consideração, Keyla Monteiro ressalta a importância de entender o contexto geral da pandemia. Em meio aos bilhões vivendo em nosso planeta, estamos juntos em meio a mudanças severas de tudo que conhecíamos. 

“É muito importante nesse momento exercer a autocompaixão, poder aceitar as dificuldades que estamos vivendo e olhar de uma forma mais compassiva para nós e o que nos aflige em meio a tudo isso. Esse exercício está muito ligado ao poder admitir a gentileza comigo mesmo. Tenhamos atenção plena no momento presente, sem a ansiedade no que está por vir”, finaliza ao deixar claro que não existem regras. No fim das contas, seja criando hábitos ou esperando que tudo passe, cabe a cada um entender como vivenciar toda a complexidade que nos cerca.

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