Comunidade cigana do Ceará se movimenta para desfilar no Carnaval de SP

A Escola de Samba Pérola Negra será a primeira a entrar na avenida na capital paulista, dia 22 de fevereiro, com um tributo aos povos ciganos do Brasil

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@svm.com.br
Legenda: A escola de samba paulistana prepara uma ala para receber ciganos de todo o Brasil
Foto: Fotos: Luciana Avoletto

No senso comum, o movimento nômade é associado aos costumes do povo cigano. O hábito de viver sem território fixo gerou uma série de impressões míticas sobre os ciganos, criadas, geralmente, por quem não traz essa referência em sua ancestralidade. No entanto, é a fim de se reconhecer e divulgar os traços de sua identidade que, agora, a comunidade cigana procura se organizar para participar do desfile "Bartali Tcherain - A estrela cigana brilha na Pérola Negra".

Preparado pela Escola de Samba Pérola Negra, da Vila Madalena (SP), o tributo será o primeiro desfile da programação do Grupo Especial do Carnaval de São Paulo, no dia 22 de fevereiro. No Ceará, o Instituto Cigano do Brasil, presidido por Rogério Ribeiro, da etnia calon, movimenta-se para viabilizar a participação da comunidade local e nacional no evento.

Dentre cerca de 20 mil ciganos do Estado, a ideia é levar em torno de 40 a 50 deles para o desfile no Anhembi (SP). O Instituto procura apoio junto à Secretaria da Cultura do Ceará, às prefeituras de Fortaleza e Sobral (CE), dentre outras instituições públicas, a fim de possibilitar a logística.

"Neste mês, a gente vai intensificar uma campanha nas nossas redes sociais, para qualquer pessoa que possa doar nesse sentido. Também temos mobilizado ciganos da Bahia, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte. Além do Nordeste, há articulação em São Paulo mesmo, Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul", situa Rogério Ribeiro.

A mobilização visa ocupar a última ala do desfile da Pérola Negra. A escola da Vila Madalena sairá na avenida com cinco alegorias, distribuídas em 25 alas, como é de praxe no regulamento.

Legenda: O desfile marca o retorno da Pérola Negra ao Grupo Especial do Carnaval de SP

"No fim, vamos mostrar a chegada do povo cigano em território brasileiro, com suas peças e alegrias, e uma romaria de agradecimento a Santa Sara Kali (padroeira da comunidade cigana). Logo atrás desse carro, vamos trazer a grande comunidade, todos eles com a bandeira e suas roupas", detalha o carnavalesco Anselmo Brito.

Rogério acrescenta que os ciganos da etnia calon vão compor essa ala junto aos "roms". Todos estarão vestidos a caráter, sem fantasias. Ele enfatiza, ainda, que todo o enredo será voltado ao povo cigano, e destaca suas manifestações culturais, a exemplo do artesanato, da dança, da música e da quiromancia (leitura de mãos).

A escolha do tema, vencedor dentre oito possibilidades da escola de samba paulistana, teve origem em uma promessa feita por Anselmo Brito, à Santa Sara Kali. O carnavalesco trabalhava pela Escola Camisa Verde e Branco, e passava por um momento difícil, quando conheceu uma cigana chamada Fátima.

"Pedi uma luz, e ela disse que aquele momento não era pra minha estrela brilhar. Que só brilharia quatro anos depois, e que assim eu fizesse uma homenagem à comunidade cigana. Daí fomos campeões com a Verde e Branco, no meu quarto Carnaval com eles. E ali me recordei da promessa que fiz", conta Anselmo.

Desconstrução

O cearense Rogério Ribeiro atualiza que a luta da comunidade cigana para desconstruir estereótipos ainda é grande. Oportunidades como o tributo da Pérola Negra amenizam uma situação de exclusão "comum" aos ciganos: normalmente, eles estão fora do contexto das políticas públicas da cultura no Brasil.

"Nós cobramos editais específicos para a nossa cultura. Acho que os governos pecam muito em não efetivar as conquistas registradas nas conferências públicas (estaduais e municipais). Aqui, no Ceará, temos um diálogo com o Governo do Estado. Mas os editais ainda são abertos, generalizados. E precisamos de ajuda na elaboração de projetos. Um alto percentual (70%) do povo calon ainda é analfabeto".

"Não queremos que as pessoas nos vejam só como uma questão folclórica, com aquela imagem das ciganas batendo saia. Queremos inserir nosso povo nas políticas afirmativas", acrescenta Rogério.

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