Mãe de Henry pode ser responsabilizada por omissão, afirmam criminalistas

A dinâmica da morte de Henry e o momento em que as lesões foram produzidas ainda não ficaram claros

Escrito por Redação ,
Monique e o filho
Legenda: Como responsável de Henry, Monique tinha a obrigação legal de protegê-lo.
Foto: Reprodução

Presa temporariamente sob suspeita de envolvimento na morte do filho Henry Borel, de 4 anos, a professora Monique Medeiros, 32, poderá responder por homicídio qualificado caso o juízo entenda que há indícios de que ela foi omissa, segundo criminalistas consultados pela reportagem.

Seu namorado, o vereador Jairo Souza Santos Júnior, conhecido como Dr. Jairinho (Solidariedade), 43, é apontado pela investigação como o autor das agressões que resultaram na morte do menino. Trocas de mensagens com a babá da criança indicam que Monique sabia que Henry era agredido pelo padrasto.

O Código Penal prevê no artigo 13 que a responsabilização penal pode ocorrer por ação ou omissão. A omissão é considerada relevante quando a pessoa deveria e poderia agir para evitar o resultado. Como responsável de Henry, Monique tinha a obrigação legal de protegê-lo.

"Em algumas situações a omissão é tão grave que a pessoa responde como se tivesse agido. O pai e a mãe têm um dever de vigilância. Se houver a menor suspeita de que algo está acontecendo de errado, é necessário tomar uma atitude para evitar problemas maiores", afirma o advogado João Paulo Martinelli, professor de processo penal no Ibmec-SP.

O criminalista Conrado Gontijo, doutor em direito penal pela USP, ressalta que, para haver a condenação de Monique, a acusação terá que provar que houve uma omissão concreta, especificamente em relação ao episódio da morte de Henry.

"É uma omissão concreta, não é hipotética. Tem que ser relacionado ao evento específico, naquele dia, naquela hora, o que ela poderia ter feito para parar aquela agressão", diz.

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A dinâmica da morte de Henry e o momento em que as lesões foram produzidas ainda não ficaram claros. O laudo de necropsia não é definitivo quanto ao tempo das equimoses ou roxos na pele da criança, que podem ter ocorrido de 12h a 48h antes, e diz que "não há sinais de maus tratos, crônicos ou não".

Segundo Gontijo, a suposta lesão corporal narrada na troca de mensagens com a babá um mês antes da morte do menino não pode ser objeto de um futuro processo. Portanto, tampouco pode ser julgada eventual omissão de Monique no episódio. Isso porque, para a sua comprovação, teria sido necessário fazer o exame de corpo de delito naquele dia, o que não ocorreu.

Monique e Jairinho foram presos temporariamente na quinta-feira (8), sob suspeita de homicídio qualificado, após decisão judicial favorável a representação movida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. O órgão pediu a prisão por 30 dias, já que o crime é considerado hediondo.

Monique foi levada ao Instituto Penal Ismael Sirieiro, presídio feminino em Niterói, e Jairinho ao Complexo de Gericinó, em Bangu (zona oeste do Rio). Ela deverá ficar isolada das outras presas por questão de segurança, mesmo após a quarentena de 14 dias devido à pandemia. A reportagem apurou que o presídio detectou risco de agressão por outras detentas.

Linha de defesa

Uma possível linha de defesa para Monique seria argumentar que estava sob ameaça de Jairinho, possibilidade até o momento negada pela Polícia Civil. O vereador e o pai já foram investigados por suposto envolvimento com as milícias, mas não foram coletadas provas suficientes para incriminá-los.

Se Monique conseguisse provar que estava impedida de agir, sua omissão no assassinato poderia restar afastada, segundo criminalistas. Para isso, ela teria que desmentir depoimento anterior, no qual afirmou que Jairinho não agredia o filho.

Relatos do pai

Henry Borel
Legenda: Garoto chegou ao hospital sem vida e com diversas lesões, além de hemorragia interna
Foto: Reprodução

Os advogados avaliam que o pai de Henry, Leniel Borel, fez tudo o que poderia para defender o menino com os elementos que tinha. Nesta sexta (9) ele disse ao jornal O Globo que chegou a ouvir do menino "o tio machuca", na presença da avó materna e da babá em uma videochamada cinco dias antes da morte. A avó teria dito que era coisa da sua cabeça.

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Funcionárias também poderão ser responsabilizadas

A babá Thayná Ferreira, 25, e a empregada da casa, Leila Rosângela Mattos, 57, também poderão ser responsabilizadas criminalmente no futuro, mas por falso testemunho, caso isso seja provado, segundo o que a polícia e a Promotoria indicaram até aqui.

Ambas afirmaram em depoimento à polícia que nunca notaram nada de anormal na relação entre o casal e o menino, o que vai de encontro às mensagens encontradas no celular de Monique. Nelas, Thayná conta que Jairinho se trancou no quarto com o menino, que depois saiu mancando e com dor na cabeça.

Leia diálogo entre a mãe e a babá 

"Ficou bastante evidenciado que ela [a babá] mentiu para a gente. Ao invés de narrar qualquer incidente, falou que a relação da família era harmoniosa", afirmou o delegado Henrique Damasceno, acrescentando que as razões para isso ainda serão apuradas.

A situação da faxineira ainda é incerta. Ela chegou a dizer no depoimento que o vereador nunca ficava sozinho com o menino, mas as mensagens indicam que ela também estava no apartamento naquele dia. Procurada pela reportagem por telefone, ela respondeu que "tudo que tinha para falar falou na delegacia" e desligou.

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Legenda: Conversas de 12 de fevereiro entree Monique e Thayna, babá de Henry, mostram que a mãe sabia que o menino era agredido
Foto: Reprodução

Para Martinelli, do Ibmec-SP, em tese a babá também poderia ser responsabilizada por omissão, mas seria preciso avaliar se ela foi vítima de coação. "O próprio risco de demissão é uma forma de coação na situação em que vivemos hoje", diz.

Outro fato que gerou estranheza à juíza que determinou a prisão, Elizabeth Louro, foi que as duas funcionárias tiveram um encontro com o advogado do casal dias antes de prestarem depoimento à polícia. Elas mesmas contaram que a irmã de Jairinho pediu que elas fossem ao escritório de André França Barreto no dia 18 de março.

Um motorista passou para pegá-las e, chegando lá, elas falaram com ele separadamente. Ambas relatam aos investigadores que ele perguntou sobre a rotina e a relação da família. Segundo Thayná, o advogado disse que ela seria intimada e que era "para ela dizer somente a verdade".