Quem é o MC preso em Fortaleza que fazia músicas para tropas do Comando Vermelho em seis estados

As músicas eram publicadas nas redes sociais e tinham mais de 120 mil visualizações. O MC vendia cada música pela quantidade de 'vulgos' (apelidos dos faccionados) do grupo criminoso

Escrito por
Messias Borges messias.borges@svm.com.br
Foto de um vídeo do MC01 publicado nas redes sociais, sobre a Tropa do 'Paulinho Maluco', um dos principais líderes do CV no Ceará, que vive escondido no Rio de Janeiro
Legenda: Entre os grupos homenageados pelo MC, está a Tropa do 'Paulinho Maluco', um dos principais líderes do CV no Ceará, que vive escondido no Rio de Janeiro
Foto: Reprodução

Um cantor de funk, de 21 anos, preso em Fortaleza na última quarta-feira (23), chamou a atenção da Polícia Civil do Ceará (PCCE) por fazer músicas para ressaltar tropas da facção criminosa carioca Comando Vermelho (CV), que atuam em pelo menos seis estados brasileiros. O conteúdo era publicado abertamente nas redes sociais.

O mandado de prisão preventiva pelo crime de integrar organização criminosa, expedido pela Vara de Delitos de Organizações Criminosas, contra João Gabriel Firmino da Costa, conhecido como 'MC 01', foi cumprido por policiais civis em uma residência na Rua F, na Paupina, localizada na Grande Messejana.

Apesar da prisão ocorrer na Capital, a investigação contra o cantor foi realizada pela Delegacia de Combate as Organizações Criminosas Organizadas do Interior Norte (Draco Norte). O titular da Unidade, delegado Lucídio Gomes, explicou que "chegou ao conhecimento da Draco Norte um vídeo onde 'vulgos' de criminosos eram citados em um 'funk proibidão', enaltecendo figuras ligadas a determinado grupo criminoso".

"Com isso, constatou-se que ali era um MC que se identificava como 'MC 01 - A voz das favelas', com mais de 40 vídeos de 'funks proibidões' publicados, todos com conteúdo criminoso, dando início à investigação."
Lucídio Gomes
Delegado da Polícia Civil do Ceará

O delegado afirma que "o MC possuía redes sociais abertas e as utilizava para fazer apologia ao crime". "Esta conduta, que é ilegal e prevista em lei, possui uma gravidade e um impacto social gigantesco. Usam da 'música' para ostentar uma falsa impressão de que a vida do crime é algo glamouroso", analisa. 

"Há uma tendência dentro destas facções de 'normalizar' e atrair, principalmente crianças e jovens, para as ações criminosas, e aumentar cada vez mais o número de integrantes. É o que conhecemos como Subcultura Delinquente", acrescenta Lucídio.

A defesa de João Gabriel Firmino da Costa não foi localizada para comentar a investigação da Polícia Civil e a prisão do cliente. O espaço segue aberto para futuras manifestações.

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O titular da Draco Norte traz que, se fosse comparar uma facção criminosa com uma empresa, o suspeito João Gabriel Firmino da Costa seria um integrante do setor de marketing.

"Estas facções também fazem uso massivo das redes sociais e internet para expandir o 'status' de seus criminosos, devido ao alcance incalculável, além de gerar engajamento e alavancar as vendas com tráfico de drogas", aponta o delegado Lucídio Gomes.

120 mil
visualizações foram contabilizadas na página de 'MC 01' no Youtube, com 1 mil inscritos e 47 vídeos publicados desde fevereiro deste ano. No Instagram, o cantor tem mais de 11,7 mil seguidores.

João Gabriel também responde a inquéritos policiais por tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo. Ele estava preso até o início deste ano. Quando foi solto, começou a carreira de compositor e cantor, com a publicação de vídeos nas redes sociais.

Foto de João Gabriel Firmino da Costa, conhecido como 'MC 01', preso por policiais civis na Paupina, localizada na Grande Messejana, em Fortaleza. Ele veste uma blusa preta e vermelha do time Flamengo
Legenda: João Gabriel Firmino da Costa, conhecido como 'MC 01', foi preso por policiais civis em uma residência na Rua F, na Paupina, localizada na Grande Messejana, em Fortaleza
Foto: Reprodução

Uma das músicas do 'MC 01' se chama "Alvará (Baseado em fatos reais)". "Eu tenho fé que vai chegar meu alvará. E a liberdade logo logo vai cantar. Essa cadeia é longa, não é perpétua. Em breve eu tô voltando pra minha favela", diz a canção.

A maioria das músicas do MC é voltada para tropas da facção Comando Vermelho. A reportagem teve acesso a canções sobre grupos que atuam em diversos municípios do Ceará (como Caucaia, Camocim, Itarema e Jijoca de Jericoacoara), além dos estados do Maranhão, Piauí, Pará, Amazonas e Mato Grosso.

Nas canções, o cantor manda saudações a vários integrantes da facção, pede liberdade para comparsas presos, diz que sente "saudade" de faccionados que foram mortos e provoca facções rivais. O MC vendia cada música pela quantidade de "vulgos" (apelidos dos integrantes de uma organização criminosa) da demanda, segundo a investigação da Polícia Civil do Ceará.

Entre os grupos homenageados, está a Tropa do 'Paulinho Maluco' - apelido de Anastácio Paiva Pereira, também conhecido como 'Doze' e 'Paizão', um dos principais líderes do CV no Ceará, que vive escondido no Rio de Janeiro, segundo a polícia cearense. 'Paulinho' é apontado como o mandante da intervenção às eleições municipais de Santa Quitéria, no Interior do Ceará.

Confira a tabela de valores das músicas:

  • R$ 200 - até 5 "vulgos";
  • R$ 250 - até 10 "vulgos";
  • R$ 300 - até 15 "vulgos";
  • R$ 350 - até 20 "vulgos";
  • R$ 400 - até 25 "vulgos".

Outros cantores presos

O delegado Lucídio Gomes afirma que "as polícias de todo Brasil combatem o crime organizado em todas as suas formas. Recentemente, alguns outros 'artistas' do segmento também foram presos, por expressas apologias ao crime. Estas condutas são rebatidas também pelo Ministério Público e pelo Judiciário, dada sua periculosidade e dano social".

O caso mais famoso no Brasil é do rapper Mauro Davi Nepomuceno, conhecido como 'Oruam', que voltou a ser preso na última terça-feira (22). Ele é filho de Márcio dos Santos Nepomuceno, o 'Marcinho VP', um dos principais líderes da facção Comando Vermelho. O cantor pede pela liberdade ao seu pai e faz referências à facção CV, em músicas e outras manifestações.

No Ceará, antes do 'MC 01', outros cinco cantores já tinham sido detidos pela Polícia Civil, nos últimos cinco anos, por utilizarem a música para promover as facções Comando Vermelho e Guardiões do Estado (GDE).

Em reportagem do Diário do Nordeste sobre o assunto, publicada em maio deste ano, o cientista social e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), Johnson Sales, analisou que "duas questões são relevantes para entendermos essas alianças" entre a música e o crime organizado. 

A primeira tem a ver com negócios. A indústria musical, os shows, as plataformas de streaming são parte de um mercado lucrativo em que o capital do crime pode ser investido e render lucro. Inclusive, como alternativa para tornar lícito o que não teve uma origem lícita."
Johnson Sales
Cientista social

Já "a segunda questão está relacionada com elementos de gosto e estilo. A vida criminal, em muitos casos, ganha aspectos de um estilo de vida, no qual, há um deslocamento da noção da longevidade para a da intensidade. Os membros do movimento do crime, submetidos a rotinas perigosas e insalubres, levam a 'vida loca' sob alto risco de morte".

O pesquisador detalha que, "nessa situação, passam a buscar uma forma de viver que tenha como base o aproveitamento intenso da vida, para viver em pouco tempo o máximo de experiências e sensações que for possível. Assim, estilos musicais (não só o funk) que abordem temáticas relacionadas com o hedonismo, aventuras, ostentação e culto a uma existência intensa que, pela força das circunstâncias, também pode vir a ser efêmera, são adotados pelos agentes criminais".

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