Policial civil invade casa de traficante no Porto das Dunas e atrapalha investigação da PF
A invasão aconteceu poucas horas após o traficante ser morto em Manaus.
Um policial civil é investigado por furto qualificado, violação de domicílio qualificada, falsa identidade e abuso de autoridade. De acordo com documentos que a reportagem teve acesso, o investigador Francisco Daniel do Nascimento Gomes foi indiciado por esses crimes quando invadiu duas casas que eram usadas por um traficante no Porto das Dunas, em Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). O traficante, que era natural da região Norte do País, não estava no Porto das Dunas, ele havia sido morto poucas horas antes em uma clínica em Manaus, Amazonas.
Raimundo Nonato Dias dos Santos era investigado pela Polícia Federal e foi assassinado no dia 24 de julho de 2025. No dia seguinte, o policial civil teria ido a uma das casas de Raimundo e, por conta própria, sem mandado judicial, revirado os compartimentos da casa e furtou uma moto.
A Delegacia de Assuntos Internos (DAI) da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) afirma que imagens das câmeras de segurança provam a entrada forçada da viatura e registram quando a motocicleta é levada por um homem que acompanhava o agente. Os demais envolvidos não foram identificados.
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Ao saber da ida do policial civil ao local sem autorização, policiais federais chegaram no condomínio residencial 30 minutos depois que Francisco Daniel saiu de lá. Documentos indicam que a ação premeditada do policial civil causou um "prejuízo irreversível às investigações federais". A defesa do policial civil não foi localizada pela reportagem.
"A ação foi realizada no dia seguinte à morte de Raimundo Nonato em Manaus/AM, demonstrando que os policiais aproveitaram-se da situação para ingressar nos imóveis do falecido e subtrair bens, sabendo que o investigado estava morto e não poderia oferecer resistência ou denunciar a ação, revelando particular torpeza. A coincidência temporal entre a morte de Raimundo Nonato e a ação irregular constitui circunstância extremamente suspeita e reveladora da verdadeira intenção dos envolvidos"
Ainda segundo a DAI, "a investigação federal estava em estágio avançado e a entrada irregular comprometeu completamente a possibilidade de obtenção de provas materiais".
A CGD publicou no Diário Oficial do Estado (DOE) da última sexta-feira (5) que devido às condutas mencionadas foi instaurado um Procedimento Administrativo e Disciplinar (PAD) contra Francisco Daniel.
VERSÕES CONTRADITÓRIAS
A viúva de Raimundo Nonato prestou Boletim de Ocorrência acerca do furto da moto. Quando as autoridades identificaram que foi um policial civil quem esteve no local, o caso passou a ser apurado pela DAI.
Francisco Daniel foi ouvido e teria dito que foi ao local para apurar a informação que recebeu de um informante. A Delegacia diz que no decorrer da investigação identificou divergências, contradições e omissões no depoimento do agente.
"Inicialmente, Francisco Daniel disse ter ido "sozinho", depois admitiu que "no meio do caminho pegou o informante", posteriormente revelou haver uma "terceira pessoa" que teria buscado a motocicleta, mas recusou-se categoricamente a identificar tanto o "informante" quanto à terceira pessoa, alegando "questão de segurança". Esta recusa em identificar comparsas demonstra clara tentativa de obstruir as investigações e proteger eventuais coautores dos crimes investigados. O investigado admitiu expressamente que não foi encontrado nenhum material ilícito nos locais visitados, que não havia ninguém nos imóveis, que não possuía ordem de missão, que não havia investigação em andamento na delegacia, mas alegou que 'acreditou que estava na sua função de policial'".
O policial civil só conseguiu entrar no primeiro condomínio quando se aproveitou da saída de um morador.
Policiais federais foram informados que policiais civis do 10º Distrito Policial teriam ido à casa do traficante por conta própria. A PF compareceu imediatamente ao local e teve informações sobre o ocorrido.
"Ao adentrarem no apartamento, constataram que todos os cômodos estavam completamente revirados, com sinais evidentes de que haviam sido realizadas buscas. Os quartos estavam todos revirados, com gavetas abertas, roupas espalhadas, colchões retirados do lugar, cama box revirada, objetos espalhados sob o colchão. Havia uma caixa de relógios completamente revirada sem conter relógios, como se tivessem sido levados. O apartamento inteiro apresentava sinais de devassa completa, com armários abertos, objetos fora do lugar, documentos espalhados", conforme documentos.
O policial investigado já foi PM e desde 2016 é PC, sendo atualmente inspetor.
INVESTIGAÇÃO FEDERAL
Raimundo Nonato era investigado pela Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO/CE) e acusado de envolvimento com organização criminosa. No dia 10 de julho de 2025, foi deflagrada operação policial que resultou na apreensão de 230 quilos de drogas, que "tinha ligação com o investigado".
Duas semanas depois, o suspeito foi assassinado a tiros em uma clínica no Centro-Sul de Manaus, quando realizava exames para renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Um delegado da Ficco chegou a pontuar que achava "muita coincidência o investigado ter sido morto poucos dias após esse êxito na apreensão".
Para a DAI, "era provável que Raimundo guardasse armas, drogas, dinheiro e documentos importantes em seus endereços. A devassa nos imóveis tornou impossível a recuperação de qualquer prova que pudesse vir a ser arrecadada durante o cumprimento de eventuais mandados judiciais que seriam solicitados pela Ficco/CE".
Em ofício, a Força Integrada destaca que não autorizou, não solicitou e não teve qualquer participação na operação irregular realizada em Aquiraz.