PM acusado de fazer parte de quadrilha que protegia traficantes do Comando Vermelho é solto
Segundo o Ministério Público do Ceará (MPCE), o faturamento da organização criminosa pode ter sido de 300 mil reais.
Acusado de integrar uma organização criminosa formada por 16 policiais militares, o soldado Luan Alberto da Silva Lopes, foi solto na última quarta-feira (3). O PM estava preso preventivamente há cerca de quatro meses, por suposta participação em um esquema de corrupção e extorsão que atuaria nas comunidades do Pôr do Sol, no Coaçu e na Paupina - que ficam na Grande Messejana, em Fortaleza.
Segundo o Ministério Público do Ceará (MPCE), o soldado Luan Alberto fazia parte de um grupo que utilizava o aparato estatal (viaturas policiais) para receber vantagem indevida (propina) em troca de proteção a traficantes de drogas integrantes do Comando Vermelho (CV) em bairros específicos de Fortaleza.
Luan Alberto foi preso em 29 de julho de 2025. A defesa pediu a soltura do policial alegando excesso de prazo para a formação de culpa - quando há uma demora injustificada do Estado em concluir a instrução criminal -. Além disso, o advogado alegou que o MPCE ainda não havia disponibilizado à defesa o acesso integral aos arquivos de mídias do caso.
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Apesar de estar em liberdade, a Justiça determinou que o militar cumpra medidas cautelares como: "proibição de exercer a atividade de policiamento ostensivo, devendo desempenhar exclusivamente funções no setor administrativo da Corporação PMCE, por até 90 (noventa) ou até ulterior deliberação".
A defesa do policial, representada pelo advogado Kaio Castro, informou que "recebe com serenidade a decisão do magistrado que relaxou a prisão do policial, ao tempo que enaltece o profissionalismo do magistrado por sua coerência e proporcionalidade na aplicação do melhor direito e justiça no processo penal militar".
Os 16 policiais presos foram denunciados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO), do MPCE, em maio deste ano. A denúncia foi recebida pela Vara da Auditoria Militar do Ceará e os agentes de segurança viraram réus, no último dia 2 de julho.
Conforme documentos obtidos pela reportagem, no momento da prisão, foram apreendidos com o soldado Luan Alberto, uma pistola, um aparelho celular e dois cartões.
No dia da deflagração da Operação, o coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), Adriano Saraiva, divulgou que segundo um balanço parcial, o faturamento da organização criminosa pode ter sido de 300 mil reais.
Como atuava a organização criminosa
A organização criminosa se articulava por meio de um grupo no aplicativo WhatsApp. O líder do grupo era um homem identificado como cabo Alisson Pinto Silva, que dava ordens a militares de patentes superiores, como sargentos e até um subtenente.
A Operação Kleptonomos surgiu a partir de investigações do MPCE que começaram no fim de 2022, após uma denúncia anônima. Segundo relatório técnico, a quadrilha de policiais militares e civil recebia "propina" para ajudar traficantes do Comando Vermelho (CV), na região da grande Messejana. Os agentes também extorquiam traficantes rivais.
"Os valores seriam pagos por traficantes de substâncias entorpecentes, com as finalidades de evitar a ação policial e de possibilitar a livre prática do tráfico de drogas na região"
Para 'proteger o tráfico', os agentes cobravam quantias que variavam de 100 a 600 reais. Por meio de conversas captadas com autorização judicial, a investigação descobriu que o grupo de policiais chegou a atirar em criminosos que reclamaram do valor da 'propina' estar muito alto.
Uma das ocasiões de extorsão - em que o soldado Luan Alberto estava envolvido - foi revelada a ação ilícita dos policiais através de diálogos e imagens de dentro de uma viatura de patrulhamento, obtidos por meio de captação ambiental.
Propina era recolhida enquanto faziam ronda
Segundo a denúncia do MPCE, em 23 de dezembro de 2023, por volta das 10h40, os policiais militares, Roberto Montenegro da Cunha, Luan Alberto da Silva Lopes e Thiago Monteiro solicitaram pagamento da "taxa" a traficantes.
Na conversa captada pela investigação, o tenente Thiago Monteiro desce da viatura e ao retornar responde aos colegas da equipe que não conseguiu "pegar o papel", mas que as 11h00, eles retornariam para "fazer o combinado".
Naquele momento, a equipe passa a discutir sobre a situação e o soldado Luan e cabo Montenegro sugerem que “deve ser o peixe do pessoal das motos”. Eles continuam conversando, até que um deles afirma “já já eles mandam mensagem...pode saber que as motos vêm já já aqui”.
De acordo com a investigação, eles se referiam aos policiais militares do moto patrulhamento, que também estariam recebendo 'propina'. "Eles vão dizer que os caras da viatura já estão querendo pegar (a vantagem)", afirma um dos policiais.
Às 11h00, eles estacionam a viatura em um local combinado e o soldado Monteiro desce do veículo e segundo os colegas de profissão "volta todo feliz".
No processo, a defesa de Luan Alberto afirma que os acusados usaram a palavra 'papel' para se referir a cortesias de refeição que são normalmente fornecidas por estabelecimentos como o Assaí Atacadista, por exemplo. Esses vouchers e almoço são distribuídos por meio de senhas/fichas impressas em papel as policiais.
A conversa captada, que o Ministério Público interpreta de forma maliciosa, nada mais era do que o diálogo entre os policiais sobre um contratempo: o "papel" passou a ser entregue somente a partir das 11h. A menção ao "pessoal das motos" e a um "peixe" era uma brincadeira interna sobre a possibilidade de a equipe de motopatrulhamento ter algum contato ("peixe") que lhes facilitaria a obtenção das senhas.
O advogado do policial afirmou que: "toda a construção acusatória contra o acusado se apoia em um único e isolado episódio, a partir de uma grosseira e equivocada leitura da realidade operacional".
Veja a lista de PMs denunciados:
- Airton Uchoa de Sousa Pereira (soldado PM);
- Alexsandro Barbosa Matias (soldado PM);
- Alisson Pinto Silva (cabo PM);
- Dalite Paulo Maia Pinheiro (soldado PM);
- Danyvan Robert Souza da Silva (cabo PM);
- Flauber Pereira Assunção (sargento PM);
- Israel Rodrigues Costa (soldado PM);
- José Dantes Barbosa Braga (cabo PM);
- José Narcellyo do Nascimento Santana (subtenente PM);
- Luan Alberto da Silva Lopes (soldado PM);
- Marcondes de Oliveira Braga (sargento PM);
- Márcio Xavier Moreno (sargento PM);
- Raimundo Gleison Ferreira Barbosa (sargento PM);
- Roberto Montenegro da Cunha Neto (cabo PM);
- Tiago Daniel Martins Costa (cabo PM);
- Thiago Monteiro da Costa (soldado PM).
*Estagiária supervisionada pelo jornalista Emerson Rodrigues.