7 PMs investigados por integrar organização criminosa têm pedidos de liberdade negados pela Justiça

O grupo praticava extorsão e fornecia "vantagens" a pessoas ligadas ao crime organizado, segundo denúncia do Ministério Público do Ceará

Escrito por
Paulo Roberto Maciel* paulo.maciel@svm.com.br
Imagem de viaturas da polícia militar estacionadas na rua, com árvores e fios de energia elétrica ao fundo, durante o dia. Veículos como esse foram usados pelos PMs enquanto cometiam os atos criminosos
Legenda: Todos os réus estão presos desde 29 de julho, quando foram enquadrados na Operação Kleptonomos, deflagrada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE)
Foto: José Leomar

Sete integrantes da Polícia Militar do Estado do Ceará (PMCE) acusados de integrar uma organização criminosa que praticava extorsões a criminosos, em Fortaleza, tiveram pedidos de revogação de prisão preventiva negados pela Justiça. As decisões foram formalizadas pela Auditoria Militar do Estado do Ceará entre agosto e outubro.

As duas recusas mais recentes foram divulgadas na última quinta-feira (9), e se referem aos réus Luan Alberto da Silva e Roberto Montenegro da Cunha Neto. Os dois integram a PMCE nas condições de soldado e cabo, respectivamente.

Eles estão presos preventivamente desde o dia 29 de julho, quando foram enquadrados na Operação Kleptonomos, deflagrada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE), que investiga denúncias sobre ações indevidas cometidas por policiais militares durante os últimos três anos.

Ao todo, os 16 acusados respondem por crimes como tráfico de drogas, tráfico de armas, e corrupção passiva. Segundo a investigação do MPCE, as infrações aconteciam na comunidade do Pôr do Sol, no Coaçu e na Paupina, que ficam na Grande Messejana, onde os ex-agentes recebiam "cotas" para proteger os membros da facção que predomina na região.

No documento apresentado pelo órgão acusatório, o qual a reportagem teve acesso, é dito que Luan Alberto e Roberto Montenegro, acompanhados de outros colegas, utilizaram o aparato do Estado, como farda e viatura da PMCE, para receber propina em troca da proteção de pessoas ligadas ao crime organizado. Uma dessas negociações teria acontecido no dia 23 de dezembro de 2023 e foi captada em áudio e vídeo.

Esses indícios de prova foram utilizados pelo MPCE e o Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), responsáveis pelas investigações, para solicitar a prisão preventiva dos agentes, assim como a dispensa deles de todos os serviços públicos como policial militar.

Além dos dois agentes citados, os réus Danyvan Robert Souza da Silva, Airton Uchôa de Sousa Pereira, Marcondes de Oliveira Braga, Dalite Paulo Maia Pinheiro e Thiago Monteiro da Costa também solicitaram a revogação da prisão preventiva, mas tiveram os pedidos negados pela Justiça.

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Defesa alega cerceamento e critica 'fragilidade' da denúncia

Para a defesa técnica de Luan Alberto, há ausência de elementos na denúncia do MPCE que justifiquem a manutenção da prisão preventiva do acusado. O principal argumento se baseia em uma suposta contaminação da prova, já que, segundo a equipe de advogados, eles não tiveram acesso total aos arquivos obtidos pelo órgão acusatório.

A negativa de acesso da defesa à íntegra das gravações que fundamentam a denúncia não é um mero erro processual, mas uma nulidade absoluta, cujo prejuízo é presumido e sequer se sujeita à preclusão. Trata-se de uma flagrante ilegalidade que viola o contraditório e a ampla defesa, tornando a prova imprestável e contaminando todos os atos processuais subsequentes.
Mateus Linhares Rego
Advogado de defesa do réu

Ainda no mesmo documento de solicitação da soltura, obtido pelo Diário do Nordeste, a defesa de Luan nega qualquer envolvimento do seu cliente com o crime, e afirma que o encontro gravado não se tratava de uma negociação com criminosos, mas sim de uma obtenção de almoços com uma rede de supermercados.

A equipe também contesta a denúncia do MPCE, e defende que o réu não praticou ações graves o suficiente para legitimar a prisão domiciliar. "A manutenção de um agente de segurança pública no cárcere, com base em uma acusação tão frágil e em provas comprovadamente maculadas, representa não apenas um constrangimento ilegal ao indivíduo, mas um abalo à própria instituição que ele integra, reforçando a desnecessidade da medida", diz o requerimento.

Pedido de transferência para prisão domiciliar

Com relação ao réu Roberto Montenegro, a defesa técnica apresentou um requerimento de transferência da prisão preventiva para a prisão domiciliar. O motivo, segundo consta a solicitação, se refere ao recente nascimento da segunda filha do ex-agente, fruto de uma gravidez de alto risco.

O pedido detalha que após o parto da criança, em 19 de setembro, e a mãe encontra-se em pós-operatório, sendo incapaz de prover os cuidados necessários para a recém-nascida e a filha mais velha, de oito anos. Por isso, é solicitado o retorno do réu ao seio familiar, pois ele seria supostamente o único responsável pelo aporte financeiro da família.

A defesa também pede a aplicação de medidas cautelares, como tornozeleira eletrônica, comparecimento periódico em juízo para informar e justificar atividades, além de proibição de contato com pessoas eventualmente indicadas nos autos do processo.

Poder Judiciário indefere os dois pedidos

Em resposta às solicitações, o Ministério Público deu parecer pela negativa dos pedidos, o que foi acompanhado pelo Poder Judiciário "por entenderem que ainda estão presentes os requisitos legais autorizadores da custódia preventiva".

Com relação ao réu Luan Alberto, a Auditoria Militar do Estado do Ceará argumenta que "a prisão do militar ainda se mostra necessária para apuração dos fatos e circunstâncias e para evitar a reiteração delitiva, bem como, não houve alteração no quadro que ensejou sua prisão preventiva capaz de levar uma reanálise do caso".

Já para Roberto Montenegro, a mesma instituição não reconheceu na solicitação provas suficientes que garantem que o acusado é, de fato, o único responsável pelos cuidados dos filhos menores. "Se existirem familiares em liberdade que possam ser os responsáveis por esses cuidados, não há que se falar na aplicação desse dispositivo legal", complementa o texto.

Em ambas as decisões, a Auditoria Militar reforça que os réus, caso soltos, podem voltar a praticar as ações criminosas pelas quais foram acusados. "Foi consignado, ainda, a existência de indícios concretos de periculosidade elevada por parte dos ex-agentes pelo fato de participarem de organização criminosa, sendo a prisão preventiva o único meio suficiente para interromper a escalada criminosa do grupo", finaliza a decisão.

Relembre detalhes da Operação Kleptonomos

A Operação Kleptonomos foi deflagrada para cumprir 16 mandados de prisão preventiva e 17 mandados de busca e apreensão, contra policiais militares acusados de integrar a organização criminosa. Os mandados foram cumpridos em Fortaleza, Itaitinga, Maracanaú, Pacoti e Russas, além de Maceió (no Estado de Alagoas).

Materiais apreendidos pela Polícia durante a prisão de policiais militares
Legenda: Com os suspeitos a Polícia apreendeu armas e munições da própria corporação
Foto: Messias Borges

Segundo o MPCE, o nome da Operação tem origem no grego clássico, a partir da junção de duas raízes: "klepto", que significa "roubar" ou "apropriar-se ilicitamente", e "nomos", que representa "lei", "ordem" ou "norma estabelecida". "Essa composição literal — 'aquele que rouba a lei' — traduz de forma direta a figura de quem usurpa a autoridade legal, cria regras próprias ou impõe um sistema paralelo de poder, em afronta ao ordenamento legítimo", pontua o Órgão.

R$ 300 mil
é o valor estimado que o grupo chegou a receber pelo esquema criminoso, segundo o divulgado pelo coordenador do Gaeco, o promotor de justiça Adriano Saraiva, na época da deflagração da operação.

Também no fim de julho, o coordenador de Polícia Judiciária Militar e Disciplina da PMCE, coronel Marcus Monteiro, garantiu que "a Polícia Militar do Estado do Ceará não admite esses desvios de condutas" e garantiu que vão haver mais operações policiais.

*Estagiário sob supervisão do jornalista Emerson Rodrigues

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