Diretora do Hospital Regional do Cariri revela bastidores no enfrentamento à pandemia da Covid-19

Atualmente, a média mensal de atendimentos Covid no HRC se assemelha ao índice de julho do ano passado, mês com maior número de atendimentos.

Escrito por André Costa , andre.costa@svm.com.br
Legenda: O Hospital Regional do Cariri é uma das principais unidades do Interior, referência para 45 cidades
Foto: Antonio Rodrigues

Em julho do ano passado, os olhos das autoridades sanitárias do Ceará estavam voltados para o Cariri, mais especificamente para Juazeiro do Norte. A maior cidade do Interior cearense era, à época, o epicentro da pandemia da Covid-19. Os casos se multiplicavam em assustadora velocidade - com mais de 250 casos por dia - e o sistema de saúde era desafiado para suportava a ampla pressão.

Para atender tantos infectados o Hospital Regional do Cariri (HRC) precisou se reinventar. Esse processo iniciado no ano passado seguiu de forma progressiva e contínua, dado que, após a redução da curva de contágio no segundo semestre do ano passado, logo em seguida teve início a segunda onda, com retorno do aumento dos casos de infectados. 

A unidade de saúde, referência para 45 cidades com uma população estimada em 1,5 milhão de pessoas, mais que dobrou o número de leitos e o quadro de funcionários teve incremento de quase 60%. Esse acréscimo é justificado pelo alto número de atendimentos.

De abril a julho do ano passado, foram 1.656 atendimentos Covid, dentre os quais cerca de 400 foram somente em julho, mês do pico. Entre agosto e setembro, os casos ensaiaram estabilização e, no início da segunda onda (outubro) até fevereiro deste ano, foram 752 atendimentos, cuja média mensal foi de 150. 

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Esse número, no entanto, foi superado em um 95 dias. Entre março e maio, já são 796 atendimentos - média semelhante ao pico de julho do ano passado. Os números foram fornecidos pelo Hospital Regional do Cariri.

Ainda segundo a unidade, como agravante, além de os números atualmente estarem em tendência crescente, os atendimentos a traumas subiram diferente do que ocorrera em 2020.

Antes do início da pandemia, a média de atendimentos em traumas (exclusivamente oriundos de acidentes) era de 280. De março em diante, com o  lockdown, essa média caiu para 90.

Essa redução de atendimentos viabilizou a destinação de leitos antes dedicados aos traumas, para atendimento a pacientes infectados pelo novo coronavírus. Neste ano, com a média em 200 atendimentos ao mês, a destinação de leitos para Covid foi reduzida pela metade (25 UTIs). 

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Diante dessa rotina frenética, com aumento de atendimentos Covid concomitante aos de traumas, os profissionais que atuam no HRC já se encontram extenuados. A constatação é de Demostênia Coelho Rodrigues, Diretora Geral da unidade. 

Para conhecer os bastidores do Hospital Regional do Cariri, o Diário do Nordeste entrevistou a Diretora que falou sobre os desafios encontrados na 1ª e 2ª ondas. Ela reconhece ainda que os profissionais estão cansados, revela queda em outros atendimentos - como captação de córneas, que chegou a ser suspenso no ano passado devido a uma recomendação do Ministério da Saúde - e detalha que os infectados da segunda onda chegam à unidade com estado de saúde mais delicado.

Confira entrevista:

Legenda: Demostênia Coelho Rodrigues fala sobre os bastidores do Hospital Regional do Cariri durante a pandemia da Covid-19
Foto: Divulgação

O Hospital Regional do Cariri (HRC) atende a mais de 40 cidades do Sul do Estado, além de ser referência para municípios de Estados vizinhos. Como foi ter que conciliar essa demanda naturalmente alta com a pandemia? 

O HRC é referência para 45 municípios da região Sul do estado, e por estar localizado na divisa com outros dois estados, acaba atendendo também pacientes de outras regiões, o que torna o combate a pandemia ainda mais desafiador, uma vez que nossos profissionais e leitos ficam bem divididos com a necessidade de atender em concomitante, o trauma e o AVC como referência, bem como outras situações que demandam a emergência 24h.

Quais as principais especificidades no combate à pandemia na 1ª e 2ª onda? 

Na 1ª onda tivemos a especificidade de vivenciar o medo em enfrentar uma doença potencialmente contagiosa e letal e totalmente desconhecida até então. Na 2ª onda me parece estar sendo ainda pior, pois enfrentamos mutações do vírus por meio de novas cepas mais contagiosas e mais letais.

Qual foi o período mais desafiador? Quais os momentos mais críticos que vocês passaram desde o início da pandemia no HRC?

Enfrentar o medo e o desconhecido na busca incessante de salvar o maior número de vidas possível é o maior desafio. Eu diria que diariamente vivemos momentos críticos, sobretudo quando nos deparamos com as inúmeras vidas perdidas pra essa doença, mesmo com todos os esforços das equipes médicas. 

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A senhora nota uma diferença entre os pacientes da primeira e segunda onda? 

Sim. Infelizmente os pacientes estão chegando a nossa unidade mais graves, o que demanda um maior tempo de internação, além de se apresentar numa faixa etária mais jovem e sem comorbidades.

Hoje, uma das regiões com maior sobrecarga na assistência da saúde é a região do Cariri. A senhora avalia que este quadro ainda segue se agravando por qual(is) motivo(s)?

Desde o início da pandemia, o  Governo do Estado vem fortalecendo toda sua rede de assistência à saúde, não só na Capital, mas também no interior. Mas apesar dos esforços, o vírus ganha força e se espalha de formas distintas nas diferentes regiões.

Entendemos que a única maneira de frear a disseminação da doença é manter as medidas de isolamento e segurança já conhecidas por todos. E essa é uma responsabilidade de todos nós enquanto cidadãos.

Qual seria a importância de ter mais leitos operando no HRC? 

Servir de retaguarda para o atendimento a pacientes clínicos e cirúrgicos, a exemplo do trauma que continua lotando nossos leitos. Os atuais 118 leitos de UTI são suficientes para atender a demanda natural (sem referência à pandemia). Vale salientar que o HRC na sua estrutura original era composto de 315 leitos, destes 50 de UTI (antes da pandemia).

Atualmente dispomos de 365 leitos, destes 118 de UTI, sendo 73 exclusivos para o tratamento da Covid, e os outros 45 de UTI geral para as demais patologias, incluindo o trauma e o AVC, nosso principal perfil. E sim, com todas as dificuldades do sistema público, não tínhamos uma fila de espera significativa para a demanda de UTIs em nossa região.

Como a rotina dos médicos foi afetada no combate à pandemia? Eles estão exaustos?

A partir do momento que nos deparamos com o medo e a ansiedade de combater o novo, isso gera uma necessidade de mudanças de rotinas e hábitos. Hoje, já dispomos de muitos protocolos e diretrizes, mas que só foram criados em meio a pandemia, como, por exemplo, as orientações de restrição de visitas e acompanhantes, o tratamento com os corpos após o óbito, dentre outras... 

Sim, estamos todos cansados. Porém, resistimos na busca diária de salvar o maior número de vidas possível.

Em relação aos profissionais da linha de frente, qual o percentual que foi acometido pela Covid? 

Desde o início da pandemia, não temos medido esforços no tocante aos treinamentos em serviço, principalmente no que se refere a paramentação e desparamentação de EPIs. Acreditamos que isto tenha colaborado para o nosso baixo índice de contaminação entre os profissionais em cerca de 30%, com apenas 7 internações e infelizmente um óbito. Hoje todos estão vacinados (D1 e D2).

Em relação aos profissionais da saúde, qual foi o crescimento do quadro no início da pandemia? 

Antes da Pandemia tínhamos em torno de 1.350 colaboradores diretos e indiretos. Atualmente, somos mais de 2.000 profissionais. Sem dúvida alguma isso gera um impacto financeiro, no entanto, é importante lembrar que esse custo é composto não somente por profissionais, mas também por insumos, EPIs, medicamentos e manutenções.

Quais serviços foram mais afetados na pandemia?

Infelizmente todos os serviços foram de alguma forma afetados, uma vez que nos deparamos com a necessidade de, em tempo recorde, nos prepararmos para atender uma doença completamente desconhecida até então. A captação de órgãos (sobretudo de córneas) foi infelizmente afetada, principalmente por orientação do próprio Ministério da Saúde.

 

 

 

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