Vereadora acusa Adail Jr. de violência política de gênero ao ser chamada de 'louca' na CMFor
Episódio aconteceu durante a sessão da quarta-feira (19), quando a líder da oposição, Adriana Almeida, cobrava o pagamento de benefícios a profissionais da educação
Membro da base do Governo Sarto na Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor), o vereador Adail Júnior (PDT) está envolvido em outro episódio de possível violência política de gênero por declarações feitas na tribuna da Casa Legislativa. O parlamentar foi acusado pela vereadora Adriana Almeida (PT) por chamá-la de “louca”, na sessão da última quarta-feira (19), após ela ter lançado questionamentos sobre os vencimentos e o pagamento de benefícios aos profissionais da educação pelo Município. A situação foi transmitida ao vivo pelos canais oficiais do Legislativo.
Almeida, que é líder da oposição, havia mencionado, durante seu tempo de fala, a realização de um ato de professores e profissionais da rede municipal na terça-feira (18), que foram até a Coordenadoria de Gestão de Pessoas (Cogepe) e na Secretaria Municipal de Educação (SME) de Fortaleza para apresentar os pontos de pauta pleiteados pela categoria. No discurso, ela falou da falta de repasses dos precatórios do Fundef pela Prefeitura e comparou com o pagamento pelo Governo do Estado.
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Em seguida, rebatendo ao que foi dito pela petista, Adail iniciou seu discurso ironizando a fala anterior: “Queria parabenizar a coragem da vereadora Adriana Almeida em vir fazer graus comparativos, talvez da pior educação do Brasil, a do estado do Ceará, com a melhor educação do Brasil ao nível de capital”. De acordo com o pedetista, ela estaria “atropelando a realidade” ao defender a gestão estadual.
“Aí vossa excelência quer falar de Passe Livre. Não é louca? Não é louca?”, declarou Adail. “Vossa excelência quer falar da Lei do Piso (Salarial)? Puxa outro assunto, vereadora Adriana. Pelo amor de Deus! Tenho certeza que as lideranças do Ceará estão indignadas com vossa excelência, se tremendo todinhos, 'meu Deus, essa mulher é louca', onde ela está arranjando coragem…”, continuou.
Ao acompanhar o pronunciamento de Adail, Adriana pediu respeito. A intervenção, no entanto, não foi bem aceita pelo parlamentar, que retrucou: “O que estou falando?”. Houve uma interrupção nos microfones e uma breve discussão foi iniciada entre os dois políticos. Mesmo confrontado, Adail se recusou a pedir desculpas. “Não vejo motivos”, acusou ele.
Provocado a se posicionar, o vereador Bruno Mesquita (PSD), que presidia a sessão plenária no momento em que a situação ocorreu, disse que ia avaliar o teor da fala do colega.
Adail, dando continuidade ao seu tempo como orador, protestou contra a vereadora e direcionou sua fala ao bloco oposicionista da Casa. “A gente atura tudo da oposição. Eu fazer uma interrogação 'você é louca?', não estou afirmando, amiga. Vossa excelência é professora”, argumentou. Mesquita interrompeu mais uma vez e disse que iria avaliar o pedido de Adriana.
O membro do PDT então insistiu: “Sou bastante humilde para pedir desculpas, mas a oposição da esquerda é muito sensível”. “Vou perguntar de novo: a senhora é louca?”, continuou. Pela segunda vez, o microfone foi cortado e o presidente da sessão admitiu: “Vossa excelência está atingindo a vereadora”.
Adriana Almeida solicitou a retirada da declaração dos anais da Câmara Municipal — os quais são a coletânea de debates, discursos, tramitações e documentos que fazem parte da dinâmica do processo legislativo. “Acredito que nenhum vereador aqui deveria se dirigir a nenhuma vereadora com essa expressão”, disse a petista.
Na quinta-feira (20), o tema voltou à tona por iniciativa de Adail, que subiu na tribuna para rebater acusações de que teria atacado a vereadora. "Eu fico a imaginar como deve ser dificil fazer um mandato sem pauta. Vai se aproximando das eleições e você tem que criar colegas para fazer sua pauta nas redes sociais", apontou. O registro foi postado pelo próprio Adail em suas redes sociais.
"Vi, (quando) não era nem parlamentar, o então deputado Artur Bruno, nunca me esqueço disso, (falar) das TPE, tensões pré-eleitoreiras. Aí, nesse ano eu acredito que essas TPEs vão ser mais fortes", provocou o político.
Na visão de Adail, os postulantes do pleito municipal estão querendo "usar colegas vereadores" para fazer suas pautas. Ele afirmou que nunca utilizou do período para se "vitimizar" ou criar "fake news" e alegou que, ao acusarem de ter promovido ataques, não puseram sua fala na íntegra.
Colegas saíram em defesa
Minutos depois do ocorrido, quando pôde utilizar seu tempo de fala, a vereadora Adriana Gerônimo (Psol) prestou solidariedade à colega. “Estamos no Parlamento da quarta maior capital do Brasil e é inadmissível que a gente veja violência política de gênero no plenário”, frisou.
Gerônimo ponderou que um “debate de ideias é saudável, oposição é saudável, nem todo mundo concorda em tudo”. E completou: “Mas um vereador abrir a boca para chamar uma colega parlamentar de louca, ao vivo, para todo mundo ver, é inaceitável”. Ela considerou o fato como “constrangedor” e apontou que a atitude “reduz o valor” da atuação legislativa.
A vereadora Ana Paula (PSB), pouco antes do fim da sessão, também se manifestou: “Não é de hoje, desde que pus os pés nessa Casa, que a bancada feminina encontra muitas dificuldades de fazer o seu papel. É violência política de gênero, sim”, acusou.
Conduta gerou indignação
Em nota divulgada pela assessoria de imprensa da vereadora Adriana Almeida na quarta, ela indicou sua consternação diante dos ataques. “Fiquei profundamente indignada com os ataques machistas e misóginos que sofri hoje no plenário da Câmara Municipal de Fortaleza, proferidos pelo vereador Adail Júnior”, disse.
Segundo a vereadora, o comportamento atinge outras mulheres que integram a classe política e atuam em outros segmentos da sociedade. “Ao me chamar de louca e afirmar que a população de Fortaleza me vê dessa forma, ele não apenas desrespeitou minha pessoa, mas também todas as mulheres que, como eu, lutam diariamente por uma sociedade mais justa e igualitária”, pontuou.
“Mulheres são constantemente descredibilizadas em suas vidas cotidianas e também quando ocupam espaços de poder, e esse ataque é um exemplo claro dessa prática. Como mulher, professora e vereadora, que estava defendendo a pauta da educação, repudio veementemente esse tipo de comportamento. Esse ato não é apenas uma ofensa pessoal, mas uma clara manifestação de violência política de gênero, que visa nos silenciar e deslegitimar nossas vozes”, adicionou a petista.
Indagada nesta sexta-feira (21) se acionaria os meios formais para denunciar o caso, a vereadora indicou que não irá registrar boletim de ocorrência, mas que pretende acionar a Procuradoria Especial da Mulher da CMFor e a Frente Parlamentar de Combate à Violência Política de Gênero da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece).
A ex-prefeita de Fortaleza e deputada federal Luizianne Lins (PT) foi solidária com sua correligionária. Por meio de uma postagem nas redes sociais, ela fez uma manifestação sobre o ataque sofrido por Adriana Almeida.
“Minha solidariedade à vereadora Adriana Almeira, vítima de ataque misógino nesta quarta (19) na Câmara de Fortaleza. Adriana é uma mulher séria, de luta, que nos orgulha pelo trabalho que vem fazendo como parlamentar e líder da oposição na Câmara. Exigimos respeito às mulheres na política e em todos os espaços. Basta de violência política de gênero!”, escreveu.
A deputada estadual Larissa Gaspar (PT), também seguiu uma posição semelhante, veiculando uma nota de solidariedade na qual a Frente Parlamentar de Combate à Violência Política de Gênero da Alece, presidida por ela, se posiciona contra da atitude do vereador Adail.
“Em sua incansável luta na defesa dos direitos de professoras e professores, Adriana foi chamada de louca pelo vereador da base do prefeito. Nosso repúdio a todo ato de machismo e misoginia nas casas legislativas, que tenta silenciar e deslegitimar o trabalho das mulheres na política”, disse um trecho do comunicado.
Vereador é reincidente
Essa não é a primeira vez que o vereador Adail está envolvido em acusações de misoginia e violência política de gênero por declarações proferidas na tribuna da Casa Legislativa. Em março do ano passado, o pedetista se dirigiu aos colegas do Plenário Fausto Arruda e afirmou que a vereadora Adriana Gerônimo deveria ir “baixando sua bola”. A parlamentar havia feito críticas ao transporte público da Capital cearense momentos antes.
“Vá baixando a sua bola em relação ao meu parlamento, ao meu mandato, vá fazendo seu mandato, vossa excelência não tem moral para estar me dando carão, nem chamando a atenção em microfone, não tem moral, nem passado, nem história”, disse Adail em um dos trechos do discurso na oportunidade. Um bate-boca chegou a acontecer no dia.
Em outra parte da sessão, ele chegou a subir na tribuna e alegou que a parlamentar do Psol teria baixado o “tom de voz”. “Pelo menos serviu, já baixou o tom de voz dela, é alguma coisa já, já baixou o tom de voz dela, a desculpa vou ficar esperando”, afirmou, sendo parabenizado pelo posicionamento pelo então líder do Governo Sarto, o vereador Carlos Mesquita (PDT).
“Queria que ela estivesse aqui para eu dar um 'à parte' a ela, para ela rebater o que eu tô dizendo, se é mentira ou verdade. Mas fiquei feliz, pelo menos no primeiro (discurso), pode ser que no segundo, no terceiro, no quarto, botando ela no lugar dela, ela fique realmente no lugar dela, se preocupe com o parlamento dela, se esqueça do meu parlamento”, finalizou.
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Uma reincidência no ataque aconteceu em dezembro do ano passado, quando Adail insinuou que a vice-governadora Jade Romero (MDB) seria “garganta de aluguel” de integrantes do PT por problematizar, durante uma entrevista, a escolha do candidato do PDT ao Governo do Ceará na eleição de 2022 — ocasião em que a legenda escolheu o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT), em detrimento da reeleição da então governadora Izolda Cela (hoje no PSB). Na visão de Romero, compartilhada na entrevista, os trabalhistas fariam o mesmo com o prefeito Sarto, que não havia sido confirmado como pré-candidato até então.
“Não se deixe levar, usarem a garganta da senhora como garganta de aluguel. Vocês do Governo do Estado deviam estar preocupados é com essa discussão de quem será o candidato do PT”, atacou Adail, quando repercutiu a fala da emedebista na tribuna. O vereador Lúcio Bruno (PDT) adotou um tom parecido, dizendo que a vice-governadora seria “muito grande” para ser “menino de recado”.
A reportagem procurou a assessoria de imprensa do vereador Adail Júnior e a Coordenadoria de Comunicação da Câmara Municipal de Fortaleza para que pudessem se manifestar. No entanto, não houve nenhuma devolutiva até a publicação desta matéria. O conteúdo será atualizado caso haja uma resposta.
Ceará pune violência política de gênero
No ano passado, a Justiça Eleitoral do Ceará condenou, pela primeira vez, um réu por violência política de gênero. A decisão foi tomada em desfavor do vereador de Russas, Maurício Martins, por proferir falas misóginas contra as deputadas estaduais Jô Farias, Juliana Lucena e Larissa Gaspar, todas do PT. A pena de reclusão, no entanto, foi substituída por multa e prestação de serviços à comunidade.
O caso ocorreu em março de, quando o parlamentar afirmou que elas "vendem ilusão", agem como "lagarta encantada" e "aparecem só no Dia Internacional da Mulher". "Aí, bota um palco no meio das praças e vão mentir", completou. A fala foi feita na tribuna da Câmara Municipal.
A condenação, em primeira instância, foi feita após denúncia do Ministério Público Eleitoral. Nela, a Procuradoria alega que Martins "constrangeu e humilhou, através de palavras, detentoras de mandato eletivo (deputadas estaduais), utilizando-se de menosprezo à condição de mulher, com a finalidade de dificultar o desempenho de seus mandatos eletivos".
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O juiz Wildemberg Ferreira de Sousa, na 9ª Zona Eleitoral, ressaltou que, no caso da denúncia por violência política de gênero, não cabia argumento de imunidade parlamentar do vereador. "Não se pode compreender que as ofensas proferidas guardem pertinência com o exercício do mandato, sob pena de esvaziar a eficácia e efetividade da norma penal incriminadora no ambiente onde mais tem se mostrado propício à ocorrência do delito de violência política contra a mulher", disse.
"O discurso do vereador contra as ofendidas, a despeito de travestido de uma mera cobrança ácida por uma atuação parlamentar mais ampla por parte das deputadas, na realidade, consistiu numa retaliação ofensiva contra as parlamentares com a finalidade exclusiva de diminuí-las e constrangê-las, utilizando-se de termos/expressões que remetem às suas condições de mulheres", considerou o magistrado.
Apesar do Código Eleitoral prever pena de reclusão em casos de violência política de gênero, o magistrado determinou a substituição da condenação de três anos e seis meses de reclusão por duas medidas restritivas de direitos: a prestação de serviço comunitário e multa. O tempo de cumprimento das medidas será definido em audiência admonitória. Maurício Martins também foi condenado a 360 dias-multa, cada um deles equivalente a 1/5 do salário mínimo vigente.